No último dia 15, foi lançado o documentário Pandelivery, produzido em São Paulo (SP) por Guimel Salgado e Antonio Matos. A produção relata o cotidiano e as condições de trabalho de entregadores e entregadoras de aplicativos.
Para os diretores, “o filme será uma ferramenta de conscientização neste lento processo de mobilização local e global que já está em andamento. Nosso objetivo é capturar essa realidade, torná-la pública através de um olhar sensível e, dessa forma, ativamente tentar mudá-la”.
Essa modalidade de emprego vem crescendo nos últimos anos e sendo ampliada para diferentes ofertas de serviço. Quando surgiu, apresentava-se como uma opção empreendedora. Contudo, com o aprofundamento da crise econômica e, sobretudo, com o aparecimento da pandemia de covid-19, as contradições dessa relação de trabalho se tornaram insuportáveis e fizeram explodir uma série de mobilizações ao redor do mundo.
Duas greves, foram organizadas pelos trabalhadores no Brasil. Chamadas também de #BrequeDosApps, foram protagonizadas, e talvez até mesmo inspiradas, por movimentos antifascistas em diversos estados brasileiros. As reivindicações diziam respeito a: aumento nas taxas de entrega, aumento da taxa mínima, fim dos bloqueios indevidos, seguro para roubos e acidentes, licenças pagas para entregadores infectados na pandemia e distribuição de Equipamentos de Proteção Individuais (EPIs).
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A ideia de gravar o documentário, contam Guimel e Antonio, surgiu no começo do ano, enquanto gravavam uma campanha publicitária. Devido a dinâmica de trabalho, pediam delivery frequentemente durante a produção da campanha e começaram a se questionar sobre as condições de trabalho dos entregadores.
Eles relatam que “quando a pandemia chegou no Brasil, não tivemos dúvida: sabíamos que esse setor seria extremamente impactado de diversas formas. No dia seguinte, quando teve o primeiro caso de morte confirmada no Brasil, pegamos a câmera e, devidamente protegidos, fomos às ruas”.
Ao longo da produção, acompanharam o cotidiano dos entregadores, demonstrando os maiores problemas que essa categoria enfrenta. As longas jornadas, os acidentes em decorrência do trabalho, a falta de estrutura para realizar as refeições diárias, os bloqueios que os apps aplicam nos trabalhadores, entre outros.
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“Alguns dos apps também usam sistemas de pontuação, o que faz com que entregadores durmam na rua para não prejudicar seu score e serem bloqueados em determinadas regiões de entrega. Temos vídeos de entregadores de bike andando na rua puxando carrinhos de compras de supermercado, porque os pedidos eram pesados demais para carregar na mochila de isopor”, contam os diretores.
As lutas em defesa de melhores condições de trabalho na modalidade de aplicativos acontecem em outros países também. Na Espanha, para citar um exemplo, a Suprema Corte decidiu que trabalhadores de aplicativos são funcionários, o que permite contratos formais de trabalho, oferecendo maior segurança. Com essa decisão, as empresas Glovo e Deliveroo deixam de ser apenas empregadoras intermediárias e passam a ser empregadoras diretas.
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Falta regulamentação
No Brasil, a decisão sobre os tipos de relação de trabalho ainda são dispersas. Alguns casos isolados, de trabalhadores que entraram na justiça em defesa de melhores condições de trabalho, foram considerados como funcionários. Em São Paulo, o Projeto de Lei (PL) 130/19 foi aprovado na Câmara Municipal em agosto deste ano e cria regulamentações para trabalhadores dos aplicativos Loggi, iFood, Rappi e Uber Eats.
O PL segue em andamento, deve passar por nova votação na câmara para ir à mesa da prefeitura da cidade. Entre os pontos principais, está o uso da placa vermelha pelo entregador, que passará à categoria de motofrete. Com isso, terá direitos como contribuição ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e contratação na modalidade Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Caso os entregadores decidam permanecer com a placa cinza, as empresas de aplicativos terão que cumprir com contratação de seguro de vida e despesas em caso de acidente.
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Mas essas alterações dependem muito da organização da categoria. Segundo Guimel e Antonio, “os motoboys são um grupo extremamente heterogêneo. Motoboys de placa vermelha, placa cinzas, adolescentes com bicicletas emprestadas ou mesmo montadas por mãos próprias, bolsonaristas, petistas, apolíticos, antipolíticos, velhos, jovens. Então a autopercepção ainda é fragmentada e diversa, mas há a semente da mobilização. Como um grupo unido, os entregadores podem vir a ser uma força poderosa”.
O feedback do documentário tem sido bastante positivo, afirmam os produtores. Segundo eles, “o retorno que estamos tendo das pessoas é que ele gera muita reflexão em quem assiste, especialmente porque as pessoas não estão cientes de como funciona essa indústria de entrega por aplicativo”. A ideia é dar continuidade ao trabalho e transformar o documentário em uma série, aprofundando mais as condições de trabalho e as implicações delas no cotidiano de trabalho tanto no Brasil quanto em outros países.
O documentário "Pandelivery - Quantas vidas vale o frete grátis?" está disponível no youtube para livre acesso.
Edição: Rebeca Cavalcante