Ilegalidade

Adiamento de prazo para veículos menos poluentes é inconstitucional, diz MPF

Norma que estabelece adequação tem força de lei e qualquer pedido de mudança precisa ser analisado pela Justiça

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Constituição impõe ao poder público e à coletividade o dever preservar o meio ambiente. - Agência Brasil/ Arquivo

Esta é a quarta parte da série de reportagens do Brasil de Fato sobre os riscos que a qualidade do ar no Brasil representa para a saúde da população.

Mudar os prazos estabelecidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) para a nova fase do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos (Proconve) fere princípios da Constituição Federal brasileira, segundo entendimento do Ministério Público Federal. O texto prevê direito à vida, à saúde e ao "meio ambiente ecologicamente equilibrado". Permitir que ônibus e caminhões continuem rodando por mais dois ou três anos sem tecnologia limpa, pode levar brasileiros ao adoecimento, à morte e vai contra uma norma estabelecida de proteção ambiental.

A nova fase do Proconve foi definida em 2018 em resolução do Conama, que tem competência para estabelecer normas com força de lei. Na ocasião, representantes da indústria automotiva concordaram com os prazos, que começam em 2022. Agora, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) diz que não houve tempo de iniciar o processo e alega prejuízos por causa da pandemia do coronavírus, que impediram as modificações.

Não basta só apresentar um estudo, você tem que levar esse estudo ao crivo de uma possível contestação.

José Leonidas Bellem de Lima, Procurador Regional da República e Coordenador do Grupo de Trabalho Qualidade do Ar da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, afirma que as justificativas apresentadas pela Anfavea precisam ser comprovadas, com estudos e documentação. Ele explica ainda que não cabe ao Conama mudar a regra. Se o setor considera que precisa de um novo prazo, ele precisa buscar o judiciário.

"Não tem nada técnico, não tem nada escrito, não tem um estudo. Mais ainda, não basta só apresentar um estudo, você tem que levar esse estudo ao crivo de uma possível contestação. Com certeza o Conama não é o órgão e o momento de eles fazerem isso foi lá atrás. Mas se eles querem fazer agora, eles têm todo o direito. Se alguém entende que tem um direito ferido, o que faz? Vai ao judiciário. No judiciário você vai ter o crivo da contestação, você vai ter o ônus argumentativo"

A partir de 2022, ônibus, caminhões e veículos pesados movidos a diesel, precisarão ter tecnologias que diminuam as emissões de gases tóxicos. Com a mudança, há potencial de queda em até 80% dos poluentes emitidos. Um adiamento jogaria por terra essa possibilidade e aumentaria significativamente a quantidade de substâncias nocivas no ar que os brasileiros respiram nas grandes cidades.

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Tamanho impacto exige que sejam apresentadas formas de compensação. Se já não é possível reverter uma norma que tem força de lei, menos ainda fazer isso sem se responsabilizar pelas consequências. "Todos nós temos que trabalhar em defesa do meio ambiente. Ainda que seja autorizando determinadas obras, a gente tem que fazer estudo de impacto ambiental, conversar com a população local, ver de que forma aquilo pode ser mitigado ao máximo. Se não puder ser mitigado, ele tem que ser compensado", explica o integrante do MPF.

O procurador ressalta ainda que o Conama pertence a um sistema de defesa ambiental e não tem atribuição de analisar ou solucionar eventuais empecilhos mercadológicos para cumprimento das normas que estabelece. "É um órgão que estabelece medidas protetivas ao direito fundamental ao meio ambiente e para resguardar todos os interesses ligados a esse meio ambiente, como é o caso da vida e da saúde. Depois que ele expede uma norma com força de lei, como ele vai alterar essa norma por critérios meramente econômicos?", indaga.

Será que eles vão ter essa perda? Nós precisamos comprovar, porque eles têm uma desoneração fiscal.

Vale ressaltar que no ano passado, a indústria de veículos registrou crescimento de 8% nas vendas.De acordo com Leonidas, outros setores envolvidos - como as indústrias de autopeças - já informaram que conseguiram se adequar ao prazo. Ele explica, portanto, que as alegações de falta de tempo e prejuízos econômicos, precisam ser comprovadas. 

"Vai ter que ser discutida uma análise profunda em termos de economia. Será que a Anfavea e seus associados terão todo esse prejuízo? Eu escuto, por exemplo, o ministro da Economia dizer muitas vezes que nós vamos sair dessa crise em V [fazendo menção ao formato da curva de crescimento]. Nós estamos lá, mas já vamos subir. Será que eles vão ter essa perda? Nós precisamos comprovar, porque eles têm uma desoneração fiscal quando eles avançam. Tudo isso tem que ser computado."

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O Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao Ministério do Meio Ambiente que as normas de diminuição das emissão sejam mantidas. De acordo com o documento enviado, houve um "histórico de inércia e insuficiência na regulamentação e implementação do Proconve ao longo da última década". Para o MPF, durante o vácuo normativo "o setor produtivo e o Estado não dispuseram de nenhuma meta ou horizonte temporal que forçasse o planejamento para a adoção de medidas mitigadoras de emissões."

Edição: Rodrigo Chagas