Os conventos eram permeáveis a encontros amorosos naquela época
Mariana de Alcoforado viveu em Beja, cidade portuguesa no Alentejo, entre os anos de 1640 e 1723. Foi uma freira. Confinada ao convento aos 11 anos, sem vocação, a menina cumpria uma promessa materna e uma sina das meninas da família, que era uma das mais importantes do lugar.
Aos 20 anos conheceu um militar e nobre francês, o Marquês Noel Bouton de Chamilly, conde de Saint-Léger. Chamilly lutava em solo português na Guerra da Restauração, quando Portugal tentava acabar com o domínio espanhol e reestabelecer sua independência.
Os conventos eram permeáveis a encontros amorosos naquela época e as cartas de Mariana a Chamilly são um dos mais românticos e eróticos escritos do século XVII. O escândalo abalou a sociedade de Beja na época e o nobre francês fugiu e voltou para a França. O que sobrou do romance são os escritos, que fizeram um enorme sucesso. Existe uma polêmica envolvendo a autoria do trabalho, mas isso não é o mais importante para esse texto.
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O século XVII português ficou conhecido na gastronomia pelo estabelecimento de doces conventuais. Com a expansão dos conventos e a chegada massiva do açúcar da colônia do Brasil em Portugal, a doçaria se expandiu enormemente.
Farinha, ovos, amêndoas, laranjas e limões eram os ingredientes locais que, aliados ao açúcar colonial, deram origem a uma das melhores e mais criativas doçarias do mundo. Uma doçaria muito doce pois não podemos nos esquecer que, na época, o açúcar valia ouro e representava poder.
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As freiras enclausuradas em diferentes conventos pelo país vinham de ricas famílias da nobreza. Seu enclausuramento representava poder, riqueza e segurança. Assim, muitos conventos eram ricos e uma das maneiras de exibir nobreza e riqueza era por meio de doces. Cada convento se esmerava em fazer um doce melhor que o outro, especializando-se em determinados tipos que eram encomendados no reino todo.
Mas a vida nos conventos era complexa e envolvia uma trama enorme de mistérios e repressão. Muitos eram permissivamente tolerantes com visitas masculinas para namoros secretos entre as freiras mais jovens.
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Uma linguagem romântica e erótica nasceu desses encontros furtivos. Oferecer determinados tipos de doces tinha significados, como os lenços dos namorados, os abanos de leques ou as flores trocadas entre amantes.
Dizem que a super produção de ovos no período ajudou na confecção dos doces conventuais. As freiras usavam as claras para engomar os véus e as gemas que sobravam viravam doces. Mas na linguagem de amor e erotismo que se seguiu a esse fato, os doces desempenhavam um papel essencial.
Assim, os doces dos conventos passaram a ter nomes sugestivos: Suspiros, Assoprozinhos, Beijinhos, Travesseiros, Barriga de freira, Espera marido, Pastelinhos de boca de dama, Torta de línguas, Línguas de damas, Beijos de freiras, Gargantas de freiras, Freirinhas. E muitos que ainda precisam de tradução como as Pombinhas de Alcorce do Convento da Conceição, de Elvas.
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Alcouce, no linguajar da época, queria dizer lupanar, bordel. Ou mesmo os Derriços, doce típico de Penacova, que quer dizer pessoas que namoram. Ainda existiam os Charutos de amêndoas ou as Fofas do Faial ou mesmo os Pitos de Santa Luzia, onde pito na gíria popular rural quer dizer vagina. Vou continuar só um pouco porque além de instrutivo é divertido.
Existiram as Bolas do Paraíso, o Doce Serafim, as Fatias do Conde, as Orelhas-de-Abade, os Fofinhos do Convento. Teve um que ficou especialmente conhecido por seu caráter explícito: o Pirilau do Frade Ambrósio, com origem no antigo Convento do Loreto, em Vila Nova da Barquinha. Tudo é muito direto e delicioso. Acho mesmo que Freud se espantaria com Portugal do século XVII e XVIII.
Mas as esbórnias nos conventos não caíram bem aos olhos da população – a madre superiora do Convento de Olvidelas, Madre Paula Teresa da Silva (1704-1768) teve um caso com o rei d. João V, com quem teve um filho, o José. A falta de vocação das religiosas, aliada à licenciosidade dos doces, fez com que o arcebispo d. Gaspar de Bragança, filho invejoso de d. João V, conseguisse que se proibissem a confecção dos doces.
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Ninguém respeitou a decisão. Contudo, no século XIX, a má fama dos conventos portugueses, e sua enorme influência econômica e política, fez com que a monarquia os proibisse as ordens religiosas. Os doces saíram da clausura e ganharam as ruas e as pastelarias. Estudiosos portugueses costumam dizer que a cozinha nunca esteve muito longe da cama em Portugal.
Edição: Leandro Melito