O primeiro debate entre candidatos nas eleições municipais 2020, realizado na noite desta quinta-feira (1º) pela Rede Bandeirantes, reuniu 11 postulantes à prefeitura de São Paulo. A quantidade de debatedores e o formato do programa não favoreceu a exposição de propostas e o confronto de ideias. Participam do encontro, mediado pelo jornalista Eduardo Oinegue, Andrea Matarazzo (PSD), Arthur do Val (Patriota), Bruno Covas (PSDB), Celso Russomanno (Republicanos), Guilherme Boulos (Psol), Jilmar Tatto (PT), Joice Hasselmann (PSL), Márcio França (PSB), Marina Helou (Rede), Orlando Silva (PCdoB) e Filipe Sabará (Novo).
O tempo para formulação de perguntas era de 30 segundos, e o de respostas, 45 segundos. Durante duas horas, o debate entre candidatos a prefeito de São Paulo espalhou-se por cinco blocos, em que havia pouca margem para confrontos e embates mais profundos. Quando havia respostas objetivas, permitiam no máximo uma abordagem genérica. Dificilmente um formato de debate com essas regras e número de oponentes terá condições de ajudar o eleitor paulistano a sair do atual patamar de desinteresse.
As mais recentes pesquisas apontam para uma situação próxima de “empate técnico” entre Celso Russomanno e Bruno Covas. A dianteira numérica é de Russomanno, com pouco mais de 20%, mas quem lidera mesmo são o desinteresse, a desinformação e a falta de escolha. Tanto Ibope quanto Datafolha trouxeram nos últimos 10 dias taxas de indecisos próximas da casa dos 60%, declarações de nulo/branco próximas dos 20%. Ambas nas respostas espontâneas.
Candidato de Bolsonaro
Mesmo com um eventual apoio de Jair Bolsonaro causando a maior rejeição a um candidato, Celso Russomanno ostentou sua amizade com o presidente. E chegou a atribuir essa amizade com Bolsonaro como fator favorável a uma renegociação da dívida de São Paulo com a União, para tentar melhorar o caixa da cidade. De um lado, esqueceu do detalhe de que a dívida de São Paulo já foi renegociada pelo ex-prefeito Fernando Haddad. De outro, revelou que para negociar com Bolsonaro não é interesse público que conta, mas “amizade”.
Russomanno, profissional de televisão, é candidato pela terceira eleição consecutiva e líder na preferência dos evangélicos – é inclusive impulsionado pela Igreja Universal. Apresentou-se com o velho carimbo de defensor do consumidor, com traje e tom de voz de pastor e postura de ator. Pouco se preocupando com respostas objetivas. Seu projeto de governo mais enfatizado foi a criação do auxílio paulistano, além de um centro municipal de games.
O prefeito Bruno Covas, por sua vez, foi mais comedido em se expor como uma espécie de “consequência” do governador João Doria (PSDB). Covas, vice, herdou a cadeira quando Doria, eleito em 2016, abandonou o posto para disputar o governo do estado. O governador acumula elevada taxa de rejeição – e causa também rejeição, segundo as pesquisas, a quem vai apoiar.
Candidato de Doria
Procurando se esconder de Doria, Covas esteve mais preocupado em marcar posição como “antipetista” – o PT ainda é apontado como partido mais citado (18%) como preferido dos paulistanos. Assim, muitas vezes falava no debate como se fosse um opositor, e não o prefeito de São Paulo.
Reiterou que a gestão Doria/Covas encontrou uma prefeitura “quebrada pelo PT”, com “rombo de R$ 7 bilhões”. Na verdade, encontrou em caixa um saldo positivo de R$ 5,3 bilhões, de acordo com o Relatório Anual de Fiscalização de 2016, elaborado pelo Tribunal de Contas do Município (TCM) – segundo checagem da Agência Lupa.
O prefeito não conseguiu explicar, no entanto, debilidades de sua gestão em áreas de visibilidade e importância. Como mobilidade (não expandiu ciclovias nem corredores de ônibus, reduziu o Bilhete Único do transporte coletivo, encareceu o preço das passagens). Ou educação – não soube responder como conseguirá atender à maior demanda pelas escolas públicas durante e após a pandemia da covid-19.
Embora tentasse bater na gestão petista, o prefeito Bruno Covas citou com alguma dose de orgulho feitos como a entrega de novos hospitais, novos centros de educação unificados (CEUs) e a obra de revitalização do Vale do Anhangabaú. Curiosamente as obras de novos hospitais municipais, a criação dos CEUs e o projeto de reforma do Anhangabaú foram ações gestadas em governos petistas. O candidato do PT, Jilmar Tatto, foi enfático ao citar os 400 quilômetros de ciclovias e de corredores de ônibus – frutos da gestão Haddad, da qual fora secretario de Transportes – e a implantação do Bilhete Único. E citou a redução, durante a gestão de Doria/Covas, de quatro para duas horas para a possibilidade de uso de ônibus com o valor de uma passagem do bilhete.
Pandemia?
Dona da pergunta de abertura do confronto, mesmo diante da mais grave crise sanitária da cidade e do mundo, em meio à pandemia da covid-19, a Band preferiu abrir o debate em São Paulo com a cracolândia. O tema é, aliás, palco de espetáculos televisivos de programas policialescos e punitivistas da emissora. E a pergunta sobre a cracolândia foi uma levantada de bola para conservadores como Covas, Joyce Hasselmann, Arthur do Val e Andrea Matarazzo usarem a expressão “bolsa crack”.
Assim procuraram resumir a política de redução de danos, acolhimento e inclusão prevista no programa De Braços Abertos, desenvolvido na gestão de Fernando Haddad. E substituído na gestão Doria/Covas por uma política de repressão a dependentes químicos e higienista, sem no entanto atacar o tráfico.
Candidatos do campo progressista enfrentaram o assunto. Orlando Silva (PCdoB), primeiro a ser acionado na abertura do debate, defendeu um programa de redução de danos e de inclusão no mercado de trabalho. Jilmar Tatto (PT) prometeu retomar o De Braços Abertos, e criticou a violência de Doria e Bruno Covas.
Os do campo conservador têm outra visão. Joyce Hasselmann (PSL) disse que para dependentes interessados em colaborar, convocará igrejas – evangélicas ou católicas – para cuidar. Para quem não quiser, vai defender internação compulsória. As duas modalidades – ela não disse – costumam ser objeto de repasse de recursos do poder público para organizações e entidades religiosas ligadas a apoiadores de governos de plantão.
Arthur do Val (Patriota) – recentemente denunciado por desencadear onda de ameaças ao padre Júlio Lancelotti, da Pastoral do Povo de Rua –, exibiu um padrão Enéas Carneiro do século 21, usando por várias vezes a expressão “eu tô de saco cheio”. Andrea Matarazzo (PSD) afirmou que vai usar “muita energia” para “aporrinhar” a vida dos traficantes e internar compulsoriamente dependentes.
Economia
Depois de os cinco primeiros candidatos falarem sobre cracolândia, criação de empregos em São Paulo foi o segundo tema proposto aos outros seis. Márcio França (PSB) projeta frentes de trabalho como marca do início do seu governo. Celso Russomanno comentou sobre as empresas fechadas durante a pandemia e se comprometeu a dar assistência aos empresários.
Arthur do Val informou ser o candidato que se recusou a receber fundo eleitoral para a campanha. Criticou a quarentena imposta pela prefeitura de Covas e disse que pretende usar o Plano Diretor para criar empregos. O Plano Diretor Municipal é uma obrigação de toda gestão, e tem de ser atualizado de tempos em tempos. O último – ele não explicou – elaborado durante a gestão de Fernando Haddad, com objetivo de traçar planos em todas as áreas de gestão para o período 2014-2029, foi premiado pela ONU-Habitat Brasil.
Guilherme Boulos (Psol) lembrou que São Paulo é a segunda cidade com mais mortos pela covid-19. E projetou a criação da Renda Solidária para que na cidade mais rica do Brasil ninguém “precise pegar comida no lixo”. Mencionou frentes de trabalho como meio de criar empregos adequados às diferentes regiões da cidade.
Provocado por Filipe Sabará (Novo), sobre se aceitaria dialogar com bancos para promover crédito, Boulos afirmou não crer nessa possibilidade. Em contrapartida, defendeu programas de microcrédito, crédito cooperativo e apoio a empreendimentos de economia solidária.
Sabará demonstrou repetidas vezes mais preocupação em pedir votos para candidatos a vereador do Novo, do que em falar como possível chefe de Executivo. Já a candidata da Rede, Marina Helou, usou chavões genéricos para responder à maioria das questões, tais como “novas soluções para resolver velhos problemas” ou “sair da mesmice e pensar diferente”. Mas avisou que no seu site eleitor encontraria vídeos com respostas aos temas.
Campo progressista
Os candidatos Guilherme Boulos (Psol), Jilmar Tatto (PT) e Orlando Silva (PCdoB) mantiveram durante o debate dos prefeituráveis de São Paulo postura coerente em relação a projetos do campo progressista. Boulos respondeu questões relacionadas à população de rua e ao déficit habitacional. Rebateu críticas sobre estimular “invasões” dando ênfase a determinações constitucionais sobre a função social da propriedade. Disse não ver cabimento São Paulo ter 25 mil pessoas sem-teto enquanto tem 40 mil imóveis abandonados, muitos com dívidas superiores ao seu valor. Chegou a dizer a Russomanno que é o único entre os debatedores que mora na periferia (Campo Limpo, zona sul), região em que o candidato do Republicano “só aparece a cada quatro anos”.
Tatto defendeu feitos das gestões do PT – de Marta Suplicy (Golpista) e Haddad –, disse que o prefeito Bruno Covas mentiu ao falar em dívida de R$ 7 bilhões deixada por Haddad. Além disso, lembrou a Russomanno que a dívida de São Paulo com a União já havia sido renegociada na gestão de seu partido. Questionou Covas pelo fim do Leve Leite e pela baixa na qualidade da merenda escolar. E ainda lembrou da ração humana proposta por Doria como política de segurança alimentar. “Nós do PT damos o benefício e vocês tiram”, disse.
Orlando Silva também mencionou a escorregada de Russomanno, ao explicar que uma renegociação de dívida não cabe ao presidente da República. Precisa ser objeto de projeto a ser debatido e aprovado pelo Senado. Orlando rebateu ainda provocação de Hasselmann, sobre os governos do PT serem responsáveis por 12 milhões de desempregados. O candidato do PCdoB se disse orgulhoso de ter sido ministro do governo Lula, quando foram criados 10 milhões de empregos formais.
Partindo para a disputa separadamente no primeiro turno, diferentemente da unidade já estabelecida em diversas capitas e cidades importantes, os candidatos da esquerda asseguram que estarão unidos em um eventual segundo turno. Porém, não aproveitaram uma das regras do debate de São Paulo para atuar de maneira mais entrosada. Candidatos da direita, por exemplo, atuaram em bloco para atacar o petismo e o esquerdismo. Mas os da esquerda não se acionaram uns aos outros nos blocos em que candidatos podiam fazer perguntas entre si.