O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) autorizou estudos para a privatização das Unidades Básicas de Saúde (UBS), atendimento também conhecido como atenção primária, postos de saúde ou saúde da família. O decreto foi publicado na última terça-feira (27) e está sendo criticado por parlamentares do Congresso Nacional e por especialistas na área da saúde.
"Enquanto o ministro da Economia, Paulo Guedes, do alto do seu gabinete edita decreto para investidores, o SUS pega fogo. Sequer tiveram a educação de colocar o general [Eduardo Pazuello, ministro da Saúde] para assinar. Guedes tem o poder de cancelar uma área importante no meio de uma pandemia, com um decreto no mesmo dia em que o Hospital de Bonsucesso pegava fogo", lembra a pesquisadora da saúde pública e professora do curso de medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Lígia Bahia.
Apesar de o decreto não atingir diretamente os hospitais federais, o Hospital de Bonsucesso, no Rio de Janeiro, que pegou fogo na terça-feira (27) e deixou três pacientes mortos após tentativa de transferência da unidade, teve redução de 11% da verba na gestão de Bolsonaro (sem partido). O hospital é um dos principais da zona Norte da capital fluminense para o tratamento da covid-19.
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"A precarização e a entrega dos serviços de saúde pública atinge todos os níveis do setor. Esses próprios hospitais, como o de Bonsucesso, podem ser cedidos às OS [organizações sociais geridas por empresas privadas]. E o movimento é de precarizar ainda mais para depois dizer que o setor público administra mal os hospitais", apontou o presidente do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro (SindMed-RJ), Alexandre Telles.
Vacina
Em entrevista ao Brasil de Fato, Alexandre Telles lembra ainda que uma eventual vacina contra a covid-19 seria disponibilizada nessas unidades que são alvo do decreto. Segundo ele, a lógica do lucro que passaria a vigorar nas unidades tira delas competências que não são de interesse do setor privado.
"As unidades são a porta de entrada da saúde pública. É um serviço territorial, com equipe, que resolve até 85% dos problemas de quem chega. Se a pessoa tem diabetes, hipertensão, faz tratamento para HIV, tudo passa por ali. Atendimento não é só dar remédio. E a privatização não vai priorizar diagnóstico precoce de doenças, que é o que as unidades fazem", afirma Telles.
Telemedicina
Para Lígia Bahia, o decreto foi calculado para atingir um segmento já bastante precarizado e que, com a mudança, tende a piorar. Ela alerta para o fato de tais decisões não passam pelo Ministério da Saúde, o governo federal tenta emplacar a telemedicina nas unidades para extinguir os profissionais nos postos.
"Minha hipótese é que esse decreto seja uma embalagem para implementar a telemedicina. Entram empresas que usarão essas unidades e o impacto é terrível porque essas unidades são conectadas com a população, com os territórios, os profissionais conhecem as pessoas. Não é uma posição contra a telemedicina, mas nada pode ser feito sem debate, sem regulamentação", argumenta Lígia.
A pesquisadora lembra que o enfraquecimento das unidades é reforçado pelas tentativas de fazer com quem vacinas passem a ser aplicadas em farmácias. O presidente do sindicato dos médicos do Rio fala que a privatização das UBSs tem como efeito até mesmo a extinção de procedimentos preventivos e importantes, como a inserção do DIU (dispositivo intrauterino).
"A telemedicina tem um contexto complementar à atenção primária e serve para o paciente tirar uma dúvida com o médico. Mas o que a gente vê muitas vezes é a atuação substitutiva: colocam um médico remotamente, sem nenhum vínculo com aquele território que ele deveria atender. A lógica de privatizar a unidade passa a ser a do lucro, e não a do serviço de qualidade", pontua Alexandre.
Fonte: BdF Rio de Janeiro
Edição: Mariana Pitasse