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Quinze dias e uma incógnita

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Obcecado pela reeleição, Bolsonaro não pode deixar que as eleições municipais, mesmo com o peso local, se tornem um plebiscito antecipado - Alan Santos / Fotos Públicas
Nem Bolsonaro nem o bolsonarismo estão representados por um único partido

Sem a máquina de fake news e nenhum fato impactante, Bolsonaro é um cabo eleitoral entre o medíocre e o pífio. E graças a Paulo Guedes, seu governo não tem nenhuma realização para ostentar na vitrine. Mas, é nas mãos destes dois que estamos enquanto uma tormenta ainda pior se aproxima na economia.

1. Eleição sem facada. Em ritmo de campanha eleitoral, esta semana Bolsonaro voltou a fazer seu discurso negacionista no cercadinho, dizendo para a população não votar em prefeitos que defenderam o isolamento social. Os alvos preferidos do presidente têm sido o governador João Dória (PSDB), de São Paulo, e Flávio Dino (PCdoB), do Maranhão. Apesar do freio de moderação exigido pelo Centrão, Bolsonaro se sente mesmo à vontade é na sua versão tiozão-terraplanista-hostil. Mas, a pergunta é, qual o tom, moderado ou agressivo, que favorece os candidatos bolsonaristas?

Obcecado pela reeleição, Bolsonaro não pode deixar que as eleições municipais, mesmo com o peso local, se tornem um plebiscito antecipado. Ao mesmo tempo, precisa ter base orgânica nos municípios se quiser que a máquina funcione a seu favor em 2022. Nesta equação, um primeiro fator é que nem Bolsonaro nem o bolsonarismo estão representados por um único partido.

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Depois da saída do PSL em meio a uma guerra interna e do naufrágio da Aliança pelo Brasil, Bolsonaro ficou sem sigla. Seus filhos foram para o Republicanos. Dos quatro candidatos a prefeito abertamente apoiados pelo presidente, dois são do republicanos, um do PRTB e um do PROS. Porém nenhum deles lidera as pesquisas.

O insucesso levou inclusive um dos apoiados, Celso Russomanno (Republicanos), a retirar o nome de Bolsonaro dos materiais de campanha. Russomano voltou atrás e resolveu dobrar a aposta, contando com a rede bolsonarista nas redes sociais e a participação do próprio nos vídeos de campanha. O fracasso de Bolsonaro como cabo eleitoral, por outro lado, não estaria diminuindo a expansão de candidaturas de direita, consolidando uma opinião conservadora, mesmo que dividida em diversas legendas e disputando as mesmas capitais.

Para José Roberto de Toledo, aliados bolsonaristas podem se eleger, mas não será graças a ele. Isso por conta da natureza desagregadora, sem transferir prestígio para outros, tampouco é capaz de uni-los em um partido. Considerando a parcimônia na distribuição de apoio, a estratégia de Bolsonaro talvez seja deixar o campo aberto para alianças futuras.

Além disso, depois da experiência negativa nas relações com o PSL é possível que ele esteja apostando menos em partidos e mais no fortalecimento de candidaturas vinculadas aos evangélicos e aos militares a fim de consolidar um campo ideológico conservador que possa lhe servir de base de apoio. Aliás, os evangélicos já provaram que são mais fiéis ao presidente do que a própria base aliada.

Mas ainda é cedo para certezas, e vale ressaltar que a campanha eleitoral este ano está mais lenta e “ainda não ferveu”, como avalia o marqueteiro Paulo Vasconcelos.

2. O Chile não é aqui. Enquanto o Chile enterra a Constituição de Pinochet, por aqui, outro legado da ditadura chilena continua dando as cartas na economia. Formado na Escola de Chicago e idolatrando a experiência econômica pinochetista, Paulo Guedes sempre sonhou em repetir aqui o modelo de Estado sem responsabilidades chileno. O foco mais recente foi a saúde.

Não bastassem as florestas, esta semana ocorreu o incêndio do Hospital Federal de Bonsucesso, no Rio de Janeiro, vitimando três pessoas que estavam internadas. A diretora da instituição já vinha alertando desde agosto sobre a existência de um problema no transformador do prédio que poderia ter “consequências catastróficas”. O hospital teve redução de 11% da verba na gestão de Bolsonaro.

Mas o descaso vai além de negligências pontuais. Consequência do discurso negacionista do Planalto, o Brasil testou um pouco mais de 10% da população, enquanto Estados Unidos testou 43% e os países da Europa, em torno de 40%. Nós ficamos atrás inclusive de alguns países vizinhos, como Chile e Equador, cujas testagens foram superiores a 20% da população.

Já a fórmula mágica favorita do governo, a cloroquina, teve compra superfaturada em 167% pelo Exército, sob investigação do TCU por favorecimento de uma empresa no processo.

Do outro lado, o presidente da República segue insistindo que tomará a vacina quem quiser. O caminho alternativo seria instituir a obrigatoriedade da vacinação mediante a criação de sanções para aqueles que se recusarem a realizá-la, algo similar ao que acontece com o voto obrigatório no Brasil. Um projeto de lei deste tipo já chegou à câmara dos deputados mas não tem previsão de ser analisado.

E que época melhor para privatizar a saúde do que durante uma pandemia, não é mesmo? Guedes quase emplacou o decreto 10.530 que pretendia dar início a um processo de privatização das unidades básicas de saúde. A tarefa ficaria a cargo do ministério da economia, não da saúde. Depois de oposição contundente da sociedade, incluindo o próprio Conselho Nacional de Saúde, o decreto foi cancelado pelo governo

3. O colecionador de derrotas. A derrota da privatização do SUS é mais uma medalha na coleção de fracassos de Paulo Guedes, anteriormente conhecido como Superministro e posto ipiranga, onde tudo se resolve. Insistindo no tabu do teto de gastos, Guedes cogitou até convocar um plebiscito para enfrentar os “atrasa-reformas e os fura teto”. Em palestra na segunda-feira (26/10) Guedes criticou Rodrigo Maia (presidente da Câmara) dizendo que “acordos políticos” dificultam as privatizações e ainda falou mal da China, principal parceiro comercial do Brasil.

Em resposta, ouviu de Rodrigo Maia que a incapacidade de aprovar seus projetos se deve somente à incompetência da base governista. Maia ainda deu indicativos de que poderia colocar em pauta a votação do projeto de manutenção do auxílio emergencial de R$600 que é defendido pela oposição. A verdade é que Guedes não tem nem sensibilidade nem habilidade para perceber o momento político e construir alianças, como se vê nos ataques também aos ex-colegas da Febraban.

No Congresso, o projeto de autonomia do banco central anda a passos lentos e, fora dele, a proposta de privatização da casa da moeda foi enterrada pelo próprio Bolsonaro. Mas contra fatos não há argumentos. A estratégia do governo está fazendo água. A tormenta que se forma no horizonte da economia brasileira deve-se a uma perigosa combinação de fatores. A queda dos investimentos no Brasil este ano foi maior do que a média latino-americana.

A situação fiscal do país é igualmente preocupante segundo o FMI, estando mais depreciada do que a dos demais países emergentes. Como se não pudesse ficar pior, o cenário da economia mundial se prepara para uma segunda onda de Covid-19, já derrubando bolsas de valores e disparando a fuga de capitais do Brasil, o que também contribui para a disparada da moeda americana e a desvalorização do Real.

O sintoma das dificuldades é que o governo brasileiro este ano deixou de pagar suas contribuições para os organismos internacionais, bancos e fundos multilaterais, acumulando uma dívida de mais de R$ 4 bilhões. Apesar de tudo isso, Paulo Guedes continua achando que a melhor ideia diante do naufrágio é vender os botes e as boias: o governo anunciou o mirabolante plano Estratégia Federal de Desenvolvimento para o Brasil (EFD), prevendo um delirante crescimento acumulado do PIB de 37,2% em dez anos, baseado apenas nas reformas fiscais.

4. A escadinha da desigualdade. Os economistas preveem que a subida de preços deve continuar, corroendo a renda da população. Depois do arroz e da carne, o novo vilão é a soja, ingrediente de um conjunto de alimentos industrializados. Rechaçando qualquer tipo de controle governamental, que para o Bolsonaro é coisa de bolivariano, a única coisa que ele pode fazer é fingir que tem alguma autoridade pessoal sobre as corporações dos alimentos, encenando preocupação com a alta do preço que penaliza os consumidores.

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Mas uma combinação explosiva ocorre quando a inflação em alta vem acompanhada pelo desemprego. Dados do IBGE sobre o segundo trimestre deste ano apontam que a taxa de desocupação no Brasil chegou a 13,8%, aumentando mais de um ponto percentual em relação ao primeiro trimestre. As mulheres são as mais prejudicadas pelo desemprego. De fato, o cenário atual indica uma reversão histórica já que a participação feminina no mercado de trabalho chegou ao menor patamar dos últimos 30 anos.

Se ao critério de gênero agrega-se a diferença racial, a situação é ainda pior, pois mais da metade das mulheres negras não exercem nenhum tipo de trabalho remunerado. Além das mulheres, os jovens compõem a maioria dos desempregados no Brasil. E a situação tende a se agravar pois estudos mostram que ao entrar de modo precarizado no trabalho pela primeira vez, raramente a trajetória deste trabalhador será a de alcançar um trabalho decente. E a política governamental contribui para definir este destino.

Dados publicados pelo ministério da economia mostram que em 2019 o índice de contratos de trabalho intermitentes subiram 154% em relação ao ano anterior. Este tipo de contrato predominou em dois setores principais: serviços e comércio. Já o trabalho em tempo parcial aumentou 138%. É a reforma trabalhista trazendo seus estragos. 

5. Normalização perigosa. O Censo da Educação Superior de 2019, publicado pelo MEC na sexta-feira (23/10) apresenta dados importantes sobre a estrutura do ensino superior no país. Uma das tendências é o crescimento do ensino à distância, que tende a se acentuar este ano em virtude da pandemia. Em 2019, 63% das vagas em faculdades e universidades eram EaD, com destaque para os cursos de licenciatura.

As instituições privadas lideram esta tendência, e pela primeira vez na história o número de estudantes ingressantes em vagas EaD foi maior que em vagas presenciais na rede privada. Apesar disso, as instituições públicas seguem se destacando pela qualidade do ensino e pela produção de pesquisas de ponta. Nada disso merece muita atenção do governo, que tem por foco a implementação de seu projeto de colégios cívico-militares. Como se sabe, o seu ideário de sociedade está mais para caserna do que para democracia.

A proposta que conta com um órgão específico dentro do MEC está ganhando capilaridade em algumas estados do país. Depois do Mato Grosso, o modelo vai ganhando contornos também no Paraná. Aprovada na assembleia legislativa do estado, a proposta do governador Ratinho Júnior (PSD) é criar 216 colégios cívico-militares, preferencialmente em regiões com vulnerabilidade social e baixo rendimento escolar.

Está em curso um processo de consulta nas escolas escolhidas para saber se a mudança tem aprovação da comunidade. Militares ou civis, a possibilidade das aulas voltarem mesmo com a pandemia tem ficado mais forte. É verdade que algumas organizações seguem resistindo e denunciando que volta às aulas com pandemia é crime.

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Mas as críticas mais contundentes ao retorno às atividades presenciais perderam força, como mostra o informe de outubro sobre a financeirização da educação. Até mesmo associações vinculadas à área de saúde e entidades sindicais já começam a aceitar a possibilidade de volta às aulas. O governo de Pernambuco prevê o retorno das escolas particulares no dia 10 de novembro.

No Rio Grande do Sul o sindicato dos professores conseguiu liminar judicial impedindo o retorno em virtude da falta de equipamentos de segurança e infraestrutura. O governo do Paraná anunciou que em novembro pode iniciar o processo de reabertura. No entanto, no Rio de Janeiro e São Paulo, que iniciaram o retorno mais cedo, constata-se que a adesão dos estudantes tem sido menor que a originalmente esperada.

6. Ponto Final: nossas recomendações de leitura

Por que 80% dos chilenos querem uma nova constituição? O Brasil de Fato entrevista a historiadora Joana Salém e a analista internacional Cecília Brancher para compreender o plebiscito chileno.

O documento que lançou a ideia do SUS. José Luis Fiori recupera para o Outras Palavras a primeira proposta de um Sistema Universal de Saúde no Brasil através do Instituto de Medicina Social.

Caso do pai da governadora é só a face mais visível do nazismo em SC. A partir do caso do pai da governadora catarinense, hitlerista convicto e negacionista do Holocausto, Fábio Zanini escreve sobre os motivos do crescimento de grupos neonazistas neste estado.

Brasil não lida bem com pluralidade, em especial com a de pretos, diz Emicida. O músico e escritor Emicida é entrevistado na Folha sobre o impacto da luta racial no Brasil e nos EUA no último período.

3 comentários para "Sobre uma esquerda ensimesmada e rendida". No Outras Palavras, Júlio Fisherman sugere que a esquerda desaprendeu a lutar porque desaprendeu a sonhar, limitando-se a realpolitik e cálculo.

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*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Rogério Jordão