Desde o início do governo de Michel Temer (2016-2017), o Brasil tem assistido a um constante ataque às pautas e projetos que visam à igualdade social, sendo raça e gênero um dos marcadores sociais que mais são atacados pela extrema-direita. O atual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, construiu sua popularidade nas redes sociais com os seus ataques a projetos que visavam combater a desigualdade de gênero e a homofobia nas escolas, seja apoiando pais que agredissem seus filhos por serem gays, seja afirmando que não cometeria estupro contra a então deputada Maria do Rosário (PT-RS) “porque ela não merece”.
Para qualquer indicador social que se analise, as desigualdades de raça e de gênero no país são latentes. Focando na representatividade de gênero no Congresso, por exemplo, apesar de serem mais de 50% da população, mulheres ocupam apenas 15% das cadeiras, tendo estados que não elegeram sequer uma mulher para a atual legislatura.
Estas desigualdades de gênero podem ser ainda mais acirradas se levarmos em conta o atual quadro de violência política que tem assolado o Brasil. Em uma pesquisa a partir de notícias da morte de candidatos, pré-candidatos e políticos eleitos durante o ano de 2020, já foram registrados 80 assassinatos de políticos em todo o Brasil. Neste indicador, 6 mulheres foram assassinadas.
Pode parecer um número baixo quando comparado ao número total de homens assassinados, entretanto, levando em consideração a baixa representatividade de gênero em câmaras municipais de todo o Brasil, esta violência pode se colocar como mais um entrave para a candidatura de mulheres no país.
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As mortes destas candidatas também possuem um caráter diferente da dos homens. Solange Aires dos Santos (PSL – GO) e Helena Pereira da Silva (MDB – PI) foram assassinadas pelos seus companheiros, num claro caso de feminicídio. Raimunda Maria Ferreira da Silva (PODEMOS – AM) foi encontrada morta em sua casa vestindo apenas roupas íntimas, o que também pode indicar o assassinato por um companheiro. Eliane Terezinha Milcharek Battilana (MDB – SC) e Sandra Silva (PSB – RJ) foram assassinadas por traficantes de drogas, que não estavam satisfeitos com suas campanhas no bairro em que atuavam. Leide Rodrigues Silva (PSL – MG) foi assassinada com sete tiros na frente de sua casa e a investigação ainda está em andamento.
Estes assassinatos têm conexão com o fato de que somos o quinto país no mundo que mais mata mulheres e este indicador só é possível de ser sustentado com uma profunda cultura machista, que reproduz a desigualdade de gênero e posiciona o corpo e vivência de mulheres em posições inferiores às dos homens.
O caso de Mariana Ferrer (influenciadora digital que sofreu estupro em Santa Catarina em 2018 e cujo agressor foi inocentado pela Justiça, em audiências humilhantes para a vítima) serve para desvelar estas estruturas machistas que perduram no Estado Brasileiro. Não faz muito tempo, em 1979, Raul Fernando do Amaral Street, o Doca Street, réu confesso do assassinato de Ângela Diniz, foi inocentado por ter agido em “legítima defesa da honra”, demonstrando como o judiciário brasileiro possui uma longa trajetória de desrespeito aos direitos das mulheres.
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Essa cultura só pode ser enfrentada através de políticas públicas efetivas que posicionem a desigualdade de gênero e a violência contra a mulher como um entrave ao pleno exercício de direitos civis no Brasil. Entretanto, o atual governo Bolsonaro não demonstra interesse em caminhar por esse trajeto. A despeito do aumento de 7,3% no número de casos de feminicídios em comparação com 2018, de acordo com o INESC (Instituto de Estudos Socioeconômicos), o governo Bolsonaro não gastou nenhum recurso para a construção de Casas da Mulher Brasileira, que atendem mulheres em situação de violência – considerando que havia R$20 milhões disponíveis para essa atividade.
Quando temos um presidente que ataca políticas que citam “gênero”, temos um governo que recusa políticas de combate às desigualdades e pelo respeito à diversidade sexual. Sem igualdade racial e de gênero, continuaremos vivendo num país que agride uma mulher a cada 4 minutos, que possui baixíssima representatividade de gênero no legislativo, no executivo, no judiciário e com casos como o de Mariana Ferrer ocorrendo todos os dias em nossos tribunais.
*Huri Paz é pesquisador do Afro/Cebrap (Núcleo de Pesquisa e Formação em Raça, Gênero e Justiça Racial do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e do Negra (Núcleo de Estudos Guerreiro Ramos) da UFF (Universidade Federal Fluminense). Pesquisa violência política no Brasil, relações étnico-raciais e desigualdades raciais durante a pandemia da covid-19. Parte deste artigo é fruto da pesquisa de iniciação científica financiada pelo CNPq e orientada pela Profª Drª Flavia Rios na UFF, intitulada “Mapeamentos dos assassinatos de políticos no Estado do Rio de Janeiro (1988 – 2019)”.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Rogério Jordão