Coluna

Insubordinação universitária e o Estado Democrático de Direito

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O uso da estrutura institucional da Universidade para patrocinar ataques lesivos aos valores constitucionais do Estado Democrático de Direito merece reprimenda contundente dos órgãos competentes - Divulgação / UFC
A ação ilegal contra os professores desrespeita o ethos universitário

Por Martonio Mont’Alverne Barreto Lima* e Felipe Braga Albuquerque**

“Ato de insubordinação contra superior hierárquico”. A acusação voltada contra 5 (cinco) professores da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC) levanta a discussão acerca da possibilidade da aplicação de tal instituto, previsto na Lei 8.112, no âmbito docente em Universidades Públicas.

Os professores Beatriz Rêgo Xavier, Cynara Monteiro Mariano, Felipe Braga Albuquerque, Gustavo César Machado Cabral e Newton de Menezes Albuquerque levaram ao conhecimento do Ministério Público Federal do Ceará (MPF-CE) e em redes sociais, que um ato normativo interno do Diretor da Faculdade de Direito extrapolou a Resolução no 08/Consuni/UFC.

Tal conduta, tem sido apontada pela Universidade Federal do Ceará, ao menos em âmbito inicial, como ato de insubordinação contra superior.

No campo da legislação federal, nem a Lei 2.373/54 - que cria a Universidade do Ceará, nem a Lei 12.772/12 – que dispõe sobre a estruturação do Plano de Carreiras e Cargos de Magistério Federal, nem a Lei 4.881-A/65 - Estatuto do Magistério Superior, impõem subordinação hierárquica entre professores e diretores de Unidades acadêmicas.

O que vigora nas universidades, na forma de lei, é a organizarão de seu funcionamento didático pelo princípio da coordenação das atividades docentes e não o princípio da hierarquia.

Aliás, a hierarquia decorre única e exclusivamente da lei, não podendo ser presumida. A competência a qual a lei impõe é um conjunto de poderes expressos a um órgão/agente, que não podem ser preteridos.

O cargo público, como prevê a próprio Estatuto dos Servidores Públicos da União (Lei 8.112/90), é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor (art. 3º).

No caso dos 5 (cinco) “insubordinados” ainda não se apresentou qual ato de superior teria sido desobedecido. Não se expôs inclusive a previsão de hierarquia legal entre diretor e um professor. A insubordinação é caracterizada quando ocorre o descumprimento de ordens pessoais dadas pelo chefe a determinado servidor ou grupo de servidores.

Vislumbra-se, inclusive, que a comunicação dos “insubordinados” ao MPF resulta de direito constitucional de petição e blindado de perseguição pelo art. 126-A, da Lei 8.112/90, que proíbe expressamente a responsabilização civil, penal ou administrativamente do servidor por dar ciência à autoridade competente para apuração de informação concernente à prática de crimes ou improbidade de que tenha conhecimento.

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A ação ilegal contra os professores (que estão sendo ameaçados por Processo Administrativo Disciplinar com previsão da penalidade de demissão) desrespeita o ethos universitário, dado que este deve reger-se pelo acatamento do pluralismo, da diversidade e da liberdade de pensamento, aberto às múltiplas razões, sensibilidades e mundividências.

O uso da estrutura institucional da Universidade para patrocinar ataques lesivos aos valores constitucionais do Estado Democrático de Direito merece reprimenda contundente dos órgãos competentes para velar pelo acompanhamento permanente da legalidade, do corpo docente, discente e da sociedade civil.

*Martonio Mont’Alverne Barreto Lima é Professor Titular da Universidade de Fortaleza e Procurador do Município de Fortaleza. Jurista membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia.

**Felipe Braga Albuquerque é jurista e Professor Adjunto da Universidade Federal do Ceará.

Edição: Leandro Melito