Vice-líder do governo até quinta-feira (15), quando saiu do cargo por conta do escândalo que o flagrou com R$ 30 mil na cueca, o senador Chico Rodrigues (DEM-RR) já foi apontado pelo presidente Jair Bolsonaro como alguém com quem o chefe do Executivo mantém “quase uma união estável”. A atribuição é feita por Bolsonaro em uma gravação que circula na internet sem data indicada.
Na ocasião, o presidente respondia a um comentário em que Rodrigues disse que gostaria de agradecer “ao amigo Jair Bolsonaro” pela convivência durante os vinte anos em que o, hoje, senador atuou como deputado federal. Os dois foram contemporâneos na Câmara entre os anos de 1991 e 2011.
Na quinta-feira (15), depois de o escândalo do dinheiro na cueca ter sido destaque no noticiário, Bolsonaro disse a apoiadores que não tem “nada a ver com isso”. Em meio ao conjunto de escândalos que atingem a gestão e diante do atual jogo eleitoral, o presidente tenta se descolar midiaticamente da figura de Rodrigues.
"A operação de ontem é fator de orgulho para o meu governo, para o meu ministro Wagner Rosário e para a minha Polícia Federal, e não isso que a imprensa está falando agora, que tenho a ver com essa corrupção", tergiversou o chefe do Executivo, em mais um ataque à imprensa.
Em conversa com o Brasil de Fato, a líder da bancada do Psol na Câmara, Sâmia Bonfim (SP), disse ver o comportamento do presidente como “um movimento desesperado”. “Este é um método dele: ele faz, depois nega que fez; ele diz e, depois, desfaz o que disse. Mas, num caso tão grave como esse, em que o sujeito foi pego em flagrante e numa cena um tanto quanto jocosa e absurda, é preciso muito verbo pra conseguir convencer alguém de que ele não tem nenhuma relação com quem ele já teve ‘união estável’ e, afinal de contas, é [vice] líder do seu governo”, comentou a deputada.
Já o líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), destaca a habitual relação de proximidade política que há entre o Palácio do Planalto e os líderes e vice-líderes que representam um governo no Congresso.
“O vice-líder é uma das funções mais importantes para um governo no âmbito do parlamento, tanto é que no Senado só existem três vice-líderes. E o papel de um vice-líder é coordenar, junto com o líder, a aprovação das matérias de interesse do governo”, disse Randolfe, ao relacionar Chico Rodrigues com o presidente Bolsonaro.
O agora ex-vice-líder da gestão foi flagrado com os R$ 30 mil durante uma operação da Polícia Federal (PF) que apura indícios de desvios de recursos destinados ao enfrentamento da pandemia. Os policiais encontraram os maços de dinheiro com o parlamentar durante o cumprimento de um mandado judicial em Boa Vista (RR), terreno político do senador.
O líder da oposição no Senado ressalta que Rodrigues não era “um vice-líder qualquer”. Randolfe menciona o caso de Leonardo Rodrigues de Jesus, conhecido como Leo Índio. Primo dos filhos de Bolsonaro, ele atuava, até esta sexta-feira (16), como assessor parlamentar no gabinete de Chico Rodrigues e deixou o cargo após a pressão política gerada pelo escândalo.
Leo Índio é considerado figura cativa no governo. Um levantamento feito pelo jornal O Estado de S. Paulo mostrou que ele esteve no Planalto 58 vezes somente nos primeiros 45 dias de gestão. Ele nunca assumiu um cargo oficial na cúpula do Executivo, mas é apontado como um nome constantemente presente em reuniões e outros encontros envolvendo o presidente.
“E não só isso. Quando Eduardo Bolsonaro chegou a ser indicado para o cargo de embaixador [do Brasil] em Washington (EUA), o relator ia ser Chico Rodrigues, que passou a coordenar o apoio pra tentar a indicação e a aprovação do Eduardo. Os fatos falam por si. Fica feio pro presidente desmentir os fatos e a verdade e tentar criminalizar e atacar a imprensa”, critica Randolfe, ao citar outras informações que relacionam o chefe do Executivo e o senador pego em flagrante.
Corrupção
As manifestações de Bolsonaro que tentam afastá-lo publicamente de Chico Rodrigues surgem pouco mais de uma semana depois de o presidente afirmar que “acabou” com a Lava Jato por falta de casos de corrupção a serem investigados no governo. O caso do dinheiro encontrado na cueca do vice-líder trouxe novos constrangimentos políticos para a gestão, que acumula ainda outros escândalos.
Entre eles, está o esquema de candidaturas-laranja revelado em 2019 no PSL, partido que elegeu Bolsonaro. Um dos nomes denunciados pelo Ministério Público Federal (MPF) no caso judicial em questão é o do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, que foi mantido pelo presidente no cargo, mesmo diante da grande repercussão do esquema.
Também se somam à lista o caso do ex-policial militar Fabrício Queiroz, apontado como pivô da investigação de um esquema de “rachadinha” no gabinete de Flávio Bolsonaro, filho do presidente, quando ele atuava como deputado estadual no Rio de Janeiro.
Mais recentemente, o escândalo tocou também a figura da primeira-dama, Michele Bolsonaro, em cuja conta bancária foram identificados cheques no valor de R$ 89 mil. A quantia foi depositada por Queiroz e sua esposa, Márcia Aguiar. A ligação veio à tona em agosto deste ano e foi publicada pela revista Crusoé, que teve acesso ao extrato bancário de Queiroz pelo fato de o ex-PM ter tido o sigilo quebrado pela Justiça.
“Bolsonaro precisou da pauta anticorrupção pra se eleger – além, claro, de outros subterfúgios, como as fake news e a mentira de que era um candidato antissistêmico. Mas agora esse tema da corrupção talvez tenha chegado ao seu auge no governo dele. Isso já tem muita força, principalmente a partir do Flavio Bolsonaro, do gabinete dele, das nomeações das assessorias-fantasma”, enumera Sâmia Bonfim.
Desdobramentos
O caso do dinheiro encontrado na cueca de Chico Rodrigues sofreu alguns desdobramentos entre quinta (15) e sexta (16). O mais emblemático deles foi o seu afastamento, determinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Uma liminar do ministro Luís Roberto Barroso decidiu pela saída temporária do parlamentar do cargo durante 90 dias. Paralelamente, Barroso negou um pedido de prisão feito pela PF, que alegou um caso de flagrante. O ministro argumentou que a Corte não tem consenso sobre prisões preventivas de parlamentares.
No Congresso, a decisão pelo afastamento é considerada controversa por conta da intervenção do Judiciário no Legislativo, que deverá ainda avaliar a medida para decidir se confirma ou não o afastamento de Rodrigues.
Paralelamente, o parlamentar flagrado pela PF já é alvo de questionamentos no Conselho de Ética do Senado. A Rede protocolou, nesta sexta, uma representação no colegiado que pede a perda do mandato de Rodrigues por quebra de decoro. O prazo regimental para que o Conselho dê uma resposta sobre a aceitação ou recusa do pedido de abertura de investigação é de cinco dias.
No Senado, Rodrigues tem o próprio filho, Pedro Arthur (DEM), como suplente. Caso o parlamentar perca definitivamente o mandato, Arthur deve assumir o lugar do pai até 2026.
Em nota divulgada na quinta, o DEM, partido de Chico Rodrigues, disse que a direção nacional determinou ao seu departamento jurídico que “acompanhe de perto” o desenrolar do inquérito que envolve o senador. “Estamos atentos a todos os detalhes da investigação e, havendo a comprovação da prática de atos ilícitos pelo parlamentar, a Executiva Nacional aplicará as sanções disciplinares previstas no Estatuto do partido”, disse ainda a legenda.
Já Rodrigues afirma que é inocente e que vai “cuidar da própria defesa”. Na quinta, ao se referir a Bolsonaro como “grande líder”, o democrata disse que sua saída do cargo foi necessária para “aclarar os fatos e trazer à tona a verdade”.
Edição: Rebeca Cavalcante