Educação

Candidata da chapa 2 do Andes quer sindicato “menos isolado” para enfrentar desmonte

Celi Taffarel também propõe novos acordos coletivos para regulamentar ensino remoto; eleição ocorre de 3 a 6 de novembro

Brasil de Fato | Florianópolis (SC) |

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Celi Taffarel é professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA) - MST

A eleição da nova diretoria do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN) ocorrerá entre 3 e 6 de novembro. Para auxiliar os docentes na escolha, o Brasil de Fato entrevistou as duas candidatas à presidência.

Foram feitas cinco perguntas para cada entrevistada. As quatro primeiras são iguais, e a última está relacionada à necessidade de continuidade ou mudança na gestão do Andes-SN.

Confira abaixo a entrevista de Celi Taffarel, doutora em Educação pela Universidade de Campinas (Unicamp) e professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Conheça o programa defendido por ela para o Andes-SN.

Candidata à presidência do sindicato pela chapa 2, “Renova Andes”, ela defende que a entidade deve se comprometer na construção de unidade contra os desmontes do governo Bolsonaro e propõe novos acordos coletivos e normas regulamentadoras para o ensino remoto.

“Não basta dizer somos contra o Ensino Remoto Emergencial, como tem sido feito pela atual direção. Precisamos dar uma resposta para a realidade concreta que se impôs”, ressalta.

Confira a entrevista:

Brasil de Fato: A covid-19 impôs inúmeros desafios à educação brasileira. Quais deles exigem uma reação urgente do ANDES-SN, e o que pode acontecer caso os docentes não se organizem para dar uma resposta à altura ao governo Bolsonaro?

Celi Taffarel: Em primeiro lugar, é importante destacar que as reações imediatas das universidades foram e devem continuar sendo preservar a vida. Tudo é recuperável, menos as vidas que foram ceifadas pela covid-19. Já somamos mais de 154 mil mortes, responsabilidade do governo genocida de Jair Bolsonaro.

Por isso, as universidades tomaram medidas imediatas para suspensão de calendários, orientações de medidas preventivas, realização de pesquisas, desenvolvimento de serviços comunitários socialmente úteis, que devem ser apoiadas pelo Andes-SN.

Isso pressupõe que o Andes-SN deve defender a autonomia das universidades, que está sob ameaça. São exemplos disso a ingerência do governo com a imposição de reitores que têm levado o negacionismo e a anticiência para dentro das universidades, bem como e os cortes orçamentários, que têm limitado a ação das universidades justamente quando mais precisamos de recursos para garantir a pesquisa científica e o direito à educação.

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Sem autonomia, não poderíamos ter tomado uma política de preservação da vida que vai na contramão da orientação do governo Bolsonaro. Sem recursos, não podemos cumprir a missão constitucional da universidade, de produzir conhecimento para enfrentar a crise sanitária, econômica, ambiental e social que estamos vivendo no país e no mundo e garantir condições minimamente equânimes para estudantes e trabalhadores da educação.

As intervenções de Bolsonaro nas universidades se intensificaram durante a pandemia. Por isso, também, o orçamento para a educação previsto para 2021 é tão ínfimo. O Andes-SN tem um papel fundamental a cumprir na defesa da vida, da autonomia universitária e do orçamento para a educação.

Mas, além disso, o Andes-SN tem um papel essencial a cumprir na defesa dos trabalhadores da educação, em especial os professores e professoras universitários. Por isso, deve cobrar, exigir e reivindicar as medidas de proteção das instituições dos estudantes, dos professores, técnico-administrativos e demais trabalhadores e trabalhadoras terceirizados.

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São responsabilidades sindicais e dos organismos de luta da classe trabalhadora, sobretudo agora que se intensificam os debates sobre os planos de retorno às atividades presenciais nas universidades. E deve, também, enfrentar com coragem o debate sobre o ensino remoto.

O Fórum Renova Andes-SN sempre se posicionou contra o trabalho remoto emergencial como solução definitiva, ou seja, como o “novo normal” do trabalho docente e da educação brasileira. Mas, por outro lado, reconhecemos que a situação é muito excepcional e que, diante do fato de que precisamos trabalhar no ensino emergencial, devemos reivindicar medidas cabíveis por parte do Sindicato Nacional.

O ambiente residencial é impróprio para atividades de ensino-pesquisa-extensão

Não basta dizer somos contra o ensino emergencial, como tem sido feito pela atual direção. Precisamos dar uma resposta para a realidade concreta que se impôs. Entendemos que as medidas emergenciais só valem para o período em que a pandemia está completamente fora de controle.

Não temos testagem suficientes, medidas sanitárias adequadas, instalações arquitetônicas adequadas para distanciamento e higienização. Ainda não existe vacina. A adoção do Trabalho Remoto Emergencial, em semestres letivos suplementares, exige uma reação imediata do Andes-SN, que lamentavelmente não foi adotada como por parte da atual direção do Andes-SN.

Defendemos que, onde já esteja ocorrendo o trabalho remoto, os professores e professoras necessitam urgentemente da ação do Andes-SN para serem protegidos em relação às atividades específicas ao trabalho docente de ensino, pesquisa, extensão.

Os docentes estão em isolamento social, sofrendo exclusões e discriminações, com oportunidades de carreiras reduzidas e desigualdades aprofundadas

É gravíssimo o que está acontecendo. Os profissionais estão adoecendo, tendo despesas extras com internet, infraestrutura digital, água, luz etc. Seus lares e contextos familiares estão transtornados pela sobreposição entre trabalho e vida privada.

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A saúde, os direitos e a segurança são três dimensões do dia-a-dia do trabalho docente que o sindicato precisa, sim, garantir. Portanto, necessitamos imediatamente de novos acordos coletivos de trabalho. Necessitamos de normas regulamentadoras, normas em relação à ergonomia, à fiscalização e à prevenção de acidentes de trabalho. Precisamos atentar para a preservação da saúde mental dos trabalhadores e trabalhadoras da Educação em geral e em especial do Ensino Superior.

A regulamentação da jornada de trabalho, o mútuo consentimento e o controle do assédio moral são medidas a serem reivindicadas pelo Andes-SN. Os docentes estão em isolamento social, sofrendo exclusões e discriminações, com oportunidades de carreiras reduzidas e desigualdades aprofundadas.

Isso é particularmente grave para as mulheres, em especial as que se ocupam do cuidado de crianças e idosos, e que estão sentindo cotidianamente que têm menores condições de produzir do que os homens, correndo o risco de perda de bolsas, financiamentos e oportunidades.

O ambiente residencial é impróprio para atividades de ensino-pesquisa-extensão, e isso está pesando muito para os e as docentes. O estresse pelo não domínio de tecnologias informacionais e comunicacionais, a necessidade de formação e a intensificação do trabalho está causando um impacto muito grande sobre a saúde física e mental dos docentes.

Por fim, o que estamos constatando é a dificuldade tanto de professores e professoras quanto de estudantes, do acesso e domínio das tecnologias comunicacionais e informacionais. Essas desigualdades também precisam ser enfrentadas.

Como o ANDES-SN pretende reagir ao projeto de reforma administrativa elaborado pelo governo? Com quais organizações pretende unir forças, e qual estratégia será adotada para mostrar à sociedade os riscos dessa reforma? 

Apesar de ter um papel decisivo na luta contra a reforma administrativa, a atuação do Andes-SN já começou mal porque, no dia 30 de setembro, quando foi lançada a campanha nacional em defesa dos serviços públicos, a atual direção do Andes-SN não orientou seus filiados e filiadas para uma participação efetiva dos atos, virtuais ou de rua, com os devidos cuidados sanitários, para que tivéssemos a presença significativa nos 27 atos que ocorreram em todo o país.

Ao contrário, a atual direção apoiou que o ANDES-SN seguisse durante todo o dia 30 em uma plenária interna da categoria, o que foi considerado pelo Fórum Renova Andes como inaceitável.

Estamos às vésperas de uma forte e longa jornada que deverá culminar com o Dia do Servidor Público, em 28 de outubro. Mas, na prática, não temos notícia de como a atual direção do Andes-SN está orientando sua base para participar destas manifestações e enfrentamentos.

É importante frisar: a Reforma Administrativa trará violentos ataques aos funcionários públicos. Não tem como enfrentar estes ataques sem luta conjunta, sem pressão no parlamento, sem mobilização e luta unificada das centrais sindicais e para além delas.

Por isso, precisamos de um sindicato menos isolado, menos empenhado em condenar organizações da classe trabalhadora porque discorda de sua orientação política. É hora de unidade. Ou mobilizamos o movimento docente que conta, segundo dados do Censo da Educação Superior de 2018, com aproximadamente 384 mil docentes, dos quais aproximadamente 173 mil de instituições públicas e, destes, os 79 mil sindicalizados no Andes-SN, ou vamos perder mais esta batalha.

A atual direção subestimou o perigo do atual governo e não enfatizou a necessidade de construção da luta ampla, conjunta, unificada

Precisamos, sim, de cartilhas esclarecedoras sobre o desmonte dos serviços públicos que atingirão toda a população, em especial a classe trabalhadora, que depende dos serviços públicos para ter acesso a direitos constitucionais como educação, saúde, segurança, alimentação, emprego, renda, infraestrutura produtiva, entre outros. Mas não podemos nos contentar somente com isso.

A privatização sem limites aprofundará a barbárie que já está instituída em nosso país e tendo como consequência a volta da população mais necessitada ao Mapa da Fome, o desemprego de aproximadamente 14 milhões de brasileiros. A reação do Andes-SN deve ser total e baseada na construção da unidade, mas não é isso que temos visto.

Como a chapa 2 se posiciona em relação ao ensino remoto, e quais direitos devem ser garantidos ao docente antes de se adotar esse modelo?

Este modelo deverá ser adotado somente em situações emergenciais, não podendo jamais ser permanente, como estratégia de redução de custos.

Já deveríamos ter um grande diagnóstico da situação dos e das docentes em trabalho remoto. Temos dados dispersos e diluídos em diagnósticos realizados por instituições ou seções sindicais, mas nada conduzido pelo Sindicato Nacional.

Não temos um protocolo sanitário unificado para o trabalho docente – ensino, pesquisa, extensão -, em situação emergencial. Não temos o encaminhamento de acordos coletivos de trabalho que considerem as necessidades nestas circunstâncias emergenciais.

Qualquer acordo coletivo com os e as docentes passa pela consideração da situação dos estudantes e demais trabalhadores da educação superior.

Sem estudantes, não tem trabalho docente. Os estudantes não podem ficar desprotegidos, sem conectividade, sem assistência, sem regras e normas de proteção sanitária, sem propostas de segurança e proteção psicológica, sem reconceptualizações curriculares, alterações nos projetos políticos pedagógicos. Isto está imbricado, são lutas conjuntas.

Para além de uma postura defensiva e de resistência, quais passos a nova gestão precisará dar para tentar ampliar o financiamento à pesquisa e garantir uma política salarial mais favorável aos docentes?

Temos que deter o desmonte do sistema de fomento ao desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil, enquanto nação soberana. Levamos 70 anos para desenvolver um sistema que precisava, sim, de aperfeiçoamento, de mais financiamento e não de ataques destrutivos.

Segundo denúncias da SBPC [Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência], o que está acontecendo com o FNDCT [Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] é gravíssimo: 87,7% dos recursos estão congelados e não poderão ser usados.

Quanto ao CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], o valor exclusivamente destinado ao fomento científico encolheu 84,4%. A Capes [Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior] também teve seu poder de investimento em ciência corroído. O valor diminuiu 32,3%, para patamares menores do que o investimento de 2019.

Os cortes orçamentários, o desmonte de programas, projetos, estruturas, os desvios de função estão destruindo o sistema de fomento à ciência. Isto precisa ser barrado. Estas lutas passam pela luta para por fim ao governo Bolsonaro, e isto é uma tarefa histórica da classe trabalhadora organizada, o que implica que o Andes-SN deve estar articulado com os que levantam a bandeira em defesa da ciência.

O Observatório do Conhecimento, que congrega aproximadamente 20 mil professores na base, é um ponto de resistência com o qual o Andes-SN precisa interagir para enfrentar esta linha destrutiva da ciência em nosso país.

Temos que nos articular com os 200 mil pesquisadores existentes no Brasil e que estão sendo violentamente atacados e que estão trabalhando em vários organismos e instituições como o próprio Ministério de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Especiais], IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística], Ancine [Agência Nacional do Cinema], as universidades, os institutos federais, os Cefets [Centros Federais de Educação Tecnológica], os Colégios de Aplicação, com seus grupos de pesquisa que estão todos, sendo violentamente atacados em suas estruturas, programas, projetos, ações, orçamentos e, inclusive pessoalmente, os cientistas sendo judicializados, perseguidos, criminalizados, como já ocorreu durante o regime militar.

Quanto à Campanha Salarial, o Andes-SN vem definindo a pauta em conjunto com os demais servidores públicos através do Fórum das Entidades Nacional dos Servidores Públicos Federais (Fonasefe). A Pauta Nacional de Reivindicações dos Servidores Públicos e o pedido de abertura de negociação deveria ter sido encaminhado no início do ano logo após o Congresso do Andes-SN.e

:: Conheça os seis eixos de reivindicação do FONASEFE ::

Portanto temos que lutar pela política salarial justa em meio a medidas de desvalorização do salário mínimo. Estas lutas estão atreladas. Temos ainda as pautas especificas das Instituições estaduais, municipais e filantrópicas de ensino.

Por que a atual gestão do ANDES-SN deve ter continuidade, e o que precisará ser corrigido ou alterado a partir do novo mandato?

Se avaliarmos as análises de conjuntura da direção do sindicato desde 2016, vamos verificar que ocorreram graves equívocos e erros de avaliação, a começar pelo não reconhecimento de que existia um golpe em curso no Brasil, que tinha seus pilares principais no impeachment de Dilma Rousseff (PT), na prisão e impedimento político do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e na retirada de seus direitos constitucionais.

O Andes-SN não jogou força em nenhuma dessas lutas. Por isso, a atual direção subestimou o perigo do atual governo e não enfatizou a necessidade de construção da luta ampla, conjunta, unificada, com frentes, fóruns e movimentos sociais que estão em luta, como Frente Povo Sem Medo, Frente Brasil Popular, Fórum Nacional em Defesa da Educação Pública. Assim, a centralidade da luta perde seu foco, e o Andes-SN se afasta dos professores e professoras.

Questionamos a postura adotada pelo Andes–SN frente às medidas do governo golpista de Temer (PMDB) e do governo Bolsonaro, que levou a categoria ao isolacionismo.

Por exemplo, qual foi a reação do ANDES-SN frente a: (1) Emenda Constitucional (EC) 95/2016, “teto de gastos”, que estabelece novo regime fiscal e restringe gastos públicos por 20 anos, valendo até 2036, atingindo investimentos na saúde e educação; (2) a terceirização sem limites, com a Lei 13.429/2017, nas contrarreformas trabalhista e da Previdência;  (3) a Contrarreforma Administrativa, em que o governo, em lugar de valorizar a melhoria da gestão dos serviços públicos, propõe diversas reformas com o nítido propósito de esvaziar o serviço público, como são os casos das PEC 186 e 188, além da MP 922/2020; (4) o “Plano Brasil Mais”, do governo Bolsonaro, que prevê projetos de lei para desvincular, desobrigar, desindexar, desestatizar/privatizar o orçamento e as empresas estatais, e propõe alterar as funções sociais do Estado brasileiro, com redução de gastos obrigatórios, alterar também regras do pacto federativo e revisar fundos públicos?

A luta pelo fim do governo Bolsonaro é uma tarefa histórica da classe trabalhadora organizada

Essas medidas trarão consequências nefastas e destrutivas no âmbito da educação, seja como formação de professores, como conteúdo do ensino fundamental e médio, como política pública de desenvolvimento científico e tecnológico.

Soma-se a isto o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e Renda diante dos impactos da covid-19, que previa suspensão de contratos de trabalho, renda emergencial e redução das horas de trabalho, com redução de salários.

Com essas medidas econômicas que visam desvinculação, desobrigação, desindexação e desestatização, impactam-se os serviços públicos, bem como a garantia de direitos e conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras, já incluídos precariamente na Constituição Federal de 1988.

Cabe ao Andes-SN retomar sua trajetória de luta ao lado dos demais instrumentos de luta da classe trabalhadora, como as frentes, centrais sindicais, entidades científicas, profissionais que estão em luta contra o desmonte dos serviços públicos.

Cabe ao Andes-SN sair do isolacionismo. Temos que devolvê-lo para os professores e professoras e lutar por mais serviços públicos, em defesa da educação, da saúde, da ciência e da tecnologia, da soberania alimentar, do emprego e da renda para a classe trabalhadora. Ou seja, pelo fim do governo Bolsonaro, sempre na defesa intransigente das instituições públicas de educação.

O Andes-SN só poderá fazer isso se voltar a ser um sindicato reconhecido pela categoria, se voltar a se aproximar dos milhares de professores e professoras de ensino superior do país que querem, sim, se somar à defesa da educação, dos serviços públicos, da democracia e da soberania nacional. Podemos fazer muito, mas, para isso, o Andes-SN precisa mudar, se renovando imediatamente.

Edição: Leandro Melito