Eleito melhor filme pelo júri popular no Festival de Cinema de Pernambuco (Cine PE) em 2019, o longa-metragem Abraço foi lançado nesta quinta-feira (15), Dia do Professor, na plataforma digital Looke e em cinemas drive-in do país.
A data não é por acaso. O filme retrata uma mobilização de 30 mil professores sergipanos em 2008, para evitar a perda de direitos. A protagonista Ana Rosa, interpretada pela atriz Giuliana Maria, vive o desafio de ser mãe, mulher e sindicalista em meio a uma intensa luta jurídica contra o governo estadual.
Baseado em uma história real, o longa dirigido por DF Fiuza utilizou 600 figurantes, 78 atores sergipanos e dois atores de outros estados.
Abraço também venceu os prêmios de Melhor Atriz e Melhor Trilha Sonora Original no festival pernambucano.
Onde assistir?
- Salvador (Espaço Itaú Glauber Rocha)
- Rio de Janeiro (Espaço Itaú Botafogo e Cinesystem Bangu)
- São Paulo (Espaço Itaú Augusta)
- Brasília (Cine Drive In Brasília)
- Fortaleza (Cine São Luís)
- Manaus (Cine Casarão)
- Ananindeua (PA) (Cinesystem Ananindeua)
O filme pode ser assistido ainda na plataforma digital Cinema Virtual e, a partir do dia 29, estará disponível em plataformas de streaming como Apple TV, Google Play, Now, Vivo Play e Youtube Filmes.
Entrevista
O Brasil de Fato conversou com o diretor, que disse estar interessado nas críticas da esquerda sobre a obra – já que “a crítica especializada desceu o pau” quando o filme foi exibido no festival. Confira:
Brasil de Fato: Como surgiu a ideia de um longa-metragem de ficção sobre educação e a luta dos professores com patrocínio sindical?
DF Fiuza: Em 2017, o Sindicato dos Professores de Sergipe completou 40 anos. Neste mesmo ano, eles me convidaram para produzir um documentário para contar a história do sindicato. Naquele instante, eu percebi que ali estava uma excelente oportunidade para fazer um filme que, de algum modo, dialogasse com a atual realidade de destruição de todas dos direitos da classe trabalhadora, da cultura, da educação e dos movimentos sindicais de sociais.
Em vez de fazer um documentário sobre a história do sindicato, optamos por fazer um filme de ficção baseado em um episódio da história do sindicato, de preferência um episódio que refletisse o contexto político/social atual. Assim nasceu Abraço.
Além de o filme optar por um protagonista negro, representado pelo ator Flávio Bauraqui, o longa passou no teste de Bechdel, criado para avaliar a representatividade feminina. Como se deram essas escolhas?
Para um filme ser aprovado no teste de Bechdel-Wallace, ele precisa ter no mínimo duas personagens femininas. Essas personagens precisam ter nome na trama e precisam conversar entre si sobre algum assunto que não seja homem. Parece simples, mas a maioria dos filmes não passa nesse teste.
Os protagonistas de Abraço são professores, uma categoria eminentemente feminina, principalmente no ensino infantil e fundamental. Logo, é natural termos muitas mulheres no elenco. Além disso, o filme é sobre mulheres que fazem luta social, que precisam dialogar sobre essas questões.
Abraço é um filme baseado em fatos reais, e a personagem do meu amigo Flávio Bauraqui na vida real é negro. Então, foram escolhas naturais.
Em um país como o Brasil, onde a luta sindical costuma ser criminalizada, e frente a um governo contrário a investimentos na cultura, como você acredita que será a recepção do filme?
Ah! Somente esta pergunta seria suficiente para uma discussão de horas. De início, todo filme tem o seu público. Para mim, não existe filme bom ou ruim: tudo depende de quem avalia.
O filme estreou no Festival de Cinema de Pernambuco, e a chamada crítica especializada desceu o pau. Disse que o filme erra quando mostra uma professora não tendo o apoio da família em casa – pois, segundo o crítico, na vida “real”, não é assim.
Outro crítico escreveu que o filme somente deverá ter algum tipo de efeito entre os já “convertidos”, propícios a um discurso contaminado. Essa análise, para mim, com essas palavras, não parece uma crítica de cinema: é um discurso ideológico, e o crítico tem todo direito de fazer. A questão é saber se ele tem consciência disso.
Agora que o filme chega para o grande público, estou aguardando a crítica da esquerda, porque gostaria de ouvir os “nossos” críticos falarem. Estou muito interessado nessa crítica.
O filme fala de uma realidade ocorrida em 2008. Apesar desse hiato temporal, ele traz reflexões sobre os ataques à educação e ao serviço público que o Brasil vive hoje?
Sim. Como ocorreu em 2008 com os professores sergipanos, em vez valorizar a categoria, o atual governo só ataca a educação e a cultura, através de cortes no orçamento, fim de bolsas na área da pesquisa, prioriza universidades privadas, chama estudantes de “idiotas” e, como se não bastasse, nomeia o pior Ministro da Educação que qualquer país poderia ter.
Abraço aborda um ponto específico de ataque aos professores servidores públicos, mas dá, sim, para fazer uma reflexão mais ampla a partir do filme.
Por que filmes que mostram as lutas sociais dificilmente chegam ao grande público?
Nossa população foi educada para preferir o modelo de cinema hollywoodiano, com heróis, finais felizes, filmes pirotécnicos, cheios de efeitos especiais e com artistas famosos.
Sobre o que falam esses filmes? Quase sempre de algum herói salvando o mundo, questões particulares da personagem, guerras, ninjas cortando cabeças... Enfim, quem tem dinheiro e poder para produzir esses filmes não tem nenhum interesse em abordar lutas sociais, porque filmes desse tipo questionam a sociedade injusta e desigual que construímos até aqui; eles podem conscientizar as pessoas e fazer com que elas não aceitem mais viver em um país onde 70 mil crianças moram nas ruas, em um país tão desigual como o nosso.
O capital, através da “crítica de arte”, criou e o termo pejorativo “cinema panfletário” para diminuir e rotular os filmes que abordam questões políticas.
As grandes produções custam caro. Produzir, distribuir e exibir filmes para o grande público custa caro, precisa de toda uma indústria por trás disso. E a questão é: quem domina essa indústria, que dá acesso ao grande púbico, é o capital. Vocês acham que o capital vai produzir filmes que mostram a injustiças e atrocidades no mundo provocadas justamente pela ganância do capital?
Além disso, o capital, através da “crítica de arte”, criou e o termo pejorativo “cinema panfletário” para diminuir e rotular os filmes que abordam questões políticas e sociais.
Quero deixar de lado um pouco a questão da estética e do uso da linguagem cinematográfica e focar na questão temática. Se um personagem fabrica drogas, arranca cabeças e mata todo mundo, isso é visto como ação da personagem. Mas, se uma personagem reúne um grupo de pessoas para lutar por seus direitos, para questionar o mundo injusto que criamos, para lutar contra o sistema de exploração do capital, aí não pode – logo rotulam de forma pejorativa o filme como panfletário.
O que eles chamam de filme panfletário, eu chamo de “arte política”. Por isso, nós temos que fazer os nossos filmes, com os temas e questões que acreditamos, temos que criar também críticos especializados no tipo de filme que nós fazemos. Eles criaram o mercado deles. A esquerda precisa criar o dela.
Edição: Rodrigo Chagas