O Dia do Professor no Rio Grande do Sul converteu-se em dia de luta dos trabalhadores e trabalhadoras da rede pública estadual. Nesta quinta-feira (15), manifestações ocorrem em diversas cidades e também na capital, promovida pelo Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul em Sindicato (CPERS). Os atos questionam a determinação do governador Eduardo Leite (PSDB) de retorno às aulas presenciais sem que as escolas tenham condições para receber os alunos e trabalhadores de forma segura, durante a pandemia do novo coronavírus.
Na véspera do dia em que a sociedade presta homenagens a quem educa, na quarta-feira (14), Leite promoveu uma live para anunciar de forma oficial o calendário de retorno das aulas presenciais na rede de ensino estadual. Segundo ele, a retomada deve ocorrer a partir da próxima terça-feira (20), pelos ensinos médio e técnico. Já no ensino fundamental, os anos finais devem retornar em 28 de outubro e os iniciais em 12 de novembro.
Na live, acompanhado dos secretários estaduais da Saúde, Arita Bergmann, e da Educação, Faisal Karam, o governador disse: “Amanhã é Dia do Professor, e nada mais oportuno do que falarmos sobre educação nesse dia dedicado a quem ensina, do que nós estarmos retomando com segurança essa atividade tão importante que é o ensino, que é a educação das nossas futuras gerações”.
Não é o que pensam os professores. Conforme a presidenta do CPERS, Helenir Aguiar Schürer, que participou do protesto na manhã desta quinta em frente ao Palácio Piratini, no centro de Porto Alegre, o retorno das aulas é precipitado e irresponsável, pois os números mostram que a pandemia ainda não está controlada.
“O governo se nega a fazer testagem em massa, o que poderia ajudar a não colocar pessoas contaminadas nas escolas. Então estamos aqui hoje fazendo este ato para chamar a atenção do governador, não acreditamos que as nossas escolas vão passar de um espaço de transmissão de conhecimento para um espaço de transmissão da covid-19”, critica.
No interior, as manifestações ocorreram em frente às Coordenadorias Regionais de Educação (CRE). Além de demarcar a posição contrária ao retorno das aulas, os educadores e educadoras entregaram um Termo de Responsabilidade endereçado ao governador, para que ele se responsabilize pela vida e a saúde da categoria e dos alunos.
Justificando o retorno das aulas, o governador disse que se observa no estado, desde julho, uma estabilização de transmissão e das internações por coronavírus nos leitos de UTI, e desde setembro a redução das internações e do número de óbitos. “Nossos dados mostram claramente que o Rio Grande do Sul já atravessou o pior momento e vive uma situação mais controlada, com a população consciente dos cuidados que devem ser tomados e, portanto, podemos dar passos importantes na retomada das atividades”, disse.
Leite exemplificou a segurança do retorno a partir da situação das escolas privadas. “Muitas escolas privadas já retornaram, e esse retorno se demonstrou seguro, sem intercorrências, sem problemas.”
Segundo o governador, o estado investiu R$ 270 milhões na compra de equipamentos de segurança e de proteção para garantir o retorno seguro às escolas. Do montante, R$ 15,3 milhões foram destinados à compra de equipamentos de proteção individual (EPIs); 9,8 mil termômetros infravermelhos; 328 mil máscaras infantis; 1,9 milhão de máscaras infanto-juvenis; e 1,3 milhão de máscaras adultos.
Onde estão os EPIs?
Porém a pesquisa realizada pelo CPERS, que abrangeu um terço das escolas estaduais, demonstrou que a grande maioria da comunidade escolar é contra o retorno das aulas presenciais. Conforme destacou o diretor do CPERS, Daniel Damiani, em live do Brasil de Fato e da Rede Soberania realizada nesta quarta-feira, “as respostas foram estarrecedoras, 70% das escolas do estado alegaram não ter espaços físicos adequados. Ou têm salas pequenas, ou problema na janela que é emperrada, não tem local para lavar as mãos, ventilação, uma série de situações. Faltam professores e funcionários”.
Para Daniel, a pressa do governo Eduardo Leite em dar uma resposta política pelo retorno das aulas não é a mesma pressa da infraestrutura do governo e da oferta de condições. “O governo prometeu que no início de outubro chegariam os Equipamentos [de Proteção Individual] nas escolas. Na semana passada ele orientou que as escolas fizessem plantão para receber, professores e funcionários foram convocados para fazer plantões nas escolas que chegariam os caminhões com os equipamentos. Já estamos na quarta-feira da segunda semana e não temos notícias de chegar equipamentos em escola nenhuma”, relatou.
Sem diálogo com a categoria
Na live do governo, o secretário da Educação criticou a oposição do CPERS: “Se formos esperar a vacina, o mundo estaria parado, me perdoem. Não teria atividades, comerciais, industriais. E tudo hoje que a sociedade clama em termos de liberações à normalidade da vida, e ela tem que ocorrer sem dúvida nenhuma, porque a educação não? Porque a educação fica como última atividade a voltar?”, disse Karam.
Segundo ele, não existe imposição: “O que existe de forma muito clara é que aqueles que têm condições de trabalhar, não têm comorbidade, atestados, devem retornar. Respeitamos a posição do CPERS, mas o mundo continua.”
Segundo o governador, o retorno das aulas presenciais foi feito com muito diálogo. “Educação é um item essencial. Não podemos nos resignarmos, ao assistirmos tantas outras atividades retornando, nos legítimos interesses particulares de cada um dos setores e entendermos que a educação não deva quando ela é do interesse de todos”, disse Leite.
O diretor do CPERS, por sua vez, criticou a falta de diálogo do governo com a categoria, questionando uma afirmação feita pelo governador no comunicado oficial. “O governador falou que o CPERS quer voltar só com a vacina e então não tem como conversar. Em outro momento falaram que nós somos um sindicato ideológico e não tem diálogo, o fato é que o governo não dialoga com o sindicato dos professores e funcionários da rede estadual.”
Pressão nos prefeitos
Na sua avaliação, o único diálogo tem sido “com alguns do setor do ensino privado, com seus aliados na jornada eleitoral, aqueles setores que desde o início da pandemia pregavam contra o isolamento social. A gente vê uma proximidade política do governo Eduardo Leite e seu partido em alianças municipais com os partidos que apoiam o governo federal”. Daniel também criticou a pressão de Leite sobre os prefeitos.
“Uma das coisas que peguei [da live] foi que ele ameaçou os prefeitos. Nós temos a Federação das Associações de Municípios do RS (Famurs) se posicionando de forma bem incisiva, 93% dos prefeitos são contra o retorno. Vários municípios têm lançado decretos municipais contra o retorno das aulas até o final do ano. A gente não sabe nem o total, a cada dia tem novos decretos municipais, e o governo ameaçou os prefeitos que se não liberarem a volta às aulas, também não poderão liberar abertura de bar, restaurantes e casas de shows e atividades públicas. O governo comprando briga para o retorno das escolas, uma pressão enorme”, relatou.
De fato, Leite citou que o Supremo Tribunal Federal decidiu que os municípios podem ser mais restritivos que os estados. Contudo, reforçou que o governo determinou que, neste caso, tais municípios também não poderão retomar atividades de entretenimento como eventos, teatros, cinemas e festas. “A escola tem uma prioridade para o estado e toda nossa sociedade. Se o prefeito não se sente seguro, não pode voltar com outros tipos de atividades também”, afirmou o governador.
Risco de demissões
Daniel também criticou o memorando enviado pela Secretaria Estadual de Educação (Seduc), que coloca os professores de contratos emergenciais que tiverem mais de 60 anos ou comorbidades sob risco de demissão. “Isso tá gerando essa insegurança, lembrando que no ano passado ele demitiu professores sob licença saúde em tratamento de câncer. O governo deixa as pessoas sem nenhuma garantia, com muito medo, muitos estão se sujeitando a ir em plantões nas escolas mesmo sofrendo de doenças, com medo de demissões. Aquela situação no meio da pandemia em que as pessoas estão entre o risco de ficar doente ou o risco de ficar sem salário.”
“Nossa assembleia orientou o não retorno das aulas presenciais, identificando que não há condições de saúde para isso, que se busque o apoio das comunidades, deliberações dos Círculos de Pais e Mestres(CPM), do conselho escolar, assembleias da comunidade, fazendo levantamento das razões do porquê não é possível o retorno”, explicou a posição do sindicato.
Ele sinalizou que, mesmo havendo um certo cansaço com o isolamento social, a população compreende que a escola é um ambiente muito difícil de se controlar a contaminação: “Já estamos na metade de outubro, o que custa nós ficarmos mais dois ou três meses deste ano no ensino remoto, talvez fortalecendo as suas dificuldades.”
Como será o retorno
O secretário Karam explicou que será feito um revezamento dos alunos nas escolas, mantendo um modelo híbrido de ensino, uma semana presencial e uma semana virtual. “Como a gente sabe que parte significativa dos pais não irão enviar seus filhos neste momento, nós não iremos trabalhar com a capacidade máxima dos 50%.” Os professores, além de atender e acolher os alunos, devem medir a temperatura dos alunos antes de entrarem na sala de aula. Professores e servidores deverão fazer checagem nos protocolos, do que a escola tem e do que ela deve oferecer aos alunos e professores como segurança.
As atividades presenciais nas escolas do Rio Grande do Sul estão autorizadas apenas nas bandeiras amarela e laranja. Nas regiões classificadas em bandeira vermelha, no modelo de Distanciamento Controlado, as aulas presenciais nas escolas estaduais estão suspensas. O governo disponibilizou uma série de materiais, como cartilhas e documentos, com o detalhamento das orientações e das regras a serem seguidas. Todo o conteúdo pode ser acessado no site https://estado.rs.gov.br/voltaasaulas.
Especialistas consideram retorno prematuro
Em videoconferência realizada pela Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, nesta quarta-feira, o reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pedro Hallal, e o médico infectologista Rodrigo Santos, do Hospital de Clínicas, destacaram que ainda não é o momento para retorno completo das aulas presenciais.
De acordo com Pedro Hallal, as escolas devem definir um plano com a comunidade e a Secretaria de Saúde tendo em vista a infraestrutura e o distanciamento no espaço escolar, sugeriu desativar os bebedouros e adotar outras formas das crianças beberem água, além do uso de máscaras, apesar de divergências pela idade das crianças.
Em sua avaliação a aglomeração em função das salas pequenas e da lotação das turmas é o ponto mais delicado. Segundo o reitor da UFPel, é recomendável que os protocolos trabalhem com revezamento das turmas em grupos alternados de duas horas. “É hora de montar o plano, não é hora de recomeçar as aulas”, reforçou.
Rodrigo Santos pontuou que a curva de internações e mortes é descendente há algumas semanas, mas que isso não significa ser o momento para um completo retorno às aulas. Em sua opinião apenas as séries iniciais poderiam recomeçar, uma vez que é baixo o risco de transmissão e infecção entre as crianças menores. Mas isso não se aplica às crianças dos grupos de idade das séries fundamentais ou do ensino médio, onde o risco é alto de transmissão do vírus.
Rodrigo advertiu que mesmo com as recomendações adequadas, nem todos os estabelecimentos de ensino conseguirão atender essas exigências. E disse, ainda, que “a testagem não pode superar a prevenção, o distanciamento e o uso adequado dos equipamentos”.
* Com informações da assessoria da Assembleia Legislativa
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Katia Marko