O jornalista Vladimir Herzog, Vlado, como era conhecido, foi assassinado pela ditadura militar no Brasil (1964 a 1985) no dia 25 de outubro de 1975. No domingo, fez 45 anos. O crime aconteceu após ele ter se apresentado, de forma voluntária, a depor no Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI).
Para marcar a data, o Instituto Vladimir Herzog se prontificou a dar uma entrevista para falar um pouco da vida deste grandioso profissional da mídia. Com prestígio em nível global, o jornalista havia trabalhado em vários veículos de mídia nacionais, como o Estado de São Paulo, e internacionais, como a BBC de Londres.
“Vladimir Herzog segue vivo e presente em todas as ações do Instituto, que foi criado para manter viva sua memória e para honrar o legado e os valores que ele defendeu em vida”, comenta Rogério Sottili, diretor executivo do Instituto. Segundo ele, falar do Vlado é falar também sobre o Brasil do presente, pois, ao retomar a violência cometida no passado, as brutalidades do tempo atual também ficam mais fáceis de serem identificadas. “Ainda convivemos com a violência do Estado, com as violações de direitos humanos, com ataques contra a nossa democracia, com a perseguição aos movimentos sociais, à cultura, aos jornalistas, a toda forma de liberdade de expressão”, complementa Sottili.
O diretor comenta que é justamente pelo fato dos cidadãos brasileiros não terem conseguido lidar com o passado autoritário que violências parecidas são praticadas hoje, por um governo fascista. “Nosso compromisso ao trazer à tona a lembrança da morte de Vlado é o de lembrar o passado para não repeti-lo”.
Segundo o Instituto, criado em 2009 pela família, amigos de Vlado e ex-colegas do jornalista, “em 1978, em consequência de processo aberto pela família Herzog, o Estado brasileiro foi condenado por sentença judicial como responsável pela prisão, tortura e morte do jornalista.” O principal objetivo da criação do Instituto foi de lutar por valores que defendam a “democracia, os direitos humanos e a liberdade de expressão”, explica o diretor.
O ano de 1975
No ano de sua morte, Vladimir Herzog ocupava um cargo de grande relevância na TV Cultura. Sotilli pontua: “Vlado trabalhou em grandes veículos da imprensa, como o jornal O Estado de São Paulo, a BBC de Londres e a Revista Visão”. Na época, houve muita comoção social, principalmente entre os profissionais da área, que buscavam desmentir a farsa da ideia de suicídio criada pelos militares.
Sotilli enfatiza: “Quero destacar especialmente a atuação corajosa do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, com a participação de Audálio Dantas, Juca Kfouri, Fernando Pacheco Jordão, que lutaram muito para que a versão do suicídio forjada pelos militares não prevalecesse”.
Contudo, para o diretor do Instituto, a principal responsável por desmentir a versão do atentado contra a própria vida foi Clarice Herzog, que há mais de quatro décadas luta por “justiça e pela responsabilização do Estado brasileiro pela tortura e assassinato de seu marido”.
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“Início do fim da ditadura”
No dia 31 de outubro de 1975, seis dias após o ocorrido, um ato ecumênico foi realizado na Catedral da Sé, no centro de São Paulo. Sotilli pontua: “Em plena ditadura militar, milhares de cidadãos se reuniram, entre 8 e 10 mil pessoas, para prestar suas homenagens ao Vlado e protestar pacificamente contra o regime. Foi o primeiro ato público dessa envergadura, com esse tamanho, a confrontar a ditadura militar. ” [...] por isso, nós costumamos dizer que esse ato inaugurou o início do fim da ditadura”.
A visão de outro jornalista
O jornalista e professor Cid de Queiroz Benjamin não conheceu Vlado, porém sabe que todos os que conviveram com ele tem muito respeito e dão muito valor ao profissional que Vladimir Herzog foi. “Com seu assassinato ele se tornou um símbolo da resistência contra a ditadura”, afirma.
Benjamin comenta que tem orgulho de ter integrado uma geração que lutou de verdade por mudanças sociais. Ele, que fez parte do Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR8), fala que a generosidade e desprendimento entraram para a história.
O jornalista conclui: “A ditadura cometeu crimes contra o povo. Os jornalistas foram vítimas não só da censura e da repressão a seu trabalho profissional, mas muitos deles conheceram também a prisão, a tortura e a morte”.
Relação História x Jornalismo
O historiador Leonardo Botega considera que tanto o jornalismo quanto a história pertencem a um campo importante do conhecimento humano: “as humanidades”. Indagado sobre a relação entre os dois campos de conhecimento, Botega afirmou que o jornalismo pode se tornar “limitado pelas forças do jogo do poder, político e econômico, sobretudo, pelas suas relações comerciais”. Já o outro campo, sob o olhar do historiador, não tem o direito da “ocultação das fontes”, mas se torna menos sujeita ao caráter comercial, de publicidade. “Me parece que as pressões do mercado e da aceleração do tempo informacional têm sido muito mais perversa com o jornalismo do que com a história”, avalia.
Para Botega, Herzog representa um caráter fortificador no processo de oposição à ditadura civil-militar. “O assassinato de Vlado ocorre em um momento em que a população começava a dar sinais de que a ditadura não era tão popular como as propagandas oficiais tentavam demonstrar”.
Segundo ele, que nasceu dois anos após a morte de Herzog, não vivenciou o período, em suas palavras, “mais duro” da ditadura. Porém, sua família tinha uma considerável participação política, com pais que participaram, inclusive, do enterro do ex-presidente João Goulart em 1976, “onde os gritos de Anistia marcaram fortemente os Ritos Fúnebres”.
Botega também comenta que tinha seis anos quando houve os movimentos pelas Diretas Já e que se recorda da grande mobilização e alegria das pessoas na eleição, mesmo que indireta, de Tancredo Neves, assim como da comoção popular que marcou o enterro do mesmo. E conclui: “minha memória de “não-historiador” é do tempo da Redemocratização, tempos de muita esperança, onde defender a ditadura era defender uma aberração. Basta ver o desempenho medíocre que os candidatos ligados ao governo ditatorial tiveram em 1989”.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Marcelo Ferreira