O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) publicou o Relatório da Violência 2019 neste mês de outubro, que indica um aumento no número de ameaças contra os povos indígenas em todo o Brasil. Os povos originários são os protetores da fauna e da flora brasileira em seus mais distintos biomas e por isso eles são vistos como ameaças àqueles que têm interesse em utilizar as terras para outros fins, como construção civil e agricultura.
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Em Itacuruba, no sertão pernambucano, cerca de 78 famílias do povo Tuxá Campos vem sendo ameaçadas de desapropriação desde 2010 para a instalação de reatores para a construção de uma usina nuclear. “A gente ocupa o território que fica a 100 metros da margem do Rio São Francisco e a Usina Nuclear eles querem construir historicamente dentro do nosso território e eu acho que é por conta disso aí que para a gente é muito difícil a demarcação”, disse Evani Tuxá Campos, cacica do Povo Tuxá Campos, que percebe como o interesse no território gera prejuízo para o povo. “Se eles querem construir a usina nuclear lá, é claro que o que eles puderem fazer para esse território não ser demarcado, eles vão fazer”, afirma.
O caso do povo Tuxá Campos é um dos episódios registrados pelo Cimi no Relatório da Violência 2019, que indica que no último ano ocorreram, em todo o país, 33 ameaças de morte, 34 ameaças de outro tipo, 113 assassinatos e 21 homicídios culposos contra indígenas. “Nos dois últimos anos a coisa aumentou e, em 2019, eu acho que explodiu, e os casos que explodiram dizem respeito ao conflito quanto à terra, razões possessórias e danos ao patrimônio indígena”, indica a antropóloga Lúcia Helena Rangel, que faz parte da organização do relatório.
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A especialista observa que houve uma diminuição no número de assassinatos em comparação com o ano anterior, mas isso não representa uma diminuição da violência. “No ano passado, o número de assassinatos foi um pouco menor que em 2018, mas em compensação as tentativas de assassinato foram em número maior, entendeu? O que aconteceu é que o atacado não morreu.”
A cacica confirma que para os povos indígenas as ameaças são situações com as quais eles convivem diariamente. “Eu já fui ameaçada, já fui seguida na estrada aqui de acesso da cidade para a aldeia e diariamente isso acontece, mas a gente tem que lutar. Porque se desistir é bem pior”, ressalta Evani.
De acordo com o relatório, uma das principais causas de violência envolve o conflito territorial e esses números vem aumentando; em 2019, houve um aumento em relação ao ano anterior no número de conflitos contra os povos originários, passando de 11 para 35 casos em apenas um ano.
“O pano de fundo da violência contra os indígenas são os conflitos pela terra, há uma rejeição por parte do estado brasileiro e da sociedade brasileira, uma rejeição aos direitos indígenas, ninguém se conforma que os indígenas precisam de terra”, analisou Rangel.
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Segundo os dados do Cimi, das 1.298 terras indígenas do Brasil, 829 (63%) apresentam pendências para a finalização do processo demarcatório, mas o governo federal ainda não tomou nenhuma providência sobre as demandas de 536 dessas áreas.
Desde a sua campanha eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro havia indicado que não demarcaria nenhum território para os povos indígenas e, apenas no primeiro semestre de 2019, o seu governo devolveu 27 processos de demarcação de terra à Fundação Nacional do Índio (Funai) através do Ministério da Justiça.
“Às vezes as pessoas acham que violência é só se for lá matar o índio ou espancar, mas não é. Tem a violência aos nossos direitos, de nós povos tradicionais, que a gente mesmo tem sido perseguido muito, tem sido violado muito os nossos direitos”, lamenta Evani, que percebe o quanto o atual governo tem impedido os processos de demarcação. “Creio que se o presidente hoje não fosse Bolsonaro, seria mais fácil a demarcação sair, porque ele deixa bem claro que odeia indígena, quilombola”, conclui.
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Fonte: BdF Pernambuco
Edição: Vanessa Gonzaga