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Jones Manoel: "170 anos de capitalismo no país não resolveram, agora é nossa vez"

Influenciador digital fala sobre as questões que colocam o Brasil no "balcão de negócios" da burguesia e revolução

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Jones Manoel fala sobre rap, política e militância no BdF Entrevista. - Reprodução Facebook
O projeto [do Bolsonaro e burguesia] está baseado na ignorância do povo trabalhador

Com mais de 100 mil inscritos em seu canal do YouTube, Jones Manoel se tornou uma das vozes da juventude de esquerda e hoje é citado como um dos mentores do progressismo do próprio artista e intelectual, Caetano Veloso, que outrora defendia o neoliberalismo. 

Nascido na comunidade da Borborema, no Recife (PE), onde começou sua militância com a construção de um cursinho popular, o influenciador digital afirma que o sucateamento da educação funciona como estratégia de governo.

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“A ofensiva do bolsonarismo contra o nome de Paulo Freire e contra uma perspectiva de educação, é luta de classes. O projeto deles está baseado na ignorância do povo trabalhador, no fechamento do acesso à cultura, educação. Não que a educação seja libertadora, mas é um vínculo que compõe a consciência, que pode potencializar uma ação política libertadora e a ideia é tentar interromper isso”, pontua.

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Em entrevista ao Brasil de Fato, Manoel, que também é mestre em serviço social, professor de história e escritor, fala sobre esse papel das mídias digitais na militância e comenta o momento político atual, assim como o problema estruturante da violência policial. Confira alguns trechos:

Brasil de Fato: Qual a relação rap e luta de classes? Como se deu esse encontro na sua formação política?

Jones Manoel: O rap no Brasil tem um papel fundamental de memória social e de voz das classes trabalhadoras. O país tem uma estrutura de comunicação profundamente restrita e autoritária com a concentração de seis ou sete famílias, nunca passou por um processo de socialização ampla da cultura e da educação, a não ser pelo avanço nos dez anos recentes. 

Ou seja, o rap cumpre uma função realmente de ser esse elemento de politização, de divulgação da cultura, de conhecimento do Brasil e também de autoconhecimento das classes trabalhadoras. 

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A primeira vez que ouvi falar de marxismo foi numa musica do Tupac quando ele cita Fidel Castro, depois os Racionais MC's falam na música Jesus Chorou: "Malcom X, Ghandi, Lennon, Marvin Gaye, Che Guevara, Tupac e Bob Marley e o evangélico Martin Luther King". Era um conjunto de nomes que eu não conhecia. A primeira vez que eu tive curiosidade de saber quem era Malcolm X foi ouvindo a música do GOG, Malcolm X foi a Meca e GOG ao Nordeste

O rap deu uma resposta para uma série de incômodos que eu tinha, porque os discursos de meritocracia do Brasil como um país democrático nunca colaram comigo. Nesse momento, que você sente, através do rap, que está certo todo esse sentimento de injustiça e raiva de que o mundo está errado.

Também há um papel de mostrar que a perspectiva de tentar conseguir bens materiais, respeito e autoestima, por exemplo, via crime, que isso não tinha futuro. É muito interessante como falam que o rap faz apologia ao crime, mas muitas pessoas, não só eu, se afastaram de qualquer relação com o crime por causa do rap. 

O rap é um dos produtos mais brilhantes e genuínos que a classe trabalhadora conseguiu produzir, em termos culturais, 30 anos no Brasil. 

Toda expressão de cultura popular no Brasil, samba, chorinho, rap, capoeira, manguebeat, é demonizada, criminalizada e quando deixa de ser ela é cooptada e esvaziada do seu sentido político e contestatório e, às vezes, até o seu próprio modo de ser.

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É uma expressão da luta de classes e uma tentativa de esvaziar o significado original das produções culturais da população e universalizar, mas a partir de um prisma burguês embora sempre haja resistências. 

Na sua visão, já houve algum enfrentamento, de fato, à violência policial no Brasil?

Na Nova República há apenas duas ou três experiências significativas de enfrentamento a violência policial, que foram o governo do Olívio Dutra, no Rio Grande do Sul, e o governo do Brizola, no Rio de Janeiro.

Nós tivemos poucas experiências de enfrentamento a violência policial e poucas experiências  de uma formação de consciência teórica, que corresponda ao fato de que o Brasil é um país que funcional estruturalmente na base de um terrorismo de Estado permanente e um genocídio da população negra.

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As produções acadêmicas, os partidos políticos, os intelectuais desprezaram esse dado estrutural da violência brasileira e acreditaram num mito de que o Brasil tinha entrado numa nova era, que negava de maneira absoluta seu passado e agora era o tempo de democracia. 

No governo Lula essa ilusão veio para o auge de todo tipo de ingenuidade. Quando há um olhar retrospectivo, vemos o grau de ilusão que tivemos de que a democracia brasileira estava mais que consolidada. 

O problema é que nós temos uma longa tradição histórica de aparatos de repressão do Estado voltados para o combate do inimigo interno, esse é o resumo do problema. Se você não desestrutura essas instituições, estruturando outras com novas práticas políticas, cadeias de comando, formas de interação entre aparelhos do Estado, sociedade e novas formas de controle democrático. Enfim, um processo realmente radical de transformação desses aparelhos, a violência vai continuar. 

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O processo de extermínio nas favelas brasileiras não pode ser resumido a polícia, ela é uma ponta porque são os policiais que apertam o gatilho fundamentalmente. Mas você tem, por exemplo, o judiciário que sanciona todas as mortes, que diz que foi auto de resistência, e o monopólio de mídia, que legitima todas as mortes.

Temos que enfrentar esse debate a sério, inclusive, os setores majoritários da esquerda brasileira. Assim como, nós, comunistas, alguns anos atrás cometemos um erro ao sancionar a política da transição da ditadura para a transição conservadora do PMDB.

O enfrentamento a violência policial passa por uma série de autocríticas da esquerda brasileira dos governos de coalizão do PT, que depois de treze anos a população carcerária, a violência policial e militarização da vida social nunca deixaram de crescer. Em nenhum momento o governo comprou um realmente debate sobre uma política da segurança pública pautado na defesa dos direitos humanos e no desmonte dessa lógica do inimigo interno. 

Você tem falado bastante sobre anticolonialismo, as revoluções na África. Como você tem visto as organizações do movimento negro no Brasil e no mundo? Existe uma fagulha revolucionária acendendo? 

Claramente, existem três coisas muito positivas. Primeiro há uma nova geração de jovens que não sentem mais o peso da Queda do Muro de Berlim nas costas, que está pré-disposta, inclusive subjetivamente, a debater no campo revolucionário para o país que se vive. Isso é um contexto mundial e no caso brasileiro é uma geração que viu o golpe de 2016 e a falência de um discurso de mudar o Brasil pela democracia burguesa e começa a tentar recuperar referenciais revolucionários. 

O próprio resgate da imagem de Carlos Marighella, nessa conjuntura, é muito significativo. Cada vez mais jovens conhecem, falam e leem Carlos Marighela. Você tem um elemento geracional que é muito positivo.

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O segundo elemento é o neoliberalismo falindo em todos os cantos. Ganharam a Guerra Fria, prometeram democracia, liberdade, eficiência econômica, emprego, crescimento e entregaram absolutamente nada. 

O terceiro elemento é que perspectivas revolucionárias sejam elas o marxismo, anarquismo, decoloniais, ecosocialismo, de bem viver e uma série de perspectivas teóricas, muitas que não eu concordo, mas que se propõe a um caminho anticapitalista estão cada vez mais em voga em setores ainda muito mais de vanguarda e de juventude. Não é ainda massivo sobre a classe trabalhadora, mas eu acho que tende a ser o caminho.

No sentido de que, evidentemente, vão ter elementos tanto no Brasil como no mundo, das esquerdas que vão continuar tentando disputar o jogo eleitoral e fazer algumas políticas de melhoria, mas existe um processo de radicalização, que é inevitável, porque o mundo caminha para uma radicalização cada vez mais da polarização da riqueza e da própria disputa Estados Unidos e China. 

Paulo Freire e a educação, alvos da ofensiva bolsonarista, são um desses caminhos para a revolução? 

O Brasil tem uma situação paradoxal. O país nunca conseguiu fazer um processo de universalização da educação e, ao mesmo tempo, produziu as mentes mais geniais da América Latina e do mundo no debate sobre educação. 

Paulo Freire, Álvaro Vieira Pinto, Anísio Teixeira, Dermeval Saviani. Nós temos uma pedagogia popular incrível e experiências de educação popular que são referências mundo afora. As escolas de alfabetização no campo do MST, por exemplo, são referências mundiais e até concorreram a um prêmio da Unesco. 

A ofensiva do bolsonarismo contra o nome de Paulo Freire e contra uma perspectiva de educação é luta de classes. O projeto deles está baseado na ignorância do povo trabalhador, no fechamento do acesso à cultura, educação. Não que a educação seja libertadora, mas é um vínculo que compõe a consciência, que pode potencializar uma ação política libertadora e a ideia é tentar interromper isso. 

É muito significativo que o Paulo Freire era um anticapitalista, mas não marxista, por que era um cristão e tinha uma leitura revolucionária de Jesus Cristo.

A força biografia do Paulo Freire é, justamente, porque foi alguém que de várias formas diferentes dedicou a sua vida a acabar com o analfabetismo no Brasil e fazer esse país digno para as maiorias. Isso tem muita força no contexto atual, quanto o Paulo Guedes diz abertamente que educação não é para todos, que é para as elites. 

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O sentido do projeto fundamental, que está operando o poder pela burguesia. Porque veja, a culpa não é só do Bolsonaro e companhia, eles são representantes do poder da burguesia, que vive de costas para o país, para a cultura nacional, para o povo e pensa o Brasil como um balcão de negócios, um país vendável, que dá para queimar o Pantanal e a Amazônia, entregar a Petrobrás e que dá para morrer 150 mil brasileiros sem problemas, representa o extremo oposto do Paulo Freire. 

Enfrentar esta burguesia e o governo Bolsonaro, tira-los do poder é o único caminho que temos para resolver problemas fundamentais do Brasil e realizar o sonho do Paulo Freire que é acabar com analfabetismo, coisa que os 170 anos de capitalismo no país não resolveu. Agora é a nossa vez.

Você comentou sobre querer migrar do discurso teórico, dentro dos fatos históricos, e tratar de temas que são urgentes para sociedade, como soberania. Qual a importância do YouTube marxista nesses debates? Como atuar para fora da bolha? 

O YouTube embora seja um monopólio estrangeiro, que atue, inclusive, em várias operações de mudanças de regime e derrubada de governos populares no Brasil e no mundo afora, é uma espaço muito importante de comunicação e está dando um retorno positivo. 

Eu tento usar o YouTube como uma plataforma cruzada. Eu faço um vídeo, eu indico livros, coloco links na descrição, tento levar as pessoas para esses conteúdos e para as atividades de rua, antes da pandemia, e potencializar a organização prática. 

Cumpre uma função de criar um sentimento de identificação com a população e de respaldo. Quando o trabalho no YouTube começa a ser reconhecido a possibilidade de você atuar enquanto um comunicador popular e um organizador no sentido de potencializar ações coletivas de organização é um trabalho que o texto escrito não possibilita. Tem um diferença muito significativa, sobretudo, quando é militância e tem um trabalho de formar consciência política.
 

Edição: Daniel Lamir