Acabou virando uma interseção de todas essas coisas atravessadas na pessoa que eu sou
Ela canta, compõe, toca vários instrumentos, dança e estuda as galáxias. A cantora brasileira Marissol Mwaba é um dos nomes que despontam no cenário da música nacional ao mesmo tempo em que fazem um trabalho que desconhece fronteiras. Nascida em Brasília, a artista começou a cantar aos 9 anos de idade, lançou dois CDs autorais e desde 2011 vem se destacando na cena cultural independente.
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Apesar de nascida no Brasil, Marissol teve uma educação cultural ligada à República Democrática do Congo, país de onde vem sua família. Assim, a carreira da artista se fez com raízes plurais. Da África, ela trouxe a multiplicidade de sons típica do continente.
Do universo brasileiro, pescou influências que chegaram pela TV, via rádio e por outros caminhos pelos quais a música lhe levou. Uma polifonia que resultou numa rica tessitura cultural.
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“Meus pais também têm uma ligação muito forte com a música. Aqui [no Brasil] se recebe muita coisa da música internacional, do pop. Todas essas coisas influíram na minha música. Acabou virando uma interseção de todas essas coisas atravessadas na pessoa que eu sou”, explica.
Galáxias
As influências também partem de um outro lugar, que pode parecer inusitado, mas tem tudo a ver com Marissol: a astrofísica, uma das áreas às quais ela escolheu se dedicar na vida. A brasiliense estudou Física com habilitação em Astronomia na Universidade Federal de Sergipe.
Também foi parar na França, onde sofisticou os estudos na Universidade de Sorbonne, em Paris. Se a astrofísica tem algo a ver com seu trabalho no mundo da música, a própria artista responde: “É o estudo do funcionamento de todas as coisas, e eu vejo muita poesia no jeito como o universo funciona.
Acaba sendo um jeito muito poético de funcionar, e claro que o meu olhar tende a ver as coisas nessa perspectiva poética. Muitas músicas são inspiradas em vivências na astrofísica”.
Africanidade
Uma das principais influências da cantora veio da província do Katanga, no Sul do Congo, onde as expressões culturais são marcadas pela diversidade formada a partir de diferentes grupos étnicos.
“Apesar de ser uma coisa que faz parte da minha história, as pessoas que escutam acabam conseguindo alcançar também alguns lugares de identificação, de sonora, de sentimento também, de ouvir e gostar daquilo”, narra Marissol.
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A fusão de ritmos fez da carreira da cantora uma riqueza de detalhes sonoros. E o potencial criativo que levou a essa mistura se traduz não só em acordes, mas também em letras e discursos que evocam questões como identidade, sentimentos, igualdade, inquietações.
A última turnê, do show Lamuka, que Marissol apresenta desde o ano passado, abriu caminho para um desabrochar. O termo que dá nome ao show significa “despertar/acordar” no idioma swahili, a segunda língua da artista.
O trabalho vem depois do CD Palavra Mágica, que faz referência a questões mais reflexivas e internas, como ansiedade e pânico.
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“Mas era uma coisa muito introspectiva, e o Lamuka é saindo desse casco, acordando, despertando, trazendo esse ser para o mundo que ele ocupa – no caso, me trazendo pra esse momento, mas, ao mesmo tempo, num sentido artístico-musical, trazendo a minha música pra esse mundo, pra um despertar, pra um acordar, pra um presente”.
Talentosa, Marissol participou, entre outras coisas, da temporada de 2018 do programa The Voice Brasil, da TV Globo. Ela ainda é a autora da música “Lugar de identidade”, tema do documentário antirracista "Quem precisa de identidade?", lançado este ano.
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A carreira da cantora também se constrói a partir de múltiplas parcerias. Emicida, Luedji Luna, Fióti e Chico César estão entre os nomes com os quais a artista já trabalhou. O intercâmbio, segundo ela, ajuda a produzir outros frutos.
“Essa troca me enriqueceu e me enriquece muito. Você vê de perto como alguém que você admira realiza o próprio trabalho. Você traz isso também pra um lugar mais humano”, conta, ao mencionar a possibilidade de conhecer as dificuldades vivenciadas pelos parceiros no mundo da música.
A artista conta que, independentemente do tipo de influência e de linguagem que tenha, é no mundo da música que ela pretende continuar inspirando sua caminhada. “Não sei o que seria de mim sem a música e acho que também não quero saber, porque é uma das coisas que mais amo fazer no mundo”.
Edição: Douglas Matos