Não podemos pagar a dívida. Primeiro, porque se não pagarmos, os credores não morrerão, isso digo com certeza. Mas se nós pagamos, nós sim vamos morrer, disso também tenho certeza.
A frase acima foi retirada de um dos discursos célebres de Thomas Sankara, revolucionário de Burkina Faso, então presidente do país africano. Em julho de 1987, Sankara defendia, na cúpula da Organização Africana, o não pagamento da dívida externa dos países.
Três meses depois, em 15 de outubro, o líder pan-africanista foi assassinado em uma conspiração liderada por seu então colega Blaise Compaoré, que se tornou presidente do país com o apoio do governo da França, entre outros, e presidiu o país até 2014.
O projeto revolucionário de Sankara, que chegou à Presidência de Burkina Faso em 1983, aos 33 anos, após derrotar um golpe de Estado promovido pela França, não foi perdoado pelas forças imperialistas. Relembre seu legado.
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Anti-imperialismo
Sankara foi o primeiro governante africano a romper os laços com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que o "aconselhou" a continuar pagando a dívida. O líder pan-africanista se recusou a depender de qualquer poder externo, incluindo a dívida externa, uma vez que ele a considerava fruto do domínio pós-colonial.
Direitos das mulheres
Durante seu mandato, Sankara proibiu a mutilação genital feminina e o casamento forçado. Seu governo também implementou medidas para alcançar a igualdade de gênero, como a nomeação de mulheres em cargos importantes, e promoveu a independência das mulheres com auxílios para a educação e inserção no mercado de trabalho.
A revolução e a libertação das mulheres caminham juntas. Não falamos da emancipação das mulheres como um ato de caridade ou de uma onda de compaixão humana. É uma necessidade básica para a revolução triunfar. As mulheres sustentam a outra metade do céu. — Thomas Sankara
Reforma agrária
Um dos projetos mais audaciosos de Sankara foi a redistribuição da terra, retirada das mãos dos latifundiários e entregue aos trabalhadores burquinenses. Após a medida, o país aumentou sua produção agrária e se tornou autossuficiente, além de criar um excedente na produção de trigo.
Em seu governo, as mineradoras e empresas extrativistas também foram nacionalizadas, e os recursos naturais do país passaram a ser explorados pelo governo, eliminando a exploração estrangeira – principalmente a francesa.
Educação
Em 1986, o governo de Sankara realizou uma campanha nacional de alfabetização que envolveu cerca de 35 mil professores, além da construção de escolas em grande escala. Devido a essas ações, o analfabetismo diminuiu 26% no país entre 1980 e 1990, passando de 46% a 19%.
Saúde
Além de vacinar 2,5 milhões de crianças, o governo de Sankara foi o primeiro governo africano a reconhecer publicamente a importância de combater a AIDS. À frente da Presidência, o revolucionário lançou um programa massivo de vacinação para tentar erradicar a pólio, a meningite e o sarampo no território nacional. Em uma semana, 2,5 milhões de burquinenses foram vacinados e a iniciativa foi reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
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Ambientalismo
Thomas Sankara foi o primeiro presidente africano a reconhecer a importância da preservação ambiental como algo emergencial, O revolucionário à frente do governo investiu no combate aos incêndios florestais e à desertificação. Em 15 meses, foram plantadas 10 milhões de árvores em Burkina Faso, como parte de um programa de desenvolvimento popular chamado "Viveiro Florestal Popular", no qual as famílias que viviam nas aldeias burquinenses plantaram cerca de 100 árvores por ano e construíram 7 mil viveiros comunitários com investimento público.
A luta contra a desertificação é uma luta contra o imperialismo. O imperialismo é o incendiário de nossas florestas e savanas. — Thomas Sankara
Infraestrutura e moradia
O governo de Sankara investiu na construção de fábricas de tijolos e de casas para eliminar as favelas urbanas no território nacional. Em seu mandato, as regiões do país foram conectadas por um vasto programa de construção de estradas e ferrovias. Mais de 700 km de ferrovias foram construídos durante a chamada "Batalha pela estrada de ferro", um programa voluntário convocado pelo governo para facilitar a extração de manganês sem qualquer ajuda estrangeira ou dinheiro internacional.
Tais programas representaram uma tentativa de demonstrar que os países africanos poderiam ser prósperos de forma soberana, sem intervenção estrangeira. O programa econômico de Sankara, voltado para o desenvolvimento nacional, pôs em xeque os modelos tradicionais de desenvolvimento impostos ao continente africano pelo colonialismo.
Edição: Luiza Mançano