A eleição da nova diretoria do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN) ocorrerá entre 3 e 6 de novembro. Para auxiliar os docentes na escolha, o Brasil de Fato entrevistou as duas candidatas à presidência.
Foram feitas cinco perguntas para cada entrevistada. As quatro primeiras são iguais, e a última está relacionada à necessidade de continuidade ou mudança na gestão do Andes-SN.
A primeira entrevistada é Rivania Lucia Moura de Assis, doutora em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Conheça o programa que ela defende para o Andes-SN.
Candidata à presidência do sindicato pela chapa 1, “Unidade para Lutar”, Rivania ressalta a urgência da luta por mais investimentos em educação, em oposição à “contrarreforma” administrativa do governo Bolsonaro, contra o congelamento dos investimentos federais e a naturalização do ensino remoto pós-pandemia.
"Ensino mediado por tecnologias representa o rebaixamento do sentido do processo de ensino-aprendizagem a uma educação bancária, o esvaziamento do fazer profissional e o retorno a uma educação superior pública elitizada, em que índios, negros e negras, quilombolas e pobres vão estar fora", enfatiza.
Confira a entrevista:
Brasil de Fato: A covid-19 impôs inúmeros desafios à educação brasileira. Quais deles exigem uma reação urgente do Andes-SN, e o que pode acontecer caso os docentes não se organizem para dar uma resposta à altura ao governo Bolsonaro?
Rivania Moura: A pandemia do novo coronavírus, que já matou mais de 150 mil pessoas no Brasil, incluindo docentes, discentes e técnicos das instituições de ensino, com ênfase para os trabalhadores/as dos hospitais universitários, evidenciou grandes desafios que teremos no próximo período.
Há um processo de longa duração de privatização da educação. Os dados demonstram como tem se encolhido o setor público e ampliado a oferta privada de educação em todos os níveis. Passamos dos anos da ditadura civil-militar, de um atendimento público do ensino superior de cerca de 80%, para menos de 20% atualmente. A mudança no escopo da educação superior se deve ao atendimento, dos diferentes governos, ao projeto dos organismos internacionais de privatização da educação e de sua transformação em mercadoria, como prevê a Organização Mundial do Comércio (OMC).
Esse projeto do capital para a educação, que já vem de longa data, se explicita e se aproveita do momento da pandemia. A Educação à Distância, marca do projeto de uma educação terciária para a América Latina, é rebaixada e transformada, em plena pandemia, no ensino remoto emergencial (ERE).
Leia também: Universidades privadas querem usar aulas gravadas por professores mesmo após demissão
Certamente, o enfrentamento ao projeto de educação do capital, que vem sendo gestada em diferentes governos, é um dos nossos principais desafios. Aliado a isso, o combate ao projeto anticiência do governo Bolsonaro, que reconhece na educação o seu grande inimigo. Por isso, não permitir que o emergencial se torne permanente é um dos nossos principais desafios na resistência a mais uma contrarreforma da educação.
Esse período, do chamado “novo normal”, deve ser analisado à luz da desigualdade imensa do Brasil e, por consequência, do acesso à internet. Por outro lado, temos como desafio não limitar esse momento ao acesso ou não a tecnologia. A realidade impõe reconhecer as condições objetivas e subjetivas da nossa categoria.
Para além desse desafio imediato, é necessário pensar os desafios estratégicos, como a construção dos Encontros Nacionais de Educação (ENE), a necessidade de ampliar as articulações com entidades da educação, da comunidade científica e do movimento social. Para isso, é necessário um sindicato autônomo e forte, que reconheça que atrelar as organizações sindicais ao Estado, a partidos políticos ou ao calendário eleitoral é nefasto para a classe trabalhadora.
Como o Andes-SN pretende reagir ao projeto de reforma administrativa elaborado pelo governo? Com quais organizações pretende unir forças, e qual estratégia será adotada para mostrar à sociedade os riscos dessa reforma?
Nossa avaliação é que a PEC 32/2020, da contrarreforma administrativa, é um dos principais ataques à classe trabalhadora. Esse ataque encontra lastro na história, desde as propostas de reforma do Estado do governo Fernando Henrique Cardoso, com o Bresser Pereira à frente do Ministério de Administração e Reforma do Estado.
As diretrizes pensadas lá na segunda metade de 1990 deixaram rastros em todos os governos subsequentes. Assim, vivemos um processo de subfinanciamento de várias políticas públicas e um processo de desestruturação por dentro, do qual são exemplos, entre outros, as Organizações Sociais (OS) na saúde básica e a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), um tipo particular de privatização em curso dos hospitais universitários.
A tarefa não é fácil, mas deve ser enfrentada com ampla unidade, com todas as entidades que estiverem dispostas a ir para as ruas, fazer pressão nos parlamentares, unificar em construção de plenárias estaduais dos servidores públicos e articular com os movimentos sociais.
Não permitir que o emergencial se torne permanente é um dos nossos principais desafios
Essa contrarreforma atinge todos os servidores, das três esferas – federal, estadual e municipal – e, em especial, a população mais pobre, que depende do posto de saúde, da escola pública e dos demais serviços básicos. Por isso, um dos nossos desafios é dialogar com o conjunto da população.
Para a chapa 1, a articulação de espaços como o Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais (FONASEFE), que tem desenvolvido uma importante campanha nesse período e que conta com a participação ativa do Andes-SN, assim como a articulação com a Frente Nacional em Defesa do SUS, articulação com as entidades da educação e com a Auditoria Cidadã da Dívida, que evidencia de onde pode ser retirado os recursos para garantir direitos sociais, são fundamentais a serem mantidas.
Entendemos que não podemos agir como determinados sindicatos que, na reforma da Previdência, tiveram a única preocupação de salvar a pele de sua corporação. Esse nunca foi e se depender da chapa 1, nunca será o papel do Andes-SN. Estamos desde já comprometidos com a unidade de todas as entidades do serviço público.
O papel das centrais sindicais é também muito importante. Temos que contribuir para impulsionar as "grandes" centrais sindicais a saírem da atitude contemplativa de apenas "acompanhar" as lutas de forma retórica sem envolvimento efetivo. É uma grande oportunidade para que as centrais sindicais mostrem atitude, disposição, engajamento real na defesa do serviço público, das empresas estatais e dos interesses populares.
Como a chapa 1 se posiciona em relação ao ensino remoto, e quais direitos devem ser garantidos ao docente antes de se adotar esse modelo?
Para a Chapa 1 a posição construída ao longo dos 40 anos do Andes-SN, expressa no projeto de educação superior aprovada pelas instâncias deliberativas do sindicato e sistematizada no Caderno 2, que reconhece a educação presencial como a modalidade prioritária, deve ser reafirmada.
Nossa compreensão é que, diante da pandemia a defesa da vida deve ser nossa prioridade e, por isso, precisamos defender o isolamento social e o não retorno presencial da educação nesse momento. Temos inclusive que evidenciar a disposição da categoria, aprovada no 9º Conad (Conselho do Sindicato Nacional dos Docentes de Instituições de Ensino Superior), em realizar greve sanitária, caso tenha pressão para o retorno presencial.
Nosso desafio é problematizar a transposição do ensino presencial para o remoto. Também se encontra, no âmbito dos desafios, cobrar do poder público as condições necessárias para exercer o trabalho e o ensino remoto, não permitindo que o custo recaia sobre o professor/a, assim como não podemos permitir a naturalização dessa realidade e aceitar uma regulamentação do provisório para que se torne permanente.
Nosso desafio é problematizar a transposição do ensino presencial para o remoto.
A chapa 1 defende que o movimento docente não deve se adaptar às exigências dos conglomerados privados da educação – ao contrário, deve lutar e se opor. A política sindical de adaptação é a política do apassivamento considera que as lutas já estão derrotadas antes mesmo de iniciar a disputa. Operam com o mecanismo da profecia autorrealizada. Assim, os/as trabalhadores/as ficam enfraquecidos/as e subsumidos/as às exigências dos proprietários do capital. Isto vale para todas as lutas sindicais. Os/as trabalhadores/as devem lutar contra esse processo de subsunção e não para adaptar ou mitigar os seus efeitos. Daí o desafio de não naturalizar o ensino remoto.
Essa realidade de ensino mediado por tecnologias representa o rebaixamento do sentido do processo de ensino-aprendizagem a uma educação bancária, o esvaziamento do fazer profissional do/a professor/a e o retorno a uma educação superior pública elitizada, em que índios, negros e negras, quilombolas e pobres vão estar fora.
Para além de uma postura defensiva e de resistência, quais passos a nova gestão precisará dar para tentar ampliar o financiamento à pesquisa e garantir uma política salarial mais favorável aos docentes?
Precisamos de uma forte aliança com a sociedade. A luta em defesa da educação pública não pode ser apenas da comunidade acadêmica. Impedimos os cortes orçamentários do Weintraub com mobilização e ela foi vigorosa porque envolveu não só os que sempre participam das atividades dos sindicatos e DCE [Diretórios Centrais dos Estudantes], mas outros segmentos da comunidade acadêmica que compreendeu que era um ataque que atingiria um patrimônio do povo brasileiro.
Como o ataque é global, a resposta também deve ser. Para sair da postura defensiva em que o conjunto da classe trabalhadora se encontra é necessária uma mudança na correlação de forças e para isso devemos trabalhar na construção da unidade do campo sindical, popular e com as juventudes. Potencializar o processo de reorganização da classe trabalhadora. Não há soluções apenas corporativas, ou seja, não há como uma categoria profissional, qualquer uma que seja, procurar apenas ganhos particularistas.
Somos semente de um projeto de sindicato e de educação que aposta na renovação sem abrir mão de princípios
O maior investimento em Ciência e Tecnologia e em Educação tem que ser uma luta articulada com a revogação da EC/95, que congelou os investimentos, com a suspensão do pagamento dos juros da dívida pública, com a taxação das grandes fortunas e com outras iniciativas que demonstrem de onde os investimentos para a educação podem sair.
Só com mais investimentos poderemos lutar pela reestruturação da carreira do setor das federais, reduzida a uma tabela salarial nos últimos anos. Só com renegociação das dívidas dos estados será possível investimento nas carreiras do magistério superior nos estados. Ao contrário do que o governo Doria [governador de São Paulo] pretende fazer para usurpar as verbas da pesquisa, temos que lutar para a ampliação da verba pública.
Um país independente só se constrói com investimento público em educação e ciência e tecnologia. Educação pública de qualidade só com profissionais bem remunerados, com carreira docente estruturada e condições de trabalho.
Por que a atual gestão do Andes-SN deve ter continuidade, e o que precisará ser corrigido ou alterado a partir do novo mandato?
A direção atual do Andes-SN não terá continuidade. Ela se encerra tão logo a chapa vencedora tomar posse. A chapa 1 defende a continuidade da política construída pelo Andes-SN, e isso não se deve apenas ao trabalho da direção, mas essencialmente as deliberações das bases nos espaços de deliberação.
Não queremos rememorar o passado fracassado de um sindicalismo atrelado
Reivindicamos o histórico do Andes-SN, em especial sua política de autonomia e independência de classe. Reivindicamos a posição das gestões que respeitaram as deliberações da categoria, da trajetória de direções que não se furtaram da luta, que não priorizam espaços políticos partidários e nem posições nos governos e administrações centrais das instituições de ensino. Poucos sindicatos desse país ousaram se manter autônomos quando os governos de conciliação de classe estiveram no poder, assim como as direções e o sindicato se mantiveram autônomos quando militantes sindicais se envolveram em gestões institucionais. Sim, isso a Chapa 1 avalia que deve continuar.
Nossa chapa reconhece que o Andes-SN é o único e legítimo representante da categoria docente. Reivindicamos uma trajetória de luta, resistência e enfrentamentos, realizados pelas gestões do Andes-SN, em especial quando uma parte da categoria decidiu “criar” uma outra instituição, nos gabinetes do governo de conciliação de classe. Mesmo nesse momento difícil, mesmo quando o registro do Andes-SN foi cassado, uma parte da categoria se manteve firme na defesa do sindicato nacional.
Ao mesmo tempo somos mudança. Agregamos professores e professoras recém-ingressos na categoria, de instituições federais, estaduais e municipais. Da carreira do magistério superior e do ensino básico, técnico e tecnológico. Somos semente de um projeto de sindicato e de educação que aposta na renovação sem abrir mão de princípios, de uma renovação que não se dobra a governos, partidos e reitorias. Uma renovação que compreende que o novo germina novas sementes e não tem a tarefa de rememorar o passado fracassado de um sindicalismo atrelado.
Somos mudança. Seja porque nossa chapa incorpora uma nova geração de docentes, testados nas lutas da última década, seja porque os problemas e os desafios também são novos. O perfil dos docentes foi modificado, os governos que enfrentamos são outros. A nossa ferramenta, mantendo seus princípios, precisa também aperfeiçoar seu trabalho. Hoje as informações são instantâneas, a forma de nos comunicarmos mudou e, também, a comunicação do sindicato precisa avançar.
Precisamos avançar no repensar de nossa organização sindical, nas instituições multicampi. Também precisamos avançar nos processos de unidade de ação, ir para além das instituições que o Andes-SN já se articula. Ousar, buscar, reinventar, para fortalecer o projeto de educação pública, gratuita, laica, socialmente referenciada, antipatriarcal, antimachista, antissexista, anticapacitista e antirracista e antilgbtfóbica. Por isso, temos que ser um sindicato que valoriza a decisão de base, que dialoga com os e as docentes e que decide coletivamente.
Edição: Rodrigo Chagas