Na última sexta-feira (30), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) realizou um seminário on-line para debater o tema das eleições 2020 e a relação dessa com as pautas dos movimentos sociais, em especial, com as demandas e projetos do campesinato.
Participaram dirigentes e militantes dos 17 estados em que o movimento tem atuação, bem como parceiros estratégicos que vêm atuando em consonância com a pauta camponesa. Para analisar a conjuntura, foram convidados Tarso Genro (ex-prefeito de Porto Alegre e ex-governador do Rio Grande do Sul) e José Genoínio (ex-deputado federal e presidente do Partido dos Trabalhadores).
Josineide Costa, dirigente do movimento no Piauí, e Rafaela Alves, dirigente no Sergipe, relembraram que o MPA recentemente publicou um documento norteador, propondo reflexões e posturas referentes à eleição, compartilhado há cerca de duas semanas entre dirigentes e base de militância.
No documento, o MPA reafirma sua convicção enquanto Movimento Social em manter-se firme com a pauta de um projeto de vida para o povo do campo e da cidade, erguendo a bandeira do Plano Camponês para desenvolver o campo e a produção de alimentos saudáveis através da agroecologia, como caminho para a justiça social, superação das desigualdades e construção das necessárias condições de vida digna para o povo camponês e emprego para o povo da cidade.
Leia também: Pequenos agricultores lançam propostas aos candidatos nas eleições municipais do Rio
"A participação do movimento no pleito deve ser norteada pelo fortalecimento da reflexão sobre os rumos da política local, bem como apresentar reivindicações e questões que interessam ao conjunto da população, aprofundando o sentido da participação popular e da democracia", afirmou Rafaela.
"O MPA tem a compreensão de que é necessário entender as disputas de ideias e de projetos que se explicitam nesse período, conectando as questões do movimento a um projeto popular para o Brasil", completou Josineide.
José Genoíno
Genoíno expressou muita preocupação com o momento de crise que o país vive, desde o aspecto econômico e social até a questão sanitária. "É um quadro de extrema gravidade em que o problema social se agudiza muito e nesse sentido a eleição é um momento importante para trazer a temática nacional para o debate local, fundir o micro e o macro, trazer a disputa politica da agenda do país com reflexo com a agenda local, e vice-versa", afirmou Genoíno.
Para o ex-deputado, a eleição é um espaço decisivo para “a disputa de consciências, para esclarecer corações e mentes, para esclarecer politicamente a consciência do povo no sentido das nossas alternativas”. Partindo desse prisma, Genoíno aponta para a importância de conquistar espaço nas prefeituras e câmara de vereadores, de modo a acumular forças e sinalizar para um programa de governo que possa de fato mudar a vida do povo.
::Movimento de Pequenos Agricultores propõe plano emergencial para garantir alimentos::
"Nós não podemos simplesmente ocupar o governo e ficar no governo, nós temos que mudar a vida do povo naquilo que é nosso programa em relação à saúde, educação, assistência social, agricultura familiar, apoio a pequena e média empresa, na moradia popular, na taxação dos mais ricos no âmbito dos municípios.”
Segundo o dirigente, para viabilizar isso tudo é preciso começar assumindo o papel transformador da radicalidade. “Precisamos aplicar aquilo que a crise ensina. A crise radicaliza por si só e nós não podemos ter medo da radicalização. Nós temos que ter lucidez para afirmar as soluções a essa situação. Nós temos que mostrar que os nossos territórios não são ilhas isoladas através de uma muralha intransponível dessa crise geral, muito pelo contrário, está conectada e refletida através dela.”
No alinhavo de suas ideias, Genoíno retomou um tema que tem defendido em diversos espaços: “Só conseguiremos enfrentar a conjuntura atual se encontrarmos formas de viabilizar o protagonismo do povo, discutir e viabilizar formas de participação popular.”
Além do segmento camponês, que compunha o público com quem dialogava, lembrou que se faz necessário uma grande aliança campo-cidade entre os diversos setores de trabalhadores, buscando agregar ainda outros segmentos de interesse comum como o movimento por moradia, o movimento LGBTQUI+, indígenas, movimentos de mulheres, movimento negro, atingidos por barragens, sem-terras, entre outros.
Tarso Genro
"A contribuição que os movimentos sociais podem dar nessa conjuntura, durante e pós-processo eleitoral, é extraordinariamente importante", apontou Tarso. “A luta política de hoje nas micro, pequenas e médias cidades é decisiva e nós precisamos recuperar esse debate a partir de propostas concretas”, acrescentou.
Na opinião do ex-governador do Rio Grande do Sul, o processo de transformação democrático-revolucionário do país vai se dar de maneira lenta, de maneira cumulativa, uma vez que “dificilmente vamos ter uma ruptura política grande como ocorreu em outros países no século passado”.
Um ponto em específico destacado por Tarso, a ser desenvolvido a partir dos territórios, nas localidades, é o aprofundamento da relação entre o trabalhador camponês e o trabalhador urbano, fomentando o rompimento de expedientes históricos de exploração que puderam ser notados em diversos regimes, mas que se aprofundam sob os expedientes do capitalismo.
::MPA cria comitês territoriais de solidariedade para a campanha Mutirão contra a Fome::
“O que precisa acontecer hoje – e nós já temos exemplos concretos – é que esse processo de articulação da cidade com o campo seja intensificado”, acrescentou, relembrando iniciativas desenvolvidas por governos populares que aproximam produtores de alimento dos trabalhadores que precisam para seu consumo.
"Nós tivemos algumas experiências nesse processo da pandemia, na distribuição de alimentos, rompendo as formas de distribuição do capitalismo, interrompendo, bloqueando o ciclo de reprodução sócio-metabólica do capital, que se dá pela permanente presença de estruturas de apropriação e distribuição, escravizando pelo preço nos dois lados”, disse o ex-governador.
Para Tarso é possível, a partir das prefeituras, incentivar formas superiores de relação cidade-campo, um sistema de alianças que dê suporte para a sustentabilidade, interferindo nesse processo de circulação, fazendo uma relação direta entre os trabalhadores da cidade e os trabalhadores do campo, pelas formas diretas de articulação no processo de circulação da produção e do consumo: "Oportunizar que os trabalhadores hoje explorados no campo apresentem seus produtos aos trabalhadores hoje explorados na cidade seria uma “forma concreta de articulação da solidariedade operário-camponesa”.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Katia Marko