Evo Morales, presidente da Bolívia entre 2005 e 2019, anunciou no dia 10 de novembro que renunciava ao cargo, após ameaça e violência por parte dos setores mais conservadores da sociedade.
Isso ocorreu após quase três semanas de protestos nas principais cidades do país por suspeita de suposta fraude nos resultados da votação de 20 outubro. A Organização dos Estados Americanos (OEA) colocou uma série de dúvidas sobre o processo eleitoral. Porém, mais tarde, estudo independente feito nos EUA desmentiu o organismo internacional.
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Foi um golpe de Estado. E profundamente violento. A prefeita de Cochabamba teve seu cabelo cortado em praça pública. O presidente legítimo e o vice, García Linera, tiveram sua vida ameaçada. Bibliotecas queimadas, políticos e parentes de Evo ameaçados, numa intervenção política dos setores da direita boliviana que recordou a ferocidade dos tempos das ditaduras latino-americanas dos anos 60 e 70.
Policiais, setores conservadores dos exércitos, políticos oriundos dos setores religiosos, agitadores infiltrados da derrota na tentativa de desestabilização na Venezuela, organizaram um golpe com apoio da classe média boliviana – da antiga e também da que surgiu com as próprias políticas de inclusão de Morales.
Fake news foram criadas, nessa nova dinâmica de desestabilização de governos, quando se criaram 65 mil perfis falsos de Twitter.
Seria o quarto mandato do presidente popular. Bastante, alguns poderão até dizer, mas o curioso é não vermos os analistas midiáticos condenando, por exemplo, Alemanha e Japão, cujos presidentes também ultrapassaram três mandatos. O que se questiona de fato são presidentes que conduzem os países dependentes numa trilha de autonomia e nacionalização.
A ação contra o governo Evo consumou o quarto golpe direto entre 2009 e 2019, além das várias tentativas das elites locais com apoio dos EUA. Em um primeiro momento, pode-se imaginar: havia uma crise econômica e política na Bolívia, os velhos argumentos que justificaram muitos golpes?
Não, a Bolívia apresentava um ciclo virtuoso de crescimento, o principal da América do Sul, com mais de 4% de crescimento. Uma lição importante de como o imperialismo e a oligarquia latino-americana não dormem no ponto, esperando o momento certo e fazendo denúncias políticas e pessoais que consigam desgastar o governo de plantão. Dada a dependência de nossas economias e a ação do imperialismo, o período recente aponta que não há estabilidade institucional possível, apenas resistência e organização popular necessárias.
As eleições acontecem no próximo dia 18 de outubro, e as acusações dos movimentos populares até aqui são de que a direita no poder tentou manobrar para não acontecerem eleições.
A contradição e a encruzilhada é que a esquerda tem chances reais de vitória no dia 18 de outubro com a candidatura do economista Luis Arce, que lidera as pesquisas com 41,9% das intenções de voto, em um cenário inclusive em que o apoio popular pode ser maior. A direita, por sua vez, está dividida entre três nomes e o ex-presidente Carlos Mesa está com 26,8% das intenções.
O governo atual de Jeanine Áñez é o inverso do governo de Evo Morales, tem desmontado políticas públicas na saúde, tenta retomar uma agenda de privatizações, caso da empresa de energia elétrica de Cochabamba, e tem fracassado no combate à pandemia de Covid-19.
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Já o período de estabilidade do governo Morales, entre 2006 e 2019, havia resultado em política de industrialização de mineral central como o lítio, nacionalização de recursos naturais – em 2005, pra ter ideia, o país controlava apenas 18% dos recursos oriundos da exploração de gás natural.
Com planejamento dos recursos e políticas públicas, a pobreza na Bolívia passou de 38,2 para 15% da população. De alguma maneira, um exemplo que EUA e potências centrais não querem ver prosperar.
Um governo resultado da ascensão de lutas sociais e que resultou na formação de um bloco camponês, indígena e operário que fazia uma revolução cultural no Estado boliviano, ao mesmo tempo em que tentava suprimi-lo. Este era o quadro de transição e de “tensões criativas”, para usar a expressão de Garcia Linera, que a Bolívia vinha vivendo, cenário que o golpe tentou interromper.
Com o desgaste próprio dos ataques da oposição, e da dificuldade de superação e avanço na organização popular, o governo boliviano também viveu o desgaste semelhante a outros governos latino-americanos, no marco da “primavera progressista”. O que levou Morales dos 60% de apoio em 2014 para 50% em um referendo que aprovou a reeleição. E esta foi a porta de entrada política para o desgaste da oposição.
Fica visível como projetos independentes em nosso continente serão tratados, a começar pelos meios de comunicação empresariais, como inimigos. Projetos a serem derrubados. A natureza violenta, racista e dependente do golpe na Bolívia contra um governo popular e de desenvolvimento nacional é uma lição importante para as forças populares no continente. Mostrou o flanco aberto de um projeto no qual muitos analisávamos que estava consolidado.
Olhos atentos para a Organização dos Estados Americanos (OEA), em meio às ameaças dos EUA e da recente ameaça de intervenção de Mike Pompeo ao lado do governo brasileiro, contra a Venezuela, o que foi respondido à altura por Maduro.
Dia 18 de outubro a esquerda e o projeto do MAS tem chance de retomar o governo. Mas, por tudo o que observamos, os setores golpistas e os EUA desgastados com a pandemia de coronavírus, permitirão? A luta de classes em nossa América segue se intensificando.
Edição: Gabriel Carriconde