O programador sueco Ola Bini novamente teve uma audiência suspensa pela intervenção do Equador. No último sábado (31), a ministra de Governo Maria Paula Romo entrou com recurso para recusar o juiz que comandava o caso.
A decisão foi comunicada minutos antes de iniciar a sessão e surpreendeu até mesmo os representantes do governo, segundo o advogado de Bini, Carlos Soria.
A audiência havia sido solicitada pela defesa de Bini que acusa o Estado equatoriano de colocar escutas ilegais nos equipamentos eletrônicos do desenvolvedor de softwares, com base nos materiais usados pelas autoridades equatorianas para acusar Bini de ser um hacker.
Em agosto do ano passado, o Ministério Público (MP) mudou sua denúncia formal contra Ola Bini apenas dois dias antes de vencer o prazo legal para apresentar a acusação. Deixaram de afirmar que Bini havia atacado sistemas informáticos e se infiltrado em contas de e-mail do presidente Lenin Moreno para assegurar que ele havia hackeado o site da Presidência, da Corporação Nacional de Telecomunicações, da Petroequador e da Secretaria de Inteligência (Senain).
O advogado Carlos Soria questiona como meios de comunicação tiveram acesso à informação confidencial do telefone celular de Bini, confiscado pelo MP do Equador, antes mesmo da acusação formal ser apresentada. Por isso, interpelou a ministra Romo, o diretor do Centro de Inteligência Estratégica (CIES), Juan DeHowitt, e o comandante geral da Polícia Nacional, Patricio Carrillo.
A defesa também apresentou uma série de fotografias, que comprovam como a residência do ativista digital foi vigiada por carros não identificados e sobrevoada por drones.
Além disso, também em agosto de 2019, o escritório onde Bini trabalhava foi assaltado e computadores foram roubados.
O mecanismo de recusar um juiz está previsto no Código Penal equatoriano e pode ser utilizando quando uma das partes acusa falta de imparcialidade do magistrado.
No entanto, a defesa de Bini acusa a Ministra de Governo Maria Paula Romo de tentar sabotar o processo. "Inexplicável, Ola Bini segue sendo vítima do Estado equatoriano", publicou o advogado Soria.
Entenda o caso
Ola Bini foi detido em 11 de abril de 2019, quando tentava embarcar para uma viagem ao Japão, no Aeroporto Internacional Marechal Sucre, em Quito, capital equatoriana. Permaneceu preso por 70 dias, sem acusação formal ou provas que o incriminassem, até conseguir um habeas corpus.
Desde junho do ano passado acompanha seu processo em liberdade, mas todas as sextas-feiras deve se apresentar às autoridades equatorianas e está impedido de sair do país.
A audiência de acusação foi postergada várias vezes e estava prevista para março, no entanto, por conta da pandemia foi suspensa por tempo indeterminado.
O chefe de Estado Moreno e a ministra Romo se negaram a comparecer ante um juiz e enviaram uma declaração escrita sobre o caso.
"O presidente também disse que eu fui preso no aeroporto enquanto invadia sistemas informáticos, sistemas telefônicos e outros. No entanto, a declaração oficial dos policiais que me detiveram e as imagens das câmeras de segurança do local comprovam que que estava lendo um livro", declarou em entrevista ao Ecuador Today, no dia 6 de fevereiro de 2020.
Computadores do Centro de Autonomia Digital em Quito, local fundado por Bini, foram roubados, durante processo contra programador. / Reprodução
Julian Assange
No dia da detenção de Ola Bini, o presidente Lenin Moreno suspendeu o direito ao asilo político, concedido em 2012 pelo ex-presidente Rafael Correa, a Julian Assange, fundador do portal WikiLeaks.
Bini visitou Assange sete vezes enquanto o ciberativista residia na embaixada equatoriana em Londres, Inglaterra. Em algumas ocasiões, suas viagens coincidiram com o ex-chanceler Rodrigo Patiño, por isso o presidente Moreno ainda acusa Bini de fazer parte de um plano de desestabilização de Assange e Correa, apesar de também não apresentar provas sobre essa denúncia.
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Desde 2012 Bini reside no Equador, onde ajudou a fundar o Centro de Autonomia Digital, uma empresa que oferece assistência técnica e oficinas a organizações populares e pequenas empresas sobre segurança digital.
Na Suécia, ele é conhecido como um dos dez maiores programadores do país e internacionalmente reconhecido pela criação de programas de privacidade digital com softwares livres.
Internacionalmente, ciberativistas denunciam o caso como uma perseguição política, similar ao que ocorre com Assange. Tanto no Equador, como em outros países, 15 Organizações Não Governamentais (ONGs) de direitos humanos e justiça acompanham o processo.
Edição: Marina Duarte de Souza