Uma revolução da longevidade exige uma revolução dos cuidados
Em “A Solidão dos Moribundos”, o sociólogo Norbert Elias (1897-1990) escreveu, em 1987, sobre como os indivíduos das sociedades mais desenvolvidas não sabem lidar com os mais velhos, por estes representarem aquilo que há de mais biológico no ser humano: a proximidade com a morte. Mesmo que este seja um fato esquecido na maior parte do tempo, antes de sermos seres políticos e sociais, envelhecemos e morremos. Ao renegar isso, a sociedade empurra cada vez mais os idosos para um lugar distante do convívio social, negando-lhes os cuidados necessários e um envelhecimento digno.
Para Marília Louvison, professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e conselheira do Centro Internacional de Longevidade Brasil (ILC-BR), no caso do Brasil, marcado por desigualdades sociais, o que se vê é um acesso escasso às políticas públicas de saúde e de longevidade, o que empurra a população idosa para um espaço de ausência de cuidados.
É preciso olhar para o envelhecimento ativo nas suas dimensões da saúde, assistência, participação e educação
No caminho contrário, Louvison afirma, em conversa com o Brasil de Fato, que concretamente são necessárias políticas públicas de proteção social que não apenas promovam o cuidado físico, mas também um cuidado afetuoso “que nos ajudem e nos amparem a viver, crescer, caminhar pela vida e ter dignidade no leito de nossa morte”.
“É preciso olhar para o envelhecimento ativo nas suas dimensões da saúde, assistência, participação e educação ao longo da vida como eixos de uma política”, afirma Louvison.
Segundo ela, atingir esse envelhecimento ativo passa por se aproximar das necessidades das pessoas que envelhecem nas cidades, na tentativa de contrariar a realidade constatada por pensadores como Norbert Elias: “Uma revolução da longevidade exige uma revolução dos cuidados”.
Nesse sentido, Louvison aponta o Sistema Único de Saúde (SUS) como uma ferramenta fundamental para o envelhecimento ativo. “É uma política (o SUS) inclusiva, cuidadora, universal e equânime, ou seja, uma política pública que contribui com a redução das desigualdades, com a ampliação do conceito de saúde. São questões fundamentais para um envelhecimento ativo e saudável”.
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No entanto, não basta ter o SUS e não ter investimento. “Os fundos públicos precisam ser ampliados para as políticas de proteção social. Nós temos nesse momento uma emenda constitucional que congela gastos sociais, ou seja, direciona as políticas públicas contrariamente à possibilidade de elas ampliarem suas práticas equânimes, suas possibilidades de apoiar e cuidar na medida da necessidade para todos”, lamenta Louvison.
(temos que) controlar condições crônicas para que elas não compliquem, para que vivamos melhor, sem incapacidade
Outro desafio apontado pela professora é a construção e a manutenção de redes de cuidado, a fim de fortalecer a Atenção Primária à Saúde (APS), o primeiro nível de atenção em saúde, com valores em proteção e prevenção, que chegue nas famílias e nos territórios. Paralelamente, Louvison defende a consolidação de serviços especializados que ajudem a identificar os riscos e a tratar precocemente as questões relacionadas ao envelhecimento. Isso significa “controlar condições crônicas para que elas não compliquem, para que vivamos melhor, com estas doenças controladas, sem incapacidade”, conclui.
Edição: Rogério Jordão