O Brasil de Fato inicia aqui uma série de entrevistas com presidentes de partidos de esquerda em Pernambuco, falando sobre o cenário eleitoral local e as perspectivas para o partido e para o conjunto de forças progressistas. A primeira entrevista é com Severino Souto Alves, presidente estadual do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). O recifense é comerciante informal e tem sua trajetória ligada ao Sindicato dos Trabalhadores do Comércio Informal (Sintraci) e ao Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), com atuação na região metropolitana do Recife. Ele foi candidato a vereador em 2016, mas este ano cumpre as tarefas apenas como dirigente partidário.
Na entrevista, Severino aponta como tarefa prioritária frear o avanço do bolsonarismo, do conservadorismo e considera inevitável uma polarização. E apesar de elogiar a atuação nacional do PSB, partido que em Pernambuco detém o governo do estado e o maior número de prefeituras, o líder do PSOL classifica a atuação local do PSB como “oligárquica”. Souto Alves informa que seu partido está disputando 21 prefeituras, parte delas em alianças com PT, PCdoB, PDT e UP, mas que o projeto prioritário desta eleição é ampliar sua bancada de vereadores, que conta hoje com apenas um nome em todo o estado.
::Cientista político analisa disputa eleitoral para a prefeitura do Recife::
Brasil de Fato: Qual a importância das eleições municipais deste ano e qual a missão das organizações de esquerda, levando em consideração o bolsonarismo?
Severino Alves: No nosso balanço avaliamos que esta talvez seja uma das eleições mais importantes das últimas três décadas no país, em virtude do avanço do conservadorismo no Brasil. Esse avanço não se dá apenas eleitoralmente, mas na opinião pública e as pesquisas mostram isso. E nós do PSOL temos como centralidade política que esta eleição é um grande desafio para que possamos conter o avanço de Bolsonaro. Nosso arco de alianças no país tem sido o de tentar consolidar a unidade da esquerda para combater o bolsonarismo. Apesar de muitas candidaturas bolsonaristas não estarem tão fortes nas pesquisas, entendemos que a polarização é inevitável entre os apoiadores de Bolsonaro e os progressistas. Aqui em Pernambuco temos muito clara essa necessidade.
Aqui no estado temos outro dilema, que é o de reorganizar as forças de esquerda para um novo patamar de disputa. Apesar de nacionalmente o PSB ser um aliado nosso no combate ao bolsonarismo, localmente eles reproduzem muitas políticas oligárquicas. Nossa avaliação é a de que esse projeto de sucessão encabeçado pelo filho de Eduardo Campos representa politicamente uma ou duas décadas de engessamento, sem renovação política na conjuntura da esquerda localmente, que pode dificultar a oxigenação da disputa eleitoral. Além do desafio de combatermos o bolsonarismo, localmente precisamos combater a hegemonia do PSB e criar um espectro de mais diálogo político.
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Por mais que tenhamos visto campanhas e iniciativas conjuntas dos partidos de esquerda nos últimos anos, isso acabou não se refletindo no quadro de alianças eleitorais das maiores cidades. Qual a dificuldade para a unificação dos partidos de esquerda na hora da eleição?
Acho que existe um processo natural em que as realidades locais condicionam o arco de alianças. Às vezes a postura política de um partido nacionalmente não é a mesma localmente, o que ocasiona em cenários de alianças firmes nacionalmente, mas estar em campos opostos localmente. Inegavelmente, apesar de não haver ainda essa unidade sólida da esquerda brasileira, há sim movimentações políticas e do processo eleitoral que sinaliza para um processo de aglutinação eleitoral pelo menos em parte da esquerda. E há sim unidade política na necessidade de combater o bolsonarismo. Na esquerda brasileira há um grau de diversidade política e de compreensões táticas que torna natural que as divergências se reproduzam na tática eleitoral. Mas acho natural.
Você comentou que o PSB nacionalmente tem uma importância no enfrentamento ao bolsonarismo, mas que localmente o partido representa outra coisa para o PSOL. Como o PSOL tem se posicionado em relação ao PSB nacionalmente e qual a posição local, tanto na região metropolitana do Recife como no interior?
Temos um arco de alianças eleitorais que compreende o PSB. Estamos aliados a eles em muitas cidades no Brasil. Mas aqui em Pernambuco, apesar de reconhecer a importância do partido, ele carrega essa transição oligárquica, de querer conduzir o filho de Eduardo Campos à prefeitura mesmo ele ainda sendo um iniciante. Consideramos isso muito “velha política” e fica difícil construirmos uma unidade mais ampla do que essa que construímos com o PT. Em muitas cidades em que o PSB está na gestão, a compreensão de cidade é totalmente diferente da nossa. Não queremos cidades a serviço do capital especulativo e imobiliário. Mas temos a maturidade de não colocarmos eles como direita ou centro-direita.
Naturalmente as definições táticas da capital acabam reverberando para as demais cidades. Acaba que em Pernambuco não fizemos aliança com o PSB em nenhum município, para não haver dificuldade de compreensão por parte do eleitor. Temos feito muitas alianças com o Partido dos Trabalhadores (PT), com a Unidade Popular (UP) como em Petrolina e Jaboatão, apoiamos a candidatura do PCdoB no Cabo de Santo Agostinho, assim como alianças com o PDT em Olinda e Paulista. É importante ter generosidade política na construção das alianças, mas que tenhamos proximidade programática na esquerda e que estejamos juntos para combater o bolsonarismo. Importante destacar que no PSOL não existe isso de a direção nacional intervir nas alianças locais. As decisões municipais são respeitadas.
O PSOL não possui prefeituras ou vices em Pernambuco. Em quantos municípios o partido está em disputas majoritárias?
Temos hoje 224 candidaturas, seja a prefeito, vice ou vereança. Dessas, 190 são candidaturas a vereança no estado todo, sendo 19 – ou 10% do total – são candidaturas coletivas, das quais cinco estão na região metropolitana. Temos cinco vice-prefeitos em chapas encabeçadas por outros partidos e 16 candidaturas a prefeito. Então estamos disputando 21 prefeituras. Destaco a candidatura da companheira Kátia Cunha (PSOL), co-deputada das Juntas, à prefeitura de Goiana, um dos centros econômicos do estado. Temos a convicção do tamanho do partido aqui no estado e em muitos municípios acreditamos que temos chance de chegar à prefeitura através de alianças. O Recife é um exemplo disso. Acreditamos muito na candidatura da companheira Marília Arraes (PT), que tem como vice um companheiro nosso, João Arnaldo (PSOL).
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Mas nossa tática eleitoral este ano tem centralidade nas nossas chapas proporcionais, nas disputas pelas câmaras municipais. Acho que podemos dar um salto eleitoral no número de vereadores no estado. Atualmente temos apenas um vereador, que é Ivan Moraes (PSOL), no Recife. A expectativa é que façamos de 7 a 9 vereadores no estado, dos quais 2 ou 3 sejam aqui no Recife. Acreditamos que vamos eleger uma em Olinda, um no Cabo, duas ou três em Petrolina, uma em Ouricuri, talvez um em Caruaru. Em vários outros municípios temos candidaturas que, mesmo com pouca viabilidade eleitoral, estão se lançando com muita ousadia e cumprindo a tarefa militante de enfrentamento às realidades locais e ao bolsonarismo. Para nós a eleição não é só uma disputa por espaço institucional, mas um momento de conquistar mentes e corações.
Qual o principal desafio do PSOL aqui em Pernambuco para o próximo ciclo? E o que você enxerga como principal desafio das esquerdas no estado para esse ciclo?
Nosso balanço político enquanto partido aponta o desafio de nos territorializar e institucionalizar o partido. Nos últimos anos tivemos um salto organizativo expressivo. Temos uma densidade de representações sociais que mostram que o partido está se enraizando. Então temos o desafio de existir em cada cidade desse estado e ter capacidade de ter entre seus quadros de filiados uma militância que represente a realidade do estado, que tenhamos agricultores, trabalhadores urbanos, trabalhadores da indústria, trabalhadores informais, toda a diversidade da sociedade.
Sobre a esquerda, temos muita esperança e confiança de que a candidatura de Marília Arraes tem uma importância tática forte para a reorganização da esquerda no estado. O PSB localmente tem construído práticas da velha política que não ajudam na oxigenação da política, nem na transição geracional que a política precisa e muito menos na organização de um novo ambiente de lutas sociais e políticas no estado. Temos muita convicção nesse processo de unidade nacional e de reorganização da esquerda, mas estamos convictos também que as diferenças locais precisam ser demarcadas politicamente. Nacionalmente estaremos juntos com o PSB, com o PCdoB e quem mais estiver na oposição ao bolsonarismo, mas vamos demarcar o que acreditamos que tem que ser a esquerda brasileira e as pautas da classe trabalhadora.
Fonte: BdF Pernambuco
Edição: Vanessa Gonzaga