Na Bolívia, depois dos atos violentos que levaram à renúncia do presidente Evo Morales e seu vice Álvaro García Linera, o governo interino também destituiu as autoridades do Tribunal Supremo Eleitoral (TSE). A nova formação do máximo organismo eleitoral boliviano foi finalizada mais de um mês depois do golpe.
Salvador Romero foi indicado pela interina Jeanine Áñez, no dia 25 de novembro, para chefiar o TSE. Os outros seis membros do tribunal foram escolhidos somente em 19 de dezembro pela Assembleia Legilsativa Plurinacional.
Daniel Atauichi, Oscar Hassenteufel, Francisco Vargas, Nancy Gutiérrez, Angélica Ruiz Vaca Diez e Rosario Baptista Canedo foram eleitos entre 155 aspirantes com a tarefa de organizar as eleições presidenciais.
A Constituição do Estado Plurinacional determina que três reitores devem ser mulheres e dois indígenas. Também estabelece que os reitores deveriam cumprir com 16 pré-requisitos, como ser boliviano, ter ao menos 30 anos de idade, não ter nenhum processo judicial aberto ou pertencido a alguma organização política nos últimos dez anos.
Em uma clima de tensão política prévio às eleições, com denúncias de ataques a atos de campanha do Movimento ao Socialismo (MAS-IPSP) em várias regiões do país, analistas acusam que a nova composição do TSE não transmite confiança aos bolivianos.
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"Acredito que levanta suspeita em várias frentes. Primeiro porque são pessoas nomeadas no final do ano passado, não somente as autoridades nacionais, mas também as dos estados. Há dúvidas sobre as capacidades técnicas e as capacidades para administrar um processo eleitoral que vai ser realizado em meio a tanta polarização política", afirma Claudia Peña, jornalista boliviana e pesquisadora sobre identidades políticas.
Depois de três adiamentos, as eleições presidenciais estão previstas para o próximo 18 de outubro. Na última semana, 213,6 mil cidadãos foram empossados como jurados do processo.
Entre os observadores internacionais, está a Organização dos Estados Americanos (OEA), organismo que acusou fraude no processo que deu a quinta vitória consecutiva a Evo Morales, em agosto do ano passado, e que agora é denunciada por influenciar politicamente o processo.
Já a União Europeia, que havia prometido enviar 100 delegados, há duas semanas assegurou que serão no máximo seis.
Após várias revisões da votação, organismos internacionais reiteraram que não houve fraude, como apontava o relatório preliminar da OEA. No passado 11 de setembro, o Ministério Público da Bolívia reiniciou as investigações do caso.
Também há repercussão internacional. Um grupo de 28 congressistas estadunidenses solicitou na última segunda-feira (21), uma investigação ao Departamento de Estado sobre o papel do organismo nas eleições presidenciais bolivianas.
Em comunicado, afirmam que o secretário geral da OEA, Luis Almagro, se "apressou" em reconhecer Jeanine Áñez como presidenta interina da Bolívia.
Raio-X do TSE
Salvador Romero Balliván é doutor em ciência política pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris. De origem abastada, seu pai foi um reconhecido intelectual boliviano, Salvador Romero Pittari.
Antes de assumir o comando do TSE, foi presidente e vice da extinta Corte Nacional Eleitoral durante quatro anos (2004-2008), durante a gestão de Carlos Mesa, do partido Comunidad Ciudadana, que agora figura como segundo colocado nas pesquisas de intenção de voto.
"Ao parecer, ele não é um ator plenamente confiável e equilibrado em relação às diferentes forças políticas. Foram publicadas várias fotos, que revelam que Romero e Mesa nutrem uma amizade de anos", comenta Peña.
Documentos divulgados pelo portal WikiLeaks revelam sua relação com o Departamento de Estado dos Estados Unidos e Agência para o Desenvolvimento Internacional (Usaid).
Romero seria um antigo informante do embaixador estadunidense na Bolívia, Philip Goldberg, que foi expulso pelo ex-presidente Evo Morales depois de revelada sua relação com planos desestabilizadores no país.
Também ministrou palestras em eventos financiados pela Usaid que criticavam a gestão de Morales, evidenciando sua postura como opositor desde antes do golpe de Estado.
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Daniel Atahuichi Quispe foi o candidato mais votado para assumir uma cadeira no Poder Eleitoral. É economista e professor da Universidade Mayor de San Andrés. Entre todos os eleitos, Quispe colaborou com os governos do MAS-IPSP, como assessor do Ministério de Defesa (2002) e da Presidência (2006).
Francisco Vargas Camacho é o único que já havia trabalhado no TSE. Desde 2014 é coordenador do Serviço Intercultural de Fortalecimento Democrático.
Ambos foram os únicos a se opor ao terceiro adiamento das eleições gerais, mudando as eleições de 6 de setembro para 18 de outubro.
Já Óscar Hassenteufel Salazar também presidiu a Corte Nacional Eleitoral (2002-2006), depois de ter sido magistrado da Corte Suprema de Justiça. Antes de assumir a vaga no TSE, atuava no Tribunal de Justiça Esportiva do país.
María Angélica Ruiz Vaca Diez é advogada, especialista em segurança, defesa e desenvolvimento, com experiência empresarial, como chefe de responsabilidade corporativa na empresa Tigo. Atuou como reitora na Corte Eleitoral do Departamento de Beni (2005), região de Jeanine Áñez. Além disso, também havia trabalhado na Corte Nacional Eleitoral (2002 -2008) - antigo órgão máximo do Poder Eleitoral boliviano.
Rosario Baptista Canedo é advogada, especializada em direitos humanos e dos povos indígenas. Havia trabalhado como assessora no Ministério do Trabalho (2003-2004) e na Defensoria Pública (2001-2002).
Nancy Gutierrez Salas é jornalista, especializada em comunicação intercultural.
Ainda foram eleitos como suplentes Carlos Gómez Rojas, Pablo Zuleta Sánchez, Edwin Armata Balcazar, Noemí Uriarte, Yajaira San Martín e Nelly Arista Quispe.
Atuação em Honduras
O Instituto Nacional Democrata de Honduras (INDH) foi uma organização não governamental criada com apoio financeiro da Usaid, em 1983, como parte do apoio da Casa Branca à "democracia nacional" hondurenha.
O atual presidente do TSE boliviano, Salvador Romero, foi indicado pelos Estados Unidos para verificar as instituições eleitorais depois do golpe de Estado que destituiu o presidente constitucionalmente eleito, Manuel Zelaya, em 2009.
Desde que assumiu a presidência do INDH, Romero deu aval à vitória de candidatos do setor conservador, ainda quando os processos eleitorais foram questionados internacionalmente por possível fraude.
Perseguição
O TSE foi reformado depois que o governo de Morales foi destituído e a antiga presidenta do Poder Eleitoral foi perseguida judicialmente.
María Eugenia Choque foi detida no dia 10 de novembro, depois de ser forçada a renunciar à presidência do Tribunal. Acusada de comandar uma suposta fraude eleitoral, Choque foi a primeira líder indígena do poder eleitoral boliviano.
Antes de ser presa, a ex-presidenta do TSE colocou-se à disposição para oferecer esclarecimentos às autoridades. "Reafirmo minha vontade para uma investigação justa, em apego aos direitos humanos e às normativas do país", declarou.
De novembro até hoje, Choque teve dois pedidos de liberdade provisória negados.
Os ex-membros do TSE Lucy Cruz, Idelfonso Mamani, Edgar Gonzales e Lidia Iriarte também estão detidos. Já Antonio Costas ganhou o direito à prisão domiciliar.
"Essa perseguição judicial às autoridades eleitorais da gestão anterior tem fins políticos, busca fortalecer a tese de fraude eleitoral nas eleições de outubro", denuncia a jornalista Claudia Peña, que acrescenta que de 50 pessoas que trabalharam nas cortes eleitorais regionais também permanecem detidas.
Tensão
Além da repressão no período pós-golpe, a violência desatada contra militantes sociais nas últimas semanas aumentam a sensação de instabilidade no país.
Na última quarta-feira (23), a Defensoria do Povo denunciou o ataque à sede de campanha do MAS no município de Chimba, departamento de Coachabamba. O porta-voz do organismo, Nelson Marcelo Cox Mayorga exigiu que o Tribunal Eleitoral de Cochabamba iniciasse investigações para punir os responsáveis, catalogando os atos de antidemocráticos.
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Para Peña, a impunidade do Estado busca gerar condições para aumentar a polarização da sociedade boliviana.
"Há uma política de permitir a violência política contra o MAS. Há uma situação em que busca exacerbar a tensão na população para um enfrentamento entre sociedade civil para ter outra desculpa para postergar as eleições do dia 18 de outubro", denuncia a analista política.
Em agosto, autoridades indicadas por Áñez para ocupar cargos na Cortes Eleitorais departamentais voltaram a afirmar que se negavam a coordenar um processo em meio à pandemia da covid-19.
"Não há segurança de que essas eleições de outubro possam acontecer sem riscos de fraude. Chama muita atenção que o Tribunal Supremo Eleitoral decidiu que os policiais e militares que vão custodiar o traslado das atas eleitorais dos pontos de votação até a sede do poder eleitoral em cada departamento. Nos processos eleitorais dos últimos 15 anos, as urnas com os votos eram custodiadas pelos notários eleitorais, agora será a polícia e o exército", relata Claudia Peña, quem também foi ministra de Autonomias (2011-2015).
Edição: Rodrigo Chagas