O Executivo venezuelano entregou à Assembleia Nacional Constituinte (ANC), nesta terça-feira (29), um projeto de lei antibloqueio, buscando diminuir os efeitos econômicos gerados pelo bloqueio imposto pelos Estados Unidos e União Europeia. Segundo o presidente Nicolás Maduro, o bloqueio já gerou um prejuízo anual de 30 bilhões de dólares aos cofres públicos venezuelanos, através de sanções, congelamento de reservas internacionais e ameaças a parceiros comerciais.
"A Venezuela tem que se blindar de maneira urgente aos ataques e empreender uma retomada econômica, financeira em outubro, novembro e dezembro", sinalizou o chefe de Estado.
Por isso, a proposta prevê incentivos tributários, o uso do Petro e outras criptomoedas no comércio interno e externo e a criação de jurisdição para proteger as empresas que façam negócios com o país.
O projeto também busca atender os trabalhadores venezuelanos. O documento propõe o desenvolvimento de mecanismos de compensação do salário. Por conta da hiperinflação induzida, o salário mínimo na Venezuela, de 400 mil bolívares soberanos, equivale a menos de um dólar.
A ANC se declarou em sessão de emergência para aprovar o projeto que deverá ser avaliado por pelo menos quatro das suas 21 comissões. A proposta é que a lei de cárater constitucional tenha vigência enquanto dure o bloqueio.
Se aprovada, as distintas instituições públicas venezuelanas deverão contribuir a um levantamento nacional sobre os impactos do bloqueio.
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"Assim podemos decidir para onde direcionar os ingressos para amenizar os efeitos do bloqueio. Esse é o primeiro ponto, um aspecto de contabilidade e planificação. Já o segundo ponto seria pagar com a mesma moeda as marcas e corporações que se somam ao bloqueio. Isso gera consciência e obriga aqueles que permanecem no país a produzir para satisfazer a demanda nacional. Assim, podemos saber com quem e com o quê contamos para alavancar a economia nacional", analisa a advogada constitucionalista venezuelana María Alejandra Díaz.
Sanções a nível mundial
Estima-se que metade dos países em todo o mundo sofram diretamente com sanções impostas pela Casa Branca ou sintam os efeitos do seu impacto de maneira indireta.
Somente o Escritório de Controle de Bens Estrangeiros (OFAC - pelas siglas em inglês), adjunto ao Departamento do Tesouro estadunidense, mantém sancionadas 34 nações, apesar de que, segundo o Direito internacional, somente o Conselho de Segurança da ONU poderia emitir sanções desse tipo.
Tanto o secretário geral das Nações Unidas, António Guterres, como a Alta Comissária para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet defenderam o fim das medidas coercitivas durante a pandemia. No entanto, o chamado não surtiu efeito sobre a União Europeia e os Estados Unidos.
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Para Díaz, os organismos multilaterais não têm força suficiente para enfrentar as decisões das maiores potências econômicas mundiais.
"A Corte de Haia condenou os Estados Unidos no caso das sanções contra o Irã e depois não aconteceu absolutamente nada. Não acredito que tenham força. O que me parece interessante é que nós, dos 34 países que sofrem medidas coercitivas unilaterais possamos nos unir e criar uma jurisdição especial para aplicar o mesmo remédio a quem está nos perseguindo", afirma a advogada e deputada constituinte, María Alejandra Díaz.
O projeto venezuelano teve assessoria internacional e utiliza uma legislação similar à criada em Cuba, país que é bloqueado pelos Estados Unidos desde 1962. Durante os anos 90, a ilha viveu o chamado Período Especial, com uma profunda crise econômica depois da queda da União Soviética. Aproveitando a situação difícil, a Casa Branca propôs a criação de novas leis para recrudescer o bloqueio contra o povo e governo cubano.
Em 1996, foi aprovada a Lei de Reafirmação da Dignidade e Soberania Cubanas, três anos depois de ser aplicada a Lei Helms Burton, que entre outras coisas, prevê multas a países terceiros ou empresas que comercializarem com Cuba, além do veto de 60 meses a navios que aportam em costas cubanas.
A chamada Lei 80 oferece proteção jurídica a empresários que pretendam investir no turismo cubano, reafirma o processo de indenização às empresas estrangeiras nacionalizadas pela Revolução e oferece acesso a documentos que possam facilitar a abertura de processos judiciais por investidores estrangeiros nos seus países de origem.
Consulta cidadã
O governo venezuelano também lançou uma nova enquete para analisar a percepção dos venezuelanos sobre os efeitos do bloqueio. A pesquisa será feita pela plataforma Patria, um sistema online que conta com o cadastro de cerca de 20 milhões de cidadãos, através da qual eles podem se inscrever em programas sociais e receber ajuda financeira do Estado através de um "bônus".
Com isso, o governo pretende levantar sugestões de ações para combater as chamadas medidas coercitivas unilaterais.
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Mencionando os últimos processos de golpe de Estado que aconteceram na região, contra Fernando Lugo, no Paraguai, Manuel Zelaya, em Honduras, e Dilma Rousseff, no Brasil, ao entregar o projeto, Maduro fez menção à Doutrina Monroe, que prevê uma relação de dominação dos Estados Unidos sob América Latina.
Nos últimos seis anos, a Venezuela perdeu 99% da entrada em moedas estrangeiras, passando de 56 bilhões de dólares a cerca de 400 milhões de dólares em 2019.
"A saída econômica é dirigir todos os recursos para levantar a produção nacional e criar uma autarquia - isso é um pouco do que fez Irã. E isso deve vir acompanhado de um sistema de justiça forte que condene a corrupção, que puna aqueles que estão se aproveitando da situação para benefício pessoal, e dirija esses recursos para a reativação da produção a partir dos de baixo, a partir das comunas organizadas que buscam gerar uma economia de outro tipo", defende María Alejandra Díaz.
A vice-presidenta e ministra de Economia e Finanças, Delcy Rodríguez, afirma que já é hora da Venezuela alterar sua estrutura judicial para se proteger das medidas coercitivas. "Essas sanções constituem um crime de lesa humanidade, por isso levamos essa denúncia à Corte Penal Internacional", declarou.
Edição: Luiza Mançano