O Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infanti (FNPETI) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) lançaram a Campanha Vote pela Infância neste mês de outubro. O objetivo da mobilização é conscientizar a população para a escolha de candidatos à prefeitura e vereança que sejam comprometidos com os direitos das crianças e adolescentes.
A iniciativa, realizada também pelos Fóruns de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil Estaduais, acontece de forma virtual e conta com o apoio de dezenas de organizações parceiras. Entre elas a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a Plataforma Cada Criança, a Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais e Agricultores Familiares (Contag), o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), entre outras.
Em entrevista ao programa Bem Viver, da rádio Brasil de Fato, Isa Oliveira, secretária executiva do FNPETI, explica que a campanha “é um chamamento para que a sociedade analise a plataforma política dos candidatos e candidatas à prefeitura, à câmara de vereadores e escolham aqueles que em sua história não tenham nenhuma proposta que viole o direito de crianças e adolescentes”.
Além dos gestores públicos municipais, vereadores e prefeitos serem os responsáveis pela implementação de políticas públicas que possam assegurar em nível local a proteção social das crianças e suas famílias, também são responsáveis pela disponibilização de orçamento para a implementação das mesmas.
Segundo Oliveira, a proteção das crianças e dos adolescentes não é prioridade do governo federal, que tem executado cortes orçamentários na área. Para ela, mesmo as conquistas alcançadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estão ameaçadas.
Com a pandemia, milhares de crianças brasileiras estão em uma situação socieconômica ainda mais vulnerável.
“O que estamos assistindo, e isso é visível, é ao aumento do trabalho infantil nas ruas. Na venda de produtos, coleta de material reciclável, trabalho infantil doméstico. Isso é uma evidência de que as políticas públicas não estão cumprindo seu papel”, critica a representante do Fórum.
Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato - O que significa Votar pela Infância e qual a importância dessa iniciativa?
Isa Oliveira - É um chamamento do Fórum Nacional para que a sociedade analise a plataforma política dos candidatos e candidatas à prefeitura, à câmara de vereadores e escolha aqueles que em sua história política, na sua plataforma, não tenham nenhuma proposta que viole os direitos de crianças e adolescentes. Pelo contrário, que tenham projetos que assegurem que o município promova um desenvolvimento econômico com justiça social, com prioridade à criança e ao adolescente.
Nenhum mandato popular dá ao eleito o direito de desrespeitar a Constituição, como por exemplo fazer apologia ao trabalho infantil
Qual o cenário atual quando se trata das políticas públicas para crianças e adolescentes no país?
No âmbito federal, a criança e o adolescente e o enfrentamento a todas as violências que vitimam meninos e meninas não são prioridade. Por isso nossa expectativa é de que está na hora de mudar a história e comprometer por meio do voto, do voto consciente, do voto cidadão, prefeitos, prefeitas, vereadores e vereadoras, com a definição e implementação de políticas que de fato garantam os direitos de crianças e adolescentes.
:: Estatuto da Criança e do Adolescente faz 30 anos sob ataque e sem completa efetivação ::
Quais são os exemplos dessa não prioridade, do descaso, nas propostas atuais de candidatos?
Infelizmente a manifestação de descaso, de não prioridade, de não cumprimento do que está disposto na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) são de autoridades com mandato eletivo.
É importantíssimo que reiteremos que nenhum mandato popular dá ao eleito, seja o cargo que ocupe, o direito de desrespeitar a Constituição. Como por exemplo, fazendo apologia ao trabalho infantil.
Em julho, o ECA completou 30 anos. Esse ordenamento, que é uma referência social, tem sido respeitado?
Celebrar 30 anos do ECA é extremamente importante, assim como destacar os avanços com sua implementação. Como o maior acesso à escola na faixa etária de 6 a 14 anos, que atingiu 98,7%.
No Brasil as políticas de proteção social e de educação sofreram cortes expressivos de recursos
Houve uma redução nas últimas duas décadas do trabalho infantil e da mortalidade, para apontar três indicadores positivos.
Contudo, é preciso manter a vigilância. Essas conquistas não estão consolidadas, estão ameaçadas nesse momento no Brasil em que as políticas de proteção social e a política de educação sofreram cortes expressivos de recursos.
Em meio à pandemia do coronavírus, quais as principais consequências para as crianças? Em junho, ao lado do MPT, outra campanha do Fórum alertou para o risco de aumento do trabalho infantil.
Estamos assistindo ao aumento do trabalho de crianças nas ruas
O que estamos assistindo, e isso é visível, é realmente ao aumento do trabalho infantil nas ruas. Na venda de produtos, coleta de material reciclável, trabalho infantil doméstico. Isso é uma evidência de que as políticas públicas não estão cumprindo seu papel.
:: Crescimento da exploração do trabalho infantil é risco iminente durante pandemia ::
Nesse momento é importante reafirmarmos que a pandemia agravou uma crise econômica, social e política. Agregou a dimensão sanitária mas essa crise já estava em curso. É urgente a mobilização da sociedade e sobretudo essa mobilização junto aos municípios para que os estados e as cidades assumam a resposabilidade e obrigação constitucional de promover políticas públicas que garantam o direito à vida, à segurança alimentar, à educação e à saúde das crianças e adolescentes.
Você citou que a educação e as dificuldades do ensino remoto estão no centro das discussões. Há real risco de evasão escolar?
Sem dúvida. Uma outra questão que se tornou muito visível é a disparidade, a desigualdade, não só entre a escola privada e pública. Mas dentro da própria escola pública. O que aconteceu nesse momento de afastamento em que atividades escolares online foram oferecidas às crianças de escolas públicas de regiões com equipamentos mais estruturados, de maior poder aquisitivo, tiveram acesso a essas atividades.
Por conta da pandemia a evasão escolar e o abandono do estudo irão se agravar, trazendo prejuízos para crianças e adolescentes
Mas as crianças que vivem nas áreas periféricas, de famílias em situação de pobreza, tiveram o seu direito à escola, mesmo por meio das atividades online, negado. Foi uma restrição de um direito.
Isso vai trazer, no retorno das aulas, um desafio muito grande. Não só para colher e mitigar essa disparidade, mas também o que pesquisas têm revelado. Muitos adolescentes já afirmaram que não vão voltar. A evasão escolar e o abandono do estudo irão se agravar, trazendo prejuízos muito grandes para crianças e adolescentes.
Eles estão na idade em que a educação e escolarização são um direito. E é obrigação constitucional do poder público garantir a todos e a todas uma escola pública de qualidade, inclusiva e laica.
Como está a adesão à campanha, como ela tem repercutido e como os leitores podem ajudar na divulgação?
A Campanha tem sido muito intensa nas redes sociais por ser uma campanha virtual e temos retorno por meio de vídeos de muitas entidades parceiras.
Em relação à participação do eleitor e da eleitora, seria um ganho muito grande a divulgação da campanha e conversar com as pessoas próximas no sentido de dizer: "Olha, aqui tem um alerta importante, um chamamento. Vamos aderir a esse chamamento e fazer uma escolha que pode mudar a história desse país".
Falar da infância e protegê-la também é uma forma de pensar no futuro do Brasil, no que queremos construir enquanto sociedade?
Não só o futuro mas é também cuidar do presente. O presente agora exige um cuidado, uma atenção especial, que deve se traduzir no investimento de políticas públicas, em proteção social para crianças e suas famílias. É um momento que tem um impacto muito grande no futuro, na construção de um país mais justo, solidário. Um país que tenha em sua pauta política a criança e o adolescente como prioridades e como um investimento nacional.
Edição: Rogério Jordão