Precisamos ocupar os espaços de poder e ressignificar esse não lugar; é uma tarefa árdua e urgente
Por Roberta Laena*
Na história ocidental, a política foi naturalizada como um não lugar das mulheres. Ou também podemos falar que, na política, sempre existiu um não lugar destinado a nós.
Como diria Marcela Lagarde, participamos como se estivéssemos dentro, mas, na realidade, estando fora. Destinadas aos quartos de dormir, fomos interditadas dos espaços de poder, porque poder sempre foi “coisa de homem”.
Nossa subinclusão na esfera pública ainda é realidade: somos minoria em todas as esferas institucionais de poder, permanecendo sub-representadas.
O mapa Mulheres na Política 2020, da ONU, aponta que o Brasil ocupa a 140ª posição, de 193 países, com 14,6% de mulheres na Câmara dos Deputados e 13,6% no Senado. Nas assembleias e nas câmaras municipais, os índices são ainda mais desoladores.
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As candidaturas fictícias de mulheres surgem nesse contexto. A cada pleito, partidos registram mulheres em suas listas apenas para cumprimento da cota mínima de 30% para cada gênero.
Das mais variadas formas, mulheres são usadas para beneficiar agremiações tradicional e historicamente masculinas. Sim, não podemos ter receio de dizer: partidos políticos ainda são oligarquias de homens, dirigidas por homens, que, nas campanhas, financiam homens, para que homens se elejam e continuem no poder.
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A realidade intrapartidária é, no geral, bastante sexista. Muitas filiadas sequer sabem que estão filiadas, mulheres dirigentes constam nos diretórios somente para fins de figuração, candidaturas fictícias são apresentadas apenas para completar a cota de gênero e obter o deferimento do DRAP – Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários. Esse é o panorama da maior parte dos municípios brasileiros.
Na obra Fictícias: candidaturas de mulheres e violência política de gênero (2020, Editora Radiadora), trago um mapeamento dos tipos e subtipos de candidatas fictícias.
Em todas as situações, há instrumentalização das mulheres em benefício dos partidos, a nos dizer que a política não é nosso lugar
Há mulheres totalmente enganadas, que desconhecem a candidatura. Nesses casos, alguém a serviço do partido obtém dados, documentos e fotografia e registra, sem consentimento da pessoa, o pedido junto à Justiça Eleitoral.
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Há também mulheres que são coagidas pelos empregadores ou induzidas em erro por pessoas próximas, havendo ainda, em elevada quantidade, candidatas voluntárias que aceitam compor as chapas por diversos motivos, seja para ajudar um familiar, seja para obter algum tipo de vantagem.
Em todas as situações, há instrumentalização das mulheres em benefício dos partidos, a nos dizer que a política não é nosso lugar. Em todos os casos, há violência política de gênero.
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Essa é uma pauta que precisa ser colocada em cena. Estamos às vésperas das Eleições Municipais de 2020 e muitas mulheres estão sendo registradas como candidatas fictícias. Porque essa prática foi normalizada e, a cada eleição, é reiterada de modo, muitas vezes, inconteste.
Em sua defesa, as agremiações afirmam não haver mulheres interessadas na política, mas sabemos que não é verdade; sabemos que mais mulheres na política significa menos homens no poder e essa hegemonia eles não querem perder. Essa é a verdadeira questão.
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Devemos denunciar e desestabilizar esse cenário. Precisamos entender a violência política de gênero, para melhor enfrentá-la. Precisamos lutar por mudanças legislativas, maior fiscalização e ação dos órgãos competentes.
Os partidos precisam promover e incentivar a nossa participação política. Precisamos ocupar os espaços de poder e ressignificar esse não lugar. Essa é uma tarefa árdua e urgente.
*Roberta Laena é Analista Judiciária do TRE-CE. Doutora em Direito pela UFRJ. Autora do livro Fictícias - candidaturas de mulheres e violência política de gênero (Editora Radiadora, 2020).
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Leandro Melito