Com a flexibilização da quarentena e as pessoas retomando o trabalho presencial e as atividades do cotidiano, a procura por vestuário, calçados e tecidos vem aumentando desde julho. Como resultado, as vendas do setor subiram 25,2% na comparação com o mês anterior.
O que era para ser uma notícia animadora para o segmento, porém, tem gerado preocupação, especialmente entre os fabricantes de roupas. Isto porque as confecções precisam absorver a alta do preço do algodão, que subiu cerca de 35% em um ano, apesar da produção recorde no país, encarecendo os tecidos.
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Com a alta do dólar, e a demanda internacional aquecida, os produtores de algodão preferem exportar, provocando uma queda de oferta no País. Isto em um momento em que os consumidores começam a voltar às lojas e a indústria têxtil, que esteve praticamente parada durante seis meses por conta da pandemia, retoma gradualmente a produção de tecidos e roupas.
Laíssa Cancelier, da confecção Use Brusinhas, de São José dos Pinhais (PR), compra tecidos para a produção de camisas e moletons. Ela vende as peças pela internet e por meio de suas redes sociais, alertou seus consumidores para a alta dos preços, além de outros fatores que colocam em risco a produção, o consumo e os empregos. A repercussão foi instantânea, inclusive entre outros profissionais que também sofrem os impactos do aumento.
Clientes, preciso contar pra vocês uma coisa que está rolando com a produção têxtil no Brasil. Nunca, em toda nossa história, tivemos uma crise tão grande nas matérias primas do setor têxtil. Essa thread vai ser um segue o fio quase literal 🧶
— Brusinhas: é caro mesmo. (@usebrusinhas) September 24, 2020
Laíssa explica que houve aumento de até 40% no preço dos tecidos e a diferença teve que ser repassada ao consumidor. “Tive que repassar totalmente para o consumidor, porque não tem a menor condição de absorver esse aumento no momento que a gente está passando agora, da pandemia. A gente está produzindo menos que o normal, fazendo sacrifícios, mantendo os empregos e não tem como a gente vender o produto com uma margem de lucro em um momento de crise como o de agora”.
O Brasil está entre os cinco maiores produtores de algodão do mundo, ao lado de países como China, Índia, EUA e Paquistão. Apesar da pandemia, a produção não foi reduzida, pelo contrário, foi colhida uma safra recorde, como explica o diretor executivo da Associação Brasileira de Produtores de Algodão (Abrapa), Márcio Portocarrero.
“Acabamos de colher uma super safra, histórica em volume e qualidade. Produzimos 2,9 milhões de toneladas de algodão. Reservamos 500 mil toneladas para atender à demanda da indústria nacional, e temos disponíveis para exportação 2,4 milhões de toneladas. Dessas, temos 2 milhões de toneladas vendidas, fechadas e sendo embarcadas para os países asiáticos”.
Apesar da alta dos preços do algodão, que representa cerca de 60% do custo de uma fiação, o setor têxtil garante que não haverá falta de produtos, embora venha, em alguns casos, limitando as entregas. É o caso da Taschner Indústria Têxtil, de Jaraguá do Sul (SC), que fabrica tecidos.
“Cancelamos o recebimento de novos pedidos de clientes que habitualmente não vinham comprando conosco. Atendemos, assim, somente os clientes tradicionais em quantidades historicamente compradas por eles anteriormente, nada de compras em quantidades extras”, explica Fabiano Hindlmayer, diretor executivo da empresa.
Enquanto a saída do home office e a volta gradual de atividades impulsionam a procura por roupas, poucos insumos estão disponíveis no mercado para oficinas de pequeno porte, como explica Laíssa, que trabalha com cerca de dez costureiras e vem sofrendo com atrasos e cancelamentos.
“Você não consegue nem encomendar, porque não tem uma previsão, não tem uma ideia de quando vai chegar e se vai chegar. Os pedidos que eu consegui fazer agora, são para novembro. A previsão de entrega é para o final de novembro”.
Os produtores de algodão alegam que a própria dinâmica do mercado impulsionou os preços a nível mundial, e a indústria têxtil do país, descapitalizada em razão da pandemia, não garantiu compras antecipadas da matéria-prima a um preço mais acessível.
“O que ocorre é que a indústria brasileira, por estar mais descapitalizada, ela compra, como nós dizemos, da mão para a boca. Ela compra de acordo com a necessidade semanal, digamos assim. Não se programa, comprando antecipadamente, pagando antecipadamente", explica o diretor da Abrapa, Portocarrero
Ele garante ainda que o produtor também vem sofrendo com a crise, uma vez que absorve inflações acumuladas desde 2018.
“Houve uma inflação acumulada de 2018 a 2020, 2021, que vai chegar em torno de 40% dos insumos, fertilizantes, combustíveis, transportes, serviços em geral, salários, e isso, o produtor teve que absorver. Então não é o produtor de algodão que está ganhando com essa crise, é o sistema econômico nacional e internacional como um todo, finaliza”
Edição: Michele Carvalho