Os advogados não podem ser atacados por defenderem seus clientes, publicou nesta quarta-feira (21), em nota, a Comissão de Direitos Humanos, Procedimentos Especiais da Organização das Nações Unidas (ONU). O comunicado dizia respeito a ações ilegais determinadas pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Criminal Federal do Rio de Janeiro, em 9 de setembro último, contra os advogados Roberto Teixeira e Cristiano Zanin Martins, encarregados da defesa do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva no caso da operação Lava Jato. Na ocasião Bretas ordenou o cumprimento de 75 mandados de busca e apreensão, o que atingiu a casa e escritórios de ambos os advogados.
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A nota da ONU relata o envio de carta, na segunda-feira (19), por parte do Relator Especial sobre a independência de juízes e advogados, Diego García-Sayán, solicitando esclarecimentos ao governo brasileiro, que até o momento não respondeu. Relatores Especiais fazem parte do que é conhecido como os Procedimentos Especiais do Conselho de Direitos Humanos, o maior corpo de peritos independentes no sistema de Direitos Humanos da ONU.
Abaixo a íntegra do comunicado da ONU:
Um especialista da ONU (Diego García-Sayán) criticou hoje (dia 21) a intimidação de advogados que defendem o ex-presidente brasileiro Luis Inácio Lula da Silva, e pediu ao Brasil que se assegurasse de que seus tribunais tratassem todos igualmente.
“Estou alarmado com uma aparente estratégia de alguns promotores e juízes de intimidar advogados por fazerem seu trabalho, particularmente quando estes defendem políticos”, disse Diego García-Sayán, Relator Especial sobre a independência de juízes e advogados. (Nota da redação: Garcia-Sayán enviou carta na segunda-feira, 19, solicitando esclarecimentos ao governo brasileiro, que até o momento não se manifestou).
“Parece que os advogados Roberto Teixeira e Cristiano Zanin Martins foram visados como parte desta estratégia coordenada”. Martins e Teixeira estão defendendo o ex-presidente no caso da operação “Lava Jato”.
A casa de Martins e os escritórios de ambos os advogados foram revistados em 9 de setembro sob mandados de busca e apreensão emitidos pelo Juiz Marcelo Bretas, Juiz de Instrução da 7ª Vara Criminal Federal do Rio de Janeiro. Ele também emitiu mandados de busca e apreensão contra vários outros advogados e escritórios de advocacia em conexão com as investigações da “Lava Jato”.
“A forma espetacular como a polícia realizou as buscas – com ampla cobertura de jornalistas que haviam sido avisados previamente- parece ser parte de uma estratégia destinada a desacreditar os advogados diante de seus pares, clientes e o público em geral”, disse García-Sayán.
No mesmo dia, o promotor encarregado da investigação da “Lava Jato” apresentou uma acusação criminal contra Martins e Teixeira. No dia seguinte, o juiz Bretas congelou as contas bancárias dos dois advogados e as contas de seu escritório de advocacia. O Supremo Tribunal Federal está examinando a legalidade das operações de busca e apreensão e dos procedimentos legais.
“Advogados e advogadas não devem ser atacados por servir os interesses de seus clientes”, disse García-Sayán. “Toda pessoa têm o direito de ser representada, e os advogados não devem ser identificados com seus clientes ou com as causas de clientes com base no desempenho de suas funções profissionais”.
García-Sayán pediu às autoridades brasileiras “que adotem todas as medidas apropriadas para garantir que os advogados e advogadas sejam capazes de desempenhar suas funções profissionais sem intimidação, impedimento, assédio ou interferência imprópria”.
Ele também lembrou ao Brasil que é imperativo que juízes sejam imparciais, e notou as supostas conexões do Juiz Bretas com as autoridades políticas, incluindo o Presidente Jair Bolsonaro. Em 17 de setembro, o Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu por esmagadora maioria – por votação a 12 contra 1 – que o apoio aberto demonstrado pelo juiz ao Presidente do Brasil era incompatível com suas obrigações profissionais. A Ordem dos Advogados do Brasil havia iniciado um processo disciplinar contra o juiz em relação a seus vínculos com o presidente.
“Juízes não deveriam se colocar em uma posição em que sua independência ou imparcialidade possa ser questionada”, disse García-Sayán. “A fim de preservar a confiança pública no sistema judicial, é necessário que os juízes se abstenham de qualquer atividade política que possa comprometer sua independência ou comprometer a aparência de imparcialidade”.
“A imparcialidade é essencial para o bom desempenho da função judicial”, disse García-Sayán.
O relator da ONU esteve em contato com o governo brasileiro sobre suas preocupações. O governo informou que a carta do relator especial foi devidamente transmitida às autoridades competentes.
Até o fechamento deste texto, o governo brasileiro não havia se pronunciado.
Edição: Rogério Jordão