Candidatas e candidatos buscam ganhar nas urnas a chance de consolidar políticas públicas para agricultura familiar de base agroecológica em municípios.
Mais do que isso, aproveitam o eco das eleições, marcadas para novembro, para atrair olhares ao tema e fortalecer trabalhos que já fazem e não deixarão de fazer em campo, independentemente da participação no poder público.
É o caso de cinco mulheres que, há anos, lutam diariamente pelo fortalecimento da produção de comida sem veneno no Polo da Borborema, um território agroecológico formado por 13 sindicatos e cerca de 200 associações, no agreste da Paraíba.
As agricultoras Maria do Céu Silva Batista de Santana, Sidineia Camilo Bezerra, Ana Paula Cândido, Lucicleide Dantas Santos, Rozileide Ferreira Gomes da Silva e Maria Celina dos Santos Silva lançaram candidatas a vereadora em municípios diferentes – Solânea (2), Remígio, Queimadas, São Sebastião de Lagoa de Roça e Casserengue.
Elas se encontram, de 15 em 15 dias, para alinhar as propostas do que deve ser feito e unem as andanças de campanha – restritas e cautelosas em razão da pandemia de coronavírus – a conversas sobre agroecologia com os moradores locais.
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“Ganhando ou perdendo, é transformar a candidatura e o debate político em uma pauta importante na construção da agroecologia, entendendo que o processo é tão ou mais importante do que a própria eleição dessas mulheres. É um ponto de partida importante para que a gente possa refletir sobre o papel da política, sobre o papel das mulheres nesse espaço, sobre o papel da agroecologia, de carregar as nossas pautas nessas visitas que elas começaram a fazer em campo”, explica Adriana Galvão, assessora técnica e representante do Polo da Borborema.
Ela destaca quão grande é o feito de mulheres camponesas se colocaram dispostas a concorrerem cargos em uma estrutura predominantemente masculina, urbana e esbranquiçada, como é a política brasileira.
“A partir da confirmação do nome dessas mulheres, nos mantemos organizadas para debater as dificuldades da ocupação desses espaços. Há, ainda, uma violência de gênero muito grande dentro da estrutura partidária, dentro da política. Então, a gente se mantém organizada, para fortalecer o acolhimento a essas candidaturas de mulheres e também aprofunda as pautas em comum, que é o fortalecimento da agroecologia, da agricultura familiar e da violência contra a mulher”, comenta Adriana.
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Outro que já tem trajetória na luta por políticas voltadas à agroecologia é Marquito (PSOL), candidato à reeleição de vereador em Florianópolis. Engenheiro agrônomo e mestre em agrossistemas, ele tem missão diferente das mulheres da Borborema: consolidar políticas já começadas no município em que atua.
No primeiro mandato, Marquito conseguiu aprovar projetos de lei como a Política Municipal de Agroecologia e Produção Orgânica, o reconhecimento da maricultura (produção de mariscos) familiar, a lei da Compostagem e a lei Floripa Zona Livre de Agrotóxico.
A gente tem um entendimento de que a agroecologia é o equilíbrio entre ecologia e justiça social,
Marquito garante que, com o trabalho desenvolvido na Câmara, o tema ficou muito mais popularizado entre os florianopolitanos, restando como resultados práticos o fortalecimento de feiras agroecológicas por toda a ilha, por exemplo
“As consequências disso na sociedade estão sendo superimportantes. O que a gente espera, agora, é que a gente efetive essas leis que foram aprovadas como políticas públicas estruturantes. É garantir que o orçamento municipal reflita a perspectiva agroecológica – aumentar a compra de alimentos agroecológicos e orgânicos para a alimentação escolar, a compra institucional”, exemplifica o vereador.
Marquito ressalta que a construção da agricultura com base agroecológica depende de todos os munícipes, e não só de quem mora na zona rural. Ele destaca que a construção política em áreas fundamentais como educação, saúde e saneamento estão diretamente ligadas à prática da agricultura sustentável.
“O mandato agroecológico não está restrito à questão da produção da agricultura de alimento. A gente tem um entendimento de que a agroecologia é o equilíbrio entre ecologia e justiça social, é a aplicação da visão sistêmica e da interdependência na prática. Nós temos uma visão agroecológica do saneamento básico, por exemplo, defendendo sistemas ecológicos para esgotamento sanitário, abastecimento de água. Nós acreditamos nas soluções baseadas na natureza como soluções para grandes desafios urbanos”, afirma.
Foi por falta de apoio que não decolou a candidatura coletiva de seis camponeses do município de Exú, na Serra do Araripe, divisa entre Pernambuco e Ceará. Segundo Vilmar Lermen, agroflorestor e um dos articuladores da ideia, o tradicionalismo e o egoísmo político ainda presentes na região impediram a proposição de um mandato feito por quem trabalha no campo.
Ele admite que a pandemia atrapalhou a articulação, mas revela que políticos locais trabalharam contra a candidatura. “Eu só descobri que muita gente estava sendo desincentivada por baixo dos panos mais recentemente. Por isso eu encontrei tanta resistência. Ainda assim, a gente tentou emplacar pelo menos uns três, mas aí alguns não quiseram mais”, lamenta.
É um diálogo fácil? Não vai ser fácil.
Em Cáceres, no Mato Grosso, o candidato a prefeito James Cabral (PT), quer incluir a participação coletiva no mandato individual. Ele promete formar grupos para alastra conhecimento e ajudar famílias na transição da agricultura tradicional para a agroecológica.
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“A gente vai construir, na Secretaria de Agricultura, um corpo técnico com conhecimento, com prática nas técnicas agroecológicas, juntando conhecimento teórico, das comunidades tradicionais, dos agroextrativistas, para que a gente possa elaborar um arcabouço técnico capaz de orientar as famílias que possam caminhar nessa transição ecológica”, diz.
Inserido em um estado conhecidamente exportador, James diz que o diálogo com a agropecuária industrial é fundamental em um processo de transição para práticas que não destruam o meio ambiente e a condição social das famílias.
“É muito presente a pressão para que Cáceres assuma área de soja, área de milho, de transgênicos de tudo mais. A gente precisa combater isso. De que forma? Mostrando a viabilidade da agricultura familiar e adaptando os sistemas de produção, inclusive de quem da pecuária quer, para produzir algo mais sustentável. É um diálogo fácil? Não vai ser fácil”, reconhece.
As prefeituras podem, sim, fazer muito pela agroecologia e pelo abastecimento alimentar.
Flávia Londres, secretária-executiva da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) salienta que candidaturas voltadas à agroecologia abrem, sobretudo, a possibilidade de combater um problema estrutural grave: a insegurança alimentar.
“Com políticas que apoiem a agricultura familiar, estamos indo na raiz na promoção da segurança alimentar. É muito estratégico, muito importante, ter políticas que sejam voltadas para a produção sustentável de alimentos e para o abastecimento”, diz.
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Ela ressalta que, embora muito do que pode ser feito passe pelo governo federal, as prefeituras têm papel importante na execução de políticas fundamentais, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).
“As prefeituras podem, sim, fazer muito pela agroecologia e pelo abastecimento alimentar. Existe muito o mito de que a prefeitura não tem orçamento, de que essas políticas têm que ser federais ou que a prefeitura pode muito pouco. Estamos tentando combater essa ideia. É claro que a gente precisa de políticas federais, estamos sofrendo um desmonte absoluto, é um momento em que a gente não tem interlocução com o governo federal. Então, mais do que nunca é importante disputarmos os poderes locais e colaborar, incentivar parcerias entre o Estado em todos os seus níveis”, convoca Flávia.
Edição: Rodrigo Chagas