Dados do IBGE e do Banco Mundial mostram que a pobreza e a fome vêm crescendo no Brasil. Com isso, mais e mais famílias vêm demandando atendimento e apoio da assistência social, inclusive na capital paulista.
Alheios a isso, os governos do ex-prefeito e atual governador, João Doria, e seu vice, sucessor e candidato à reeleição, Bruno Covas, ambos do PSDB, fecharam serviços, diminuíram o atendimento e reduziram o orçamento da área, entre 2017 e 2019.
“O balanço geral da gestão Doria e Covas é catastrófico”, avalia Alan Carvalho, coordenador adjunto do Fórum de Assistência Social da Cidade de São Paulo e coordenador do Fórum Estadual de Trabalhadores do Sistema Único de Assistência Social (Suas).
“Os ataques foram os mais diversos, os mais frequentes e em todas as áreas. Desde cortes sucessivos no orçamento, o contingenciamento de verbas subsequente, desorganização do Suas com portarias e decretos que não respeitavam integralmente o marco legal da assistência social", explica Carvalho.
Levantamento feito pela Frente Municipal em Defesa do Suas, mostra que o governo Doria e Covas eliminou 60 serviços de atenção básica – locais que foram fechados ou deixaram de atender determinados grupos sociais, como adolescentes ou idosos. Com isso, 15.850 vagas de atendimento foram fechadas na atenção básica da assistência social. Esses serviços prestam apoio às famílias em situação de vulnerabilidade social, para acesso e garantia de direitos.
"Onde eles não conseguiram fechar, o número de vagas foi diminuído em várias modalidades de atendimento. Isso tudo configura o maior ataque de todos os tempos contra a política de assistência social e a desconfiguração do seu sistema único”, avalia Carvalho.
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Um dos serviços mais afetados na atenção básica foram os Centros da Criança do Adolescente (CCA), que atendem a população em situação de vulnerabilidade social dos 6 aos 14 anos, em horário complementar ao da escola e prestando apoio às famílias. A rede tinha 494 serviços e 73.490 vagas, em janeiro de 2017. Em junho deste ano, eram 467 serviços e 68.580 vagas. Quase 5 mil crianças e adolescentes foram excluídos do atendimento pelo governo Doria e Covas.
Aumento insuficiente
Também houve redução de 17 serviços e 1.626 vagas de atendimentos de média complexidade, prestados pelos Centros de Referência Especializada em Assistência Social (Creas).
Estas unidades agem em casos de trabalho infantil, abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes, pessoas em situação de rua, entre outros. Mesmo os serviços de organizações parceiras da prefeitura sofreram com os cortes de verbas e outras ações do governo Doria e Covas. Em quase quatro anos, 51 serviços conveniados foram fechados. Com isso, 12.747 vagas de atendimento acabaram extintas.
A única área que teve aumento nos atendimentos foi a de alta complexidade, com a criação de 26 novos serviços e 4.729 vagas.
“Este resultado deriva do aumento de somente uma modalidade de serviço, a dos centros de acolhida para população em situação de rua. Elevação, entretanto, menor que o aumento desta população em período semelhante, conforme o último Censo da População de Rua, na cidade de São Paulo”, destacou a Frente Municipal em Defesa do Suas.
População em situação de rua
A população em situação de rua da capital paulista cresceu 60% entre 2015 e 2019. Enquanto isso, o governo Doria e Covas aumentou em apenas 30% as vagas de atendimento a essa população: de 15.756, em janeiro de 2017, para 20.485, em junho deste ano.
Apesar disso, são constantes as reclamações de falta de condições de higiene nos centros de acolhida, tomados por mosquitos, pulgas e percevejos, espaços lotados sem divisórias, falta de equipamentos para lavagem de roupas e higiene geral, além de regras de convivência que dificultam a adesão dos atendidos.
A relação do governo Doria e Covas com a população de rua também ficou marcada pelo uso de jatos de água gelada contra pessoas ainda dormindo em espaços públicos, no início de algumas manhãs, em pleno inverno paulistano. Os tucanos também tentaram encobrir locais onde elas se abrigam com telas e tapumes. E sempre mantiveram a política de retirar os pertences das pessoas – o chamado rapa.
Corte no orçamento
Toda essa redução do atendimento reflete a redução do orçamento da assistência social na cidade, apesar de todas as estatísticas demonstrarem que a área necessita de mais investimento.
Enquanto no último ano da gestão de Fernando Haddad (PT), o orçamento da assistência social foi de R$ 1,357 bilhões, nos anos seguintes de governo de Doria e Covas foram sendo retirados milhões desta pasta. Assim, chegou-se a 2020 com R$ 1,293 bilhões, uma redução de R$ 63,5 milhões.
Além disso, mesmo quando houve aumento do valor aplicado em determinadas áreas, esse aumento foi inferior ao da inflação do período, resultando em uma redução de verbas na prática.
As organizações parceiras da prefeitura na assistência social tiveram aumento de 6,7% no repasse de verbas, entre janeiro de 2017, início do governo Doria e Covas, e junho de 2020. Mas, no mesmo período, a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou em 11,51%.
O governo Doria e Covas sempre justificou os congelamentos e cortes de verbas da assistência social por problemas financeiros no caixa da prefeitura. No entanto, desde que assumiu, o governo tucano jamais teve os problemas que alega.
A gestão Haddad deixou R$ 5,3 bilhões em caixa, no final de 2016. E a arrecadação de impostos ficou acima da expectativa da prefeitura em todos os anos: 102,25% em 2017; 100,63% em 2018 e chegou a 103,04% em 2019, batendo o recorde de arrecadação.
Agora em 2020, a arrecadação realizada até setembro indica que novamente será superada a expectativa do orçamento.
Além da redução de verbas, Carvalho destacou que o governo Doria e Covas mostrou um desrespeito absoluto com as deliberações da Conferência Municipal de Assistência Social, especialmente o plano decenal para o setor.
“Houve um abandono do plano decenal, construído de forma participativa, com discussão nos territórios, propondo as avalições e medidas necessárias para o aprimoramento do Suas e da qualidade no atendimento dos serviços de assistência social para dez anos. É uma importante ferramenta de gestão, construída de forma participativa, que foi completamente abandonada, desprezada e ignorada”, afirmou.
Demagogia na “Cracolândia”
Após uma violenta operação policial, em 21 de maio de 2017, o governo Doria e Covas anunciou o fim da chamada “cracolândia”, na região da Luz. Dois dias depois, um prédio começou a ser derrubado, com moradores ainda dentro do local.
As pessoas acabaram espalhadas por vários pontos da região central, sem atendimento assistencial ou para a dependência química e sendo constantemente alvos de operações policiais e das equipes de zeladoria da prefeitura. Mas o que acabou mesmo, foi o programa De Braços Abertos, medida de redução de danos, tratamento e restabelecimento social criado na gestão Haddad.
“O programa oferecia atendimento humanizado, intersetorial, tinha envolvimento da Secretaria de Saúde, possibilidade de emprego nas frentes de trabalho, uma das molas propulsoras da emancipação e da autonomia, com a possibilidade de trabalhar a questão da habitação e da assistência social, com a perspectiva de ampliação das vagas de repúblicas e tudo mais", lembra Carvalho.
Meses depois, o chamado “fluxo” se restabeleceu na luz e ações repressivas da Polícia Militar e da Guarda Civil Metropolitana (GCM) se tornaram mais frequentes.
O último espaço de atendimento no local, o Atende 2, remanescente do De Braços Abertos, foi fechado por Covas em abril deste ano. Desde então, nenhum atendimento de assistência social é oferecido no local, apenas as abordagens das equipes que encaminham pessoas para centros de acolhida.
"No lugar de tudo isso ficou só a opressão e toda aquela falácia de extinção. Não passou de mais uma bravata ineficaz, numa ação cruel e higienista, para atender interesses imobiliários especulativos, que estão de olho na região”, avalia Carvalho.