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Casos de Alzheimer podem quadruplicar no Brasil até 2050, alerta associação

Em entrevista ao Bem Viver, neurologista da ABN dá dicas e informações importantes sobre esse tipo de demência

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |

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Demência está entre as causas mais comuns de incapacidade e dependência que acometem pessoas idosas - Tomaz Silva/Agência Brasil

Os casos de Alzheimer no Brasil, onde 1,5 milhão de habitantes já foram diagnosticados com o problema, podem aumentar em até quatro vezes nos próximos 30 anos. O alerta é feito pela Academia Brasileira de Neurologia (ABN)

"Os países subdesenvolvidos são países que têm projeção de aumento da população idosa muito grande pros próximos anos. Somos um país que está envelhecendo e a projeção é de que, em 2050, a gente tenha algo próximo de 6 a 7 milhões de casos de demência, e a principal causa de demência é o mal de Alzheimer", afirmou a médica Jerusa Smid, 1ª secretária e coordenadora do Departamento Científico de Neurologia Cognitiva do Envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) em entrevista ao programa Bem Viver, da rádio Brasil de Fato.

Diante dessas projeções, a ABN defende a criação de um Plano Nacional de Demência. A ideia é administrar políticas e ações de saúde pública que possam assegurar assistência adequada a pacientes e suas famílias.

Considerado o mês mundial da conscientização sobre o mal de Alzheimer, setembro é o período em que diferentes especialistas ampliam o alerta para a importância de se prevenir, tratar e também aprender a identificar o problema.

A mobilização, que tem como marco o dia 21 deste mês, lembra que a cada três segundos uma pessoa adquire demência no planeta, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).  

Confira a seguir a entrevista completa: 

Brasil de Fato: A ABN tem dito que o Brasil não tem muito a comemorar nessa área e que os casos de Alzheimer, por exemplo, podem quadruplicar. Qual o motivo disso?

Jerusa Smid: Isso é verdade tanto aqui quanto no mundo porque nós estamos envelhecendo, e estamos num país cuja maior faixa de crescimento está na população idosa. Os países subdesenvolvidos são países que têm projeção de aumento da população idosa muito grande pros próximos anos. Somos um país que está envelhecendo e a projeção é de que, em 2050, a gente tenha algo próximo de 6 a 7 milhões de casos de demência, e a principal causa de demência é o mal de Alzheimer.

A ABN tem defendido a criação de um Plano Nacional de Demência. Como seria esse programa e que efeito positivo que vocês entendem que ele poderia ter?

A ABN, a Associação Brasileira de Alzheimer e diversas outras organizações defendem o Plano Nacional de Demência porque a demência é uma condição que afeta a sociedade como um todo. Além do paciente propriamente, os familiares ficam envolvidos nessa doença, que tira o indivíduo do seu papel social e, muitas vezes, também familiares do seu papel social pra cuidarem daquele indivíduo. Portanto, as doenças são um problema de saúde pública aqui e no mundo todo.  

Se a gente não pensar em olhar pra esse problema de forma a diminuir as suas consequências negativas na nossa sociedade, nós seremos pegos de surpresa ou despreparados no futuro pra tratar desse contingente de pessoas. Diversos países têm planos nacionais pra lidar com a doença.

Mesmo na comunidade médica, há médicos que ainda não estão familiarizados com o diagnóstico dessa condição

A gente sabe que hipertensão arterial, diabetes, sedentarismo, tabagismo são todos fatores de risco associados a uma maior chance de a pessoa ter demência, então, a gente precisa de todo um envolvimento do sistema de saúde pra prevenção de fatores de risco, diagnóstico precoce dos indivíduos com demência e tratamento adequado até [pra lidar com] a evolução da doença.

A gente tem, por exemplo, muito poucas instituições de longa permanência pros indivíduos ficarem e não precisarem deslocar alguém da sua família pra cuidar deles. Então, esse plano abarcaria diversos pontos no cuidado dos pacientes com demência, tanto no indivíduo com demência como na sociedade que vai se deparar com 6 ou 7 milhões de casos em 2050.  

Considerando tudo isso, o poder público teria, então, um papel fundamental?

Fundamental. Teria que envolver todo o sistema de saúde, sistema de prevenção, escolaridade. A gente pensa que esse Plano Nacional abarca até a melhora da escolarização dos indivíduos, desde a idade de crianças mesmo. Isso vai fazer a diferença no número de pessoas que vão desenvolver demência.

Falando em poder público e participação estatal, ainda há uma considerável subnotificação dos casos de mal de Alzheimer. Qual o problema que isso causa?

O problema é que, mesmo na comunidade médica, há médicos que ainda não estão familiarizados com o diagnóstico dessa condição. A gente também precisa, no enfrentamento dessas doenças, de uma melhor educação médica no sentido de eles poderem diagnosticar o doente.

Se a gente pensar, por exemplo que, no início da doença, muitos médicos e familiares subestimam os sintomas, a gente pensa que o indivíduo pode ir sozinho ao médico, que vai dar algumas instruções e ele não vai ser capaz de se lembrar ou de seguir as instruções ditas pelo médico. Então, a gente imagina que a subnotificação está associada à falta de informação médica.  

Qual o impacto desse tipo de doença no ambiente familiar e social? É possível falar em impactos mundiais também? Eu vi que os gastos com tratamentos nessa área chegaram a U$S 1 trilhão em 2018, uma marca maior que o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil...

Sim, quando a gente pensa nos custos associados a essas doenças, a gente pensa no custo direto – porque o indivíduo precisa tomar remédio, ir ao médico, ser hospitalizado – e também nos indiretos.

O indivíduo para de trabalhar, para de contribuir socialmente, e as doenças envolvem a perda de autonomia do paciente, que passa a depender de alguém que, muitas vezes, é alguém da sua família e que para de trabalhar e, de novo, perde aquele papel social e passa a ter papel de cuidador daquele paciente.

Isso é o custo indireto, é quando, por exemplo, eu tiro alguém do mercado de trabalho que está ativo na sociedade pra cuidar do indivíduo com demência. Isso é um problema mundial mesmo e os valores são muito elevados, como você citou.  

Quem atua na área de saúde com esse tipo de tema percebe ainda algum nível considerável de desinformação das pessoas sobre o assunto? A gente vê muita gente dizendo que a demência é “natural”, “típica da velhice”, por exemplo... Há uma dificuldade popular em perceber que isso também pode ser uma anormalidade?

Sim, existe muito esse conceito de que o indivíduo, quando envelhece, perde e memória, a sua capacidade cognitiva, mas isso não é verdade. Embora seja muito comum o surgimento de demência com o envelhecimento, ele não é normal.

Existem pessoas que envelhecem sim, com declínio cognitivo significativo. Isso é verdade na sociedade, pro leigo, que acha “ah, ele está ficando meio esquecido, mas isso é da idade mesmo”, e também pra muito médicos de atenção primária, médicos que não estão habituados a fazerem esse diagnóstico de demência que também pensam assim.

O principal sintoma é a dificuldade de memorizar novas informações

Eu já ouvi colegas falarem “ah, esse indivíduo tem Alzheimer, mas não tem mais mesmo o que fazer, de que adianta ele procurar ajuda médica?”. E tem muito o que ser feito. Não existe cura, é verdade, mas a gente tem toda a educação associada a esse indivíduo, tem toda a orientação pra que esse indivíduo seja mais bem tratado, a gente tem os fatores de riscos que a gente pode combater e que vão fazer uma diferença na evolução do caso.

As estatísticas mostram que pouco mais de 7% dos casos de Alzheimer são de pessoas com menos de 65 anos. Esse índice sobe consideravelmente pra 35% quando se trata de pessoas com mais de 85 anos. A que tipo de sinais nós precisamos ficar atentos pra perceber a possibilidade de surgimento de um caso de Alzheimer (ou de alguma outra demência) em algum ente querido?

O principal sintoma, realmente o sintoma inicial mais frequente é a perda de memória, de memória mais recente, de coisas que aconteceram há pouco tempo, não de memórias tardias, de coisas remotas, que aconteceram há muitos anos. Então, o principal sintoma é a dificuldade de memorizar novas informações.

Mas também, por exemplo, tem pacientes que podem apresentar dificuldade para falar, pra encontrar palavras, dificuldade em se manter atualizado com a data, dificuldade espacial, às vezes o indivíduo não localiza uma rua que é habitual pra ele.  

O indivíduo começa a apresentar dificuldades em desempenhar funções que ele conseguia antes. Então, por exemplo, uma dona de casa que cozinhava perfeitamente começa a errar os passos, errar o tempero, errar a ordem de ingredientes. Começa a ter uma dificuldade nas suas tarefas do dia a dia. O principal sintoma é realmente a perda de memória.       

E, quando a gente identifica o surgimento de questões como essa no ambiente familiar, qual o primeiro passo depois disso?

O indivíduo precisa procurar um médico. Os médicos que cuidam habitualmente desse tipo de paciente são os neurologistas, geriatras e alguns psiquiatras especializados nas áreas de demência, mas o objetivo é realmente que o médico da atenção primária possa fazer a identificação desses casos iniciais. Então, o indivíduo precisa procurar o sistema primário de saúde, se ele usar o SUS [Sistema Único de Saúde], ou o seu médico clínico e conversar. E, a depender, o encaminhamento pra essas especialistas que eu citei.

Sobre prevenção, é possível deixar um alerta aqui pras pessoas? Atividade física, por exemplo, tem muita relevância?

Tem bastante relevância. Alguns fatores que a gente sabe que ajudam na prevenção são: cuidar de todos os fatores de riscos cardiovasculares, como pressão alta, diabetes, colesterol, qualidade de sono. Sedentarismo e tabagismo devem ser combatidos. Pacientes com depressão, por exemplo, devem procurar um médico pra combater os sintomas depressivos.

O consumo abusivo de álcool deve ser combatido também. Esse é um fator de prevenção com o qual a gente tem que tomar cuidado. Existem alguns fatores que são de prevenção e são fatores que a gente deve cuidar ao longo da evolução do paciente que já tem demência.  

Por fim, só uma curiosidade: a ciência tem avançado muito na lida com o mal de Alzheimer? Qual o status disso hoje?

O tratamento atual é o mesmo que a gente faz há pelo menos 13 anos ou mais, 15 anos. A gente não tem nenhuma novidade no tratamento. O que a gente tem bastante é pesquisa em busca de novas possibilidades de tratamento, mas, de fato, não existe nenhuma medicação nova que possa nos ajudar no combate à doença.

Edição: Leandro Melito