É um assentamento que ainda enfrenta todo um processo com luta e resistência
A boiada predomina o cenário amplo da área rural de Riversul, no interior paulista, próximo à divisa com o Paraná. As áreas de pasto na região alimentam o agronegócio, ao mesmo tempo que intensificam a desigualdade social e a degradação da biodiversidade.
Por outro lado, há décadas, 23 famílias representam a resistência que não aceita a passagem da boiada no território. Elas estão no Assentamento 8 de março, fruto de muitas mobilizações populares e superação de desafios, como invasões irregulares e ausência de direitos básicos, como relatam assentadas e assentados do local.
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Em 1996, as áreas da então Fazenda Can Can foram identificadas como pertencentes à Universidade de São Paulo (USP). Posteriormente, as terras foram repassadas ao Instituto de Terras de Estado de São Paulo (Itesp) para a reforma agrária.
Em 08 de março de 2007, enfim, as famílias sem-terra ocuparam a Fazenda Can Can. Cinco anos depois, trabalhadoras e trabalhadores foram selecionados na condição de assentamento emergencial provisório. Apenas no último 05 de outubro o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) reconheceu parte dos 685 hectares da antiga fazenda como assentamento.
Ana Terra é do Setor de Produção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Ela é assentada no 8 de março e destaca que o reconhecimento do Incra é ainda um dos muitos passos necessários para uma plena condição de direito à terra.
“É um assentamento que ainda enfrenta todo um processo de luta e resistência, porque da área total do assentamento apenas 111 hectares foram liberados para as famílias. Então foi colocado como um assentamento emergencial. E as famílias sofrem, ainda hoje, com muitas ameaças por parte de ocupantes ilegais da área”, denuncia.
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Ao longo de mais de uma década foram registradas diversas situações de violência. Em 20 de maio deste ano, por exemplo, a direção estadual do MST de São Paulo exigiu providências do poder público após sofrerem ameaças de morte e invasão irregular, além de uma das residências sofrer um incêndio.
Um mês antes, em fevereiro deste ano, a Defensoria Pública de São Paulo obteve decisão liminar que obriga o Estado e o Município de Riversul a garantirem serviços de água e esgoto, além de acesso a saúde e educação no local.
Angela Santos é da coordenação do 8 de março. Ela afirma que muitos direitos ainda precisam ser conquistados no local, mas o processo paulatinamente está garantindo uma condição de humanidade.
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“É uma sensação de dignidade, de reconhecimento da luta das famílias depois de tantos anos. Somos 23 famílias e um total de 70 pessoas”, afirma.
A terra no local ainda sente os efeitos da pecuária de outras épocas. Aos poucos, a produção para autoconsumo adentra planos de comercialização de produtos saudáveis. A transição agroecológica das 23 famílias vai ganhar corpo com intercâmbios com outros assentamentos da região, localizados nos municípios paulistas de Itabera, Itapeva e Apiai.
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As expectativas de consolidação do direito à terra e desenvolvimento agroecológico seguem firmes nas realidades e sonhos do 8 de março, como afirma Ana Terra.
“Nós temos consolidados aqui na região, não necessariamente apenas em Riversul, a produção do milho orgânico e agroecológico. A gente tem como expectativa avançar para Riversul nos próximos anos. A nossa condição também de produção está muito vinculada com a nossa condição de fazer a comercialização. As famílias só na última semana receberam a declaração de aptidão ao Pronaf, que as habilita para participar de programas de comercialização institucional”, explica.
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Outra questão importante na comunidade é o trabalho de preservação e recuperação ambiental da Mata Atlântica. As atividades são intensificadas pelo Plano Nacional de Plantio de Árvores e Produção de Alimentos, feito nacionalmente pelo MST na proposta de plantar 100 milhões de árvores pelo país no prazo de uma década.
Edição: Douglas Matos