"Independentemente do que aconteça, metade da população estará insatisfeita, e eu pergunto: quais as consequências disso para o país?" O psiquiatra Craig Barr Taylor, professor emérito da Universidade de Stanford, sabe que não há uma resposta otimista para a sua questão. Talvez por isso mantenha os braços cruzados na altura do peito e desvie os olhos para o canto direito, enquanto contempla alguns segundos de silêncio.
Ele parte a quietude momentânea com um riso nervoso e uma constatação: "Devo ter passado por 25 eleições ou mais, e não me lembro de ter vivido algo parecido".
Essa sensação talvez seja o único ponto em comum entre democratas e republicanos. Separados por cores, por ideias e por estados, os eleitores comparecerem em número recorde às urnas para pintar de azul ou vermelho regiões inteiras, mostrando o tamanho do abismo que separa os norte-americanos.
O cientista político Paul Gronke, professor da Reed College e diretor do Early Voting Information, explica esse fenômeno: "Os americanos estão seguindo um processo que nós chamamos de 'ordenação'. Isso significa que um grupo se muda para uma região onde pessoas que pensam de forma parecida moram. E, então, criamos esses enclaves políticos homogeneizados".
A divisão, por si, não é vista como uma falha no sistema eleitoral dos Estados Unidos pelo docente, mas como um efeito colateral esperado – e talvez desejado, já que faz parte da natureza humana ser social e buscar se cercar de quem compartilha dos mesmos valores. Mas ao misturar alinhamento político com paixão, o resultado pode ser explosivo.
"O que está acontecendo neste país nos últimos 15 anos é algo que chamamos de 'afetividade partidária' ou 'emoção partidária'. Não é que você apenas discorde do outro, mas você acredita que o opositor é perigoso. Você acha que eles vão machucar o país; que são uma ameaça à democracia", diz Gronke.
E "ameaça", aqui, é a palavra-chave. Não porque ela exista ou deixe de existir, mas porque ela é o principal ingrediente da ansiedade e do estresse, dois sentimentos nada desejáveis que nos coloca em constante estado de alerta, à flor da pele.
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Instintivamente, nos "armamos" para inimigos que podem ou não ser reais – e aí a tendência para (re)agir com violência até os mais sutis dos estímulos. Era de se esperar, portanto, que a virada do democrata Joe Biden inflamasse os republicanos, como o discurso ilegítimo de Donald Trump, clamando a vitória, fizesse o mesmo com os democratas.
"Geralmente, quando temos uma eleição, tudo é resolvido de forma rápida, mas sabemos que esse ano seria diferente. Isso ativa a ansiedade, que se alimenta da incerteza, sabe? Nós gostamos de ter um futuro previsível, nós gostamos de saber o que esperar, nós gostamos de saber o que vai acontecer, no melhor ou no pior caso. Agora, nós não temos a menor ideia do que vai acontecer", continuou o professor Barr Taylor.
O psicólogo Dr. Raphael Rose que o diga. Dono de um consultório clínico na cidade de Los Angeles, na Califórnia, ele viu a ansiedade chegar a níveis inimagináveis em seu divã. "Não bastasse a tensão por conta da eleição, ainda temos que lidar com a ansiedade e estresse causado pela pandemia. Então é uma coisa em cima da outra", afirma.
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Ainda segundo o psicólogo, viver em tempos hiperconectados não colabora com o processo, porque compartilhamos nossas emoções antes mesmo de termos a chance de entendê-las, exacerbando o sentimento e iniciando uma ação em cadeia. Um efeito dominó emocional.
Embora seja virtualmente impossível se blindar destes sentimentos, Barr Taylor dá a receita para remediar a situação: "Tenha sempre em mente que vivemos tempos atípicos, que vão passar. Não faça disso tudo uma catástrofe, porque é fácil se deixar levar por pensamentos horríveis. E são essas as coisas que fazem tudo tão estressante e difícil, mas, na verdade, não temos a menor ideia do que do que vai acontecer".
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Edição: Vivian Fernandes