Paulo Opuszka tem 43 anos, é advogado, mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Construiu uma carreira acadêmica: é professor de Direito e Processo do Trabalho e professor permanente no programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR. Já foi superintendente no Instituto de Administração Pública (IMAP) da Prefeitura de Curitiba, chefe de gabinete da Reitoria da UFPR, além de secretário geral da Associação dos Professores na Universidade Federal do Paraná (APUFPR).
Neste ano, Opuska concorre pela primeira vez em um pleito eleitoral, disputando a prefeitura de Curitiba. Em entrevista ao Brasil de Fato Paraná, ele falou sobre projetos para geração de emprego e renda, políticas de habitação e defesa de direitos das mulheres e das pessoas em situação de rua.
A íntegra da entrevista pode ser vista no canal do Brasil de Fato Paraná. Confira trechos abaixo:
Brasil de Fato Paraná: Na eleição presidencial de 2018, quando a Manuela D'Avila (PCdoB) entrou na chapa do PT, muito se falava sobre a rejeição da população à legenda, que brasileiro não votaria no Partido Comunista, principalmente com o crescimento, nos últimos anos, de um discurso anticomunista muito forte. Agora, em 2020, Manuela está concorrendo à prefeitura de Porto Alegre e aparece como líder nas pesquisas de intenção de voto. Uso a Manuela como exemplo porque parece que quando o candidato já é conhecido, tem uma história pública ativa há mais tempo, a legenda importa menos. No seu caso, Paulo, essa é sua primeira candidatura, você não é exatamente um rosto conhecido da população. Isso pode impactar negativamente a sua campanha?
Paulo Opuska: Durante os meses de fevereiro, março e abril, nós discutimos muito além das candidaturas. Tivemos uma tentativa de fazer uma frente de esquerda, composta pelo [Roberto] Requião, pelo PSOL, PCdoB, em diálogo também com PSTU, PV, Rede e PDT. No fim, a gente acabou não conseguindo, por necessidades, que eu diria, legislativas eleitorais: os partidos estão fazendo aposta na proporcional, com vereadores. Mas também passa por assumir uma candidatura de esquerda. A dificuldade, em Curitiba, que as candidaturas estão encontrando de assumir uma candidatura de esquerda com uma pauta política muito clara.
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Talvez, a última eleição, que o Tadeu [Veneri] disputou, foi o momento mais difícil de defender a legenda do PT, porque a completa destruição estava com uma força institucional muito grande, a partir do decurso do processo de prisão do Lula e todas as investigações que vinham da Lava-Jato. Então tinha uma questão político-ideológica institucionalizada, via poder judiciário e opinião popular e via comunicação. E uma certa mitificação das figuras do Sergio Moro, do Deltan [Dallagnol], e Curitiba participando desse processo.
Eu já estou representando o PT com duas questões específicas. A primeira: a demonstração de que o partido dos trabalhadores está vivo, forte e apresenta uma transição geracional com quadros em Curitiba que já não são dos fundadores do PT. A minha candidatura é a primeira de uma outra geração na construção do PT. E é claro que uma candidatura como essa vai apresentar as facilidades - que não foram medidas, porque nós vamos saber isso só no dia 15 - e, de certa forma, as dificuldades.
Dados recentes do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) mostram que, desde o início da pandemia, Curitiba chegou a perder quase 40 mil empregos formais. Nos últimos meses, a cidade parece começar a se recuperar, mas ainda assim, no total de admissões e demissões de janeiro a agosto, a cidade tem déficit de mais de 16 mil empregos formais. Como você imagina a recuperação desses postos, como fazer pra que a cidade empregue formalmente mais do que demite?
Essa pergunta é fundamental, porque o projeto do PT tem uma característica do social desenvolvimentismo claro, desde o começo. Aliás, esse é um dos motivos pelos quais o PT tensiona bastante com outros partidos da esquerda. O Partido dos Trabalhadores sempre teve como base a questão do trabalho e proteção ao trabalho. E do financiamento da economia, tendo como política anticíclica o Estado.
A intervenção do Estado na Economia é assumida pelo Partido dos Trabalhadores, em alguns momentos cometendo erros. Quando você vai discutir política econômica com o grupo mais próximo ao Requião, ele vai dizer: "o Partido dos Trabalhadores erra porque coloca no Banco Central uma figura como Meirelles e coloca no Desenvolvimento alguém como Nelson Barbosa e coloca como ministro da Fazenda alguém como Joaquim Levi". Quando isso acontece, nós assumimos uma pauta que não é a nacional desenvolvimentista, é a pauta do rentismo, que é a pauta neoliberal.
O Lula governou com dois momentos. Por que eu estou falando do Lula? Porque é o governo federal que dirige, é quem faz política macro econômica, ele induz a economia com macro economia. O município induz a economia com micro economia, que pode ser um complemento das decisões macro. Quando eu tenho um [Antonio] Palocci como ministro da Economia, o ajuste fiscal e o tripé macro econômico são a característica forte, com metas de inflação.
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Na mudança para o [Guido] Mantega, aparece de novo um desenvolvimentismo social, no qual o gasto social aumenta e aí aparece um grande programa, que é o PAC [Programa de Aceleração do Crescimento], outro grande programa, o Minha Casa Minha Vida, gerando transferência de renda e construção de habitação popular, combinado com o programa de desenvolvimento social na educação, que está dentro do Pronatec [Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego], do ProUni [Programa Universidade para Todos] e do Reuni [Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais]. Colocando educação, saúde e habitação dentro do mesmo programa. Onde eu quero chegar: com o Mantega, a gente realinha o caminho do nacional desenvolvimentismo. Qual é a saída para agora: voltar ao desenvolvimentismo.
Mas como pensar isso no contexto municipal? O histórico de Curitiba, a gente sabe que é o seguinte: gestões que sempre divulgaram que estariam desenvolvendo centros de produção, mas que foram muito mais marketing. O que é o Vale do Pinhão, que o Rafael Greca propagandeou? Se a gente atravessa a Avenida da Indústria, em Curitiba, só tem uma montadora. É possível pensar uma política para a cidade?
Veja, o setor produtivo de Curitiba não está atrelado ao desenvolvimento regional. Se a gente não atrelar o setor produtivo ao desenvolvimento regional, a gente não tem recuperação da economia, especialmente a geração de emprego e renda num período ruim, como vai ser esse pós pandemia, com esse compromisso de desenvolvimento. Se eu não tiver, no entorno da CIC [Cidade Industrial de Curitiba] um projeto de habitação popular, um projeto de atrelamento da cadeia produtiva daqueles que são os fornecedores daquela indústria que está ali estabelecida e esses fornecedores também gerando emprego e fazendo com que Curitiba seja atrativa para as empresas.
E nesse marco onde fica o lugar e o que é possível ser pensado dentro da Economia Solidária? O que pode ser feito pela geração de renda dessas trabalhadoras?
Quando o PT ainda não tinha administração, ele estava ao lado dos sindicatos e entidades que criaram a Economia Solidária em Curitiba. Veja, nos bairros onde não teve nenhuma preocupação com esse desenvolvimento regional, teve luta, teve ocupação, teve uso do solo como o povo precisava, teve construção de moradias, como foi na Ferrovila, Sítio Cercado, Bairro Novo, Xaxim, Alto Boqueirão, vários bairros da região norte, ocupados pelas pessoas. E naquele entorno, a Economia Solidária, as cooperativas de reciclagem de catadores, cooperativas de serviços, de produção. Nesse espaço a Economia Solidária recupera uma Economia esquecida, que tem como pressuposto não a acumulação, mas a solidariedade. Parece que cada vez que o capitalismo entra em crise a gente lembra de recuperar as experiências da Economia Solidária, porque ela vai além da questão econômica, ela nega o "animal spirit" propagado pelo [John Maynard] Keynes, ela nega o egoísmo da riqueza das nações que aparece no Adam Smith. Porque ela prega a solidariedade como ética.
Desde o início da pandemia, a população em situação de rua luta para conseguir direitos básicos, como alimentação gratuita, banheiro e água. Existe uma decisão judicial que obriga a prefeitura a garantir tais direitos, mas a prefeitura, mês a mês, entra com recursos para não cumprir essa decisão. Como você analisa atuação da prefeitura, principalmente nesse ano de pandemia, e quais são as propostas que você entende como necessárias para essa população?
A política da atual gestão é higienista. O prefeito fez questão de lavar a Rua XV [no centro de Curitiba], foi o primeiro ato dele, porque ali estão o que ele chamava de "moradores de rua".
O PT foi o partido que criou uma política específica, colocando uma política nacional na qual as pessoas em situação de rua entram dentro de um sistema. A primeira proposta do Partido dos Trabalhadores é a criação da Secretaria do Desenvolvimento Social. Ao mesmo tempo, de forma interdisciplinar, trabalhar com os eixos de moradia, desenvolvimento urbano e direitos fundamentais.
A forma com que as pessoas em situação de rua são tratadas, além de desumana, faz parte de um projeto da necropolítica, uma aposta no falecimento das pessoas. Porque não ter água em situação de pandemia é necropolítca. E essa escolha é política, é uma decisão. Na economia política, não existe uso dos recursos escassos, existe as prioridades do gestor público, do administrador público, do prefeito. Fecharam os banheiros, acabaram com as pias comunitárias, acabaram com dormitórios, com políticas de inclusão, com políticas de acesso à renda, com espaços que as pessoas usavam para deixar seus pertences.
Um tema central também é o da moradia. Aqui em Curitiba tem moradores de áreas de ocupação que chegam a contabilizar 20, 30, até 40 anos sem ter a regularização fundiária. Ou seja, as ferramentas que poderiam garantir o acesso à moradia parecem estar defasadas. O que é possível fazer nesse sentido? Quais são as ferramentas para garantir a moradia?
Primeiro a gente vai precisar ocupar os espaços vazios. As experiências dos governos de Paris e Barcelona foram exatamente pegar todos os imóveis de propriedade dos bancos e ali fazer habitações populares. O centro da cidade tem prédios completamente desocupados, que precisam ser ocupados com uma política educacional séria e comprometida com o desenvolvimento social, que podia ser público. Podia ser uma administração pública de um condomínio habitacional onde as pessoas em situação de rua habitassem.
Ponto dois: é preciso criar a Secretaria de Habitação. A Cohab [Companhia de Habitação Popular de Curitiba] não deixa de ser uma imobiliária, uma empresa que intermedia compra e venda de imóvel, com valor menor, mas a lógica não é de Secretaria de Habitação, que atende política pública de desenvolvimento habitacional. E a criação de uma preocupação com moradia sendo direito fundamental. Precisa enfrentar o problema da urbanização dos espaços de ocupação, principalmente os mais antigos. Precisa enfrentar o problema da desburocratização do acesso ao título, a prefeitura precisa entregar de vez pra gente que de fato tem a propriedade daquele imóvel.
Porque nós não somos um partido de centro esquerda? Porque o PT vai além do institucional, entendendo que tem algo dentro da sociedade civil chamado movimento social, que conclama a necessidade mais pura, mais original e visceral do homem, que não aceita ficar com a vida entregue à vontade da política pública esperando a morte para poder ter seu direito. O papel de uma administração progressista petista é mediar esse interesse e ouvir os movimentos sociais.
Nesta semana, saiu o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Ali vemos que Curitiba teve aumento no número de violência doméstica (foi de 1.990 registros em 2018 para 2.384 em 2019) e de estupros (passou de 797 em 2018 para 904 em 2019). Qual seria uma política pública eficaz de combate à violência contra as mulheres?
Em primeiro lugar, a gente precisa lembrar que as políticas para as mulheres no governo [Rafael] Greca (DEM) foram quase aniquiladas. A Casa da Mulher Brasileira, embora funcione, não tem mais o destino orçamentário como tinha no passado. A Secretaria das Mulheres foi extinta, e o número de mulheres ocupando cargo nas secretarias diminuiu, as políticas de gênero diminuíram. O compromisso com a defesa das mulheres e dos direitos das mulheres diminuiu.
O PT tem uma chapa de candidatas a vereadoras ligadas aos movimentos com bastante força. O PT tem tradição nessa construção. Eu não falo em nome delas, porque o lugar de fala é delas. Eu apresento as pautas através de quem de fato apresenta essas candidaturas. As mulheres do PT construíram a defesa das mulheres e são elas que têm que protagonizar. O compromisso de uma candidatura do PT é dar completa autonomia e liberdade para que essas políticas se realizem. O PT é a história de transformação e emancipação do movimento de mulheres, e isso é preciso ser desenvolvido.
Fonte: BdF Paraná
Edição: Frédi Vasconcelos