Desgraça pouca é bobagem
A semana ainda não terminou, e o Senado em Brasília devia nos dar medo. O episódio espantoso, grotesco e hilário do senador Chico Rodrigues, do Democratas de Roraima, flagrado com maços de dinheiro na cueca, quando sua casa era revistada pela Polícia Federal, em investigação de compras superfaturadas parece uma excepcionalidade, mas não é.
Um dia depois foi a vez da residência do senador Fernando Collor de Melo, do Pros de Alagoas. Depois de perambular por muitos partidos (começou na Arena, passou pelo PMDB, esteve no PRN, foi para o PTB) um ex-presidente que renunciou para não sofrer impeachment em 1992, e que conseguiu incrível eleição e reeleições para o Senado, mas não deixou de ser protagonista em novos escândalos, dos quais vem escapando incólume, mas confirma que não é.
Porque desgraça pouca é bobagem, ainda no dia seguinte, o senador Chico Rodrigues, em cuja casa foi encontrada, também, uma pepita de ouro, o que é dramaticamente suspeito, porque Roraima é um dos centros de garimpos ilegais, se licenciou sem que sequer uma investigação fosse aberta na comissão de ética do Senado, da qual, aliás, ele mesmo faz parte, e ninguém menos que o seu próprio filho, o suplente, assumiu o mandato.
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Não fosse o bastante, a sessão de sabatina no Senado de Kassio Marques, um medíocre desembargador de confiança política do "centrão", indicado por Bolsonaro para a vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), foi uma vergonha nacional. Uma indisfarçável encenação de covardia política de uma maioria aliviada porque, pelo menos, se trata de um garantista, e não um maníaco religioso fanático.
A missão do Senado, segundo o que está estabelecido pela Constituição, era inquirir, averiguar e verificar a vida e obra de Kassio Marques. A sessão não teve qualquer caráter investigativo.
O Senado é uma anomalia. Trata-se de uma instituição, intrinsecamente, antidemocrática, disfuncional e inútil
Foram horas inúteis de louvores burlescos e até infantis ao nomeado pelo presidente neofascista de um governo de extrema-direita para um cargo vitalício, como se não houvesse qualquer perigo ameaçando as liberdades democráticas, só porque Bolsonaro se rendeu à necessidade de incorporar o "centrão" ao ministério, inaugurando uma nova coalizão, depois da saída da ala lavajatista de Sergio Moro.
Mas fica pior quando, finalmente, a semana culmina com a declaração de Bolsonaro de que a vacinação contra a covid-19 não será obrigatória, e o que o Ministério da Saúde não irá colaborar com a compra da vacina que será produzida pelo Instituto Butantã, em consórcio com o laboratório chinês Sinovac, em evidente abuso de poder. A função primeira do Senado deveria ser impedir o abuso de poder da Presidência. Mas, não. Nada disso é uma surpresa.
O Senado é uma anomalia. Trata-se de uma instituição, intrinsecamente, antidemocrática, disfuncional e inútil. A história tem, porém, uma explicação para a sua existência, e ela é sinistra. A existência do Senado como Câmara Alta do Poder Legislativo foi sempre, na verdade, proteger a Presidência, impedir a mudança política e estabelecer uma limitação do poder da Câmara de Deputados. O Senado é um “freio de arrumação” reacionário do regime presidencial.
Porque para o Senado, cada Estado e o Distrito Federal elegem, cada um, independente da sua dimensão, igualmente, três senadores, com mandato de oito anos, renovados de quatro em quatro, alternadamente, por um e dois terços.
A composição do Senado é de 81 parlamentares. Estamos, portanto, diante de um sistema de representação, totalmente, distorcido. Seu papel é garantir máxima estabilidade política ao regime democrático-liberal.
A forma atual de República Federativa do Brasil foi uma invenção da ditadura militar, mantida pela Constituição de 1988
Ao contrário, a Câmara é composta por eleitos pelo sistema proporcional em cada Estado. São 513 deputados federais, com mandato de quatro anos. O número de deputados deveria ser proporcional à população do Estado, mas não é, também.
Há um limite mínimo de oito para os Estados menores, e um limite máximo de setenta deputados, o que diminui e deforma, em especial, a representação dos grandes Estados, como São Paulo.
O argumento que sustenta esta esquisita arquitetura constitucional é que o Brasil não é um país unitário, mas uma Federação. Tem um grão de verdade, mas trata-se de uma ideologia porque a história do país tem sido uma sucessão de governos nacionais arqui-poderosos, predominantemente ditaduras, e uma ininterrupta subversão da classe dominante sempre que seus interesses estiveram, ainda que parcialmente, contrariados.
O Brasil teve após 1891 o nome oficial de República dos Estados Unidos do Brasil. A forma atual de República Federativa do Brasil foi uma invenção da ditadura militar, mantida pela Constituição de 1988.
A burguesia brasileira não tem qualquer compromisso com as liberdades democráticas, ou sequer com o decoro mínimo institucional. O Senado presidido por Alcolumbre do DEM Amapá, amiguinho de Bolsonaro e Chico Rodrigues é uma aberração.
Edição: Leandro Melito