"Trabalharemos incansavelmente para reconstruir a pátria." Essa foi a promessa do novo presidente da Bolívia, Luis Arce, do Movimento ao Socialismo (MAS), ao tomar posse ao lado do vice David Choquehuanca na manhã deste domingo (8). Os dois venceram as eleições de 18 de outubro em primeiro turno, com mais de 55% dos votos, quase um ano após o golpe contra o então presidente Evo Morales – que retornará à Bolívia na segunda-feira (9).
No discurso de posse, na capital La Paz, Arce criticou as perseguições jurídicas e os massacres comandados pelo governo da presidenta autoproclamada após o golpe, Jeanine Áñez. Do lado de fora, milhares de trabalhadores bolivianos do campo e da cidade, de todas as organizações que compõem o MAS, celebraram a posse e o restabelecimento da democracia.
Carlos Mesa, segundo colocado nas eleições presidenciais, compareceu à posse e cumprimentou Arce.
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Também participaram do evento chefes de Estado e representantes de países latino-americanos, como Alberto Fernández, da Argentina, e Jorge Arreaza, chanceler da Venezuela. No dia anterior, o novo mandatário havia se reunido com líderes do México, dos Estados Unidos, da Espanha e do Irã, além de receber os cumprimentos de Xi Jinping, presidente da China.
O governo brasileiro foi o único dos vizinhos que não enviou representante à Bolívia.
Celebração
Dezenas de movimentos populares e indígenas se reuniram ao nascer do sol na praça Murillo, onde fica a sede do governo, para pedir a proteção da Pachamama ("Mãe Terra") aos novos governantes. O ritual andino de oferenda e agradecimento, este ano, tem um sabor especial. Em novembro de 2019, a Bolívia sofreu um golpe de Estado, abrindo caminho para a violência contra povos indígenas e a queima de um de seus maiores símbolos: a bandeira whipala, que simboliza a unidade dos povos.
Um dos porta-vozes do MAS em La Paz, Freddy Bobaryn explica que a ideia é "promover uma fusão entre os atos protocolares de uma posse com nossos costumes e saberes ancestrais.
"Não estamos divididos. Vamos juntos. O poder, assim como a economia e o sangue, precisa fluir, precisa ser distribuído", disse o vice David Choquehuanca, reivindicando a ancestralidade indígena. "Somos como a pedra, somos fogo que nunca se apaga. Estamos dando início a um novo amanhecer, onde a empatia e o bem coletivo substituem o individualismo egoísta. Ninguém nesse mundo deve se sentir dono de nada. Temos nossa filosofia, temos nossa sabedoria, e vamos recuperar nossa identidade e equilíbrio, com respeito à soberania dos nossos povos. Vamos superar a divisão, o ódio e o racismo. Sem perseguição, sem judicialização da política, sem abuso de poder", concluiu.
A cerimônia de posse começou oficialmente às 11h40 (horário de Brasília), na Assembleia Legislativa do Estado Plurinacional. Antes do discurso do novo presidente, foi respeitado um minuto de silêncio em homenagem às vítimas do golpe e do autoritarismo na Bolívia.
Democracia restaurada
Sob aplausos e palavras de ordem e resistência das organizações sociais, Arce abriu seu discurso às 12h15: "Honra e glória aos ancestrais que sempre nos acompanham", disse, saudando em seguida os heróis da libertação boliviana, sua família e as autoridades presentes.
"Recuperamos a democracia", prosseguiu o novo presidente. "A vontade popular foi violada em novembro de 2019, e começou uma guerra contra os mais humildes. As tarefas de pacificação do país e convocação imediata de eleições, que o governo de facto se comprometeu, não foram feitas. E se utilizou a pandemia para prolongar um governo ilegítimo, que perseguiu aos dirigentes do MAS, militantes sociais e trabalhadores bolivianos humildes."
Emocionado, Arce enalteceu a trajetória daqueles que foram assassinados porque lutavam para defender a democracia na Bolívia e declarou sua intenção de fortalecer a integração latino-americana "por um mundo sem muros, independentemente da orientação política dos governos."
"Iniciamos uma nova etapa na nossa história. Um governo para todos, sem discriminação. Buscaremos unidade, para podermos viver em paz", acrescentou. "A democracia não é só o voto, mas o eixo ordenador da nossa sociedade, com participação de todos, com pluralismo político. Queimar a whipala foi como queimar nossas raízes."
"Somos maioria. Chegamos aqui com o voto de uma população que não quer democracia para poucos, mas para todos. Vamos corrigir os erros e aprofundar os acertos dos nossos governos", ressaltou Arce, citando a destruição do projeto econômico do MAS desde novembro de 2019 e o início de uma crise "que não pode ser atribuída apenas à covid-19." Em um ano de golpe, o país atingiu níveis de desemprego inéditos no século 21, diminuindo investimento público e suspendendo programas de distribuição de renda.
Após a cerimônia de posse, os novos mandatários e os representantes internacionais se dirigiram à Casa Grande do Povo, sede do governo, para a foto oficial.
Edição: Michele Carvalho