Opinião

Nem Biden nem Trump: o que pensa o Partido Socialismo e Libertação dos EUA

Socialistas estadunidenses analisam cenário em que Trump age por motivações pessoais e Biden não realizará mudanças

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Joe Biden e Donald Trump disputam o comando dos EUA - Jim Watson e Brendan Smialowski/AFP

Em declaração divulgada após o anúncio de vitória de Joe Biden à presidência dos Estados Unidos, o Partido Socialismo e Libertação estadunidense critica as tentativas de deslegitimar as eleições por parte do candidato perdedor, Donald Trump, ao passo que aponta que as respostas para a crise pela qual passa o país não estão no Partido Democrata.

Ainda que ambos sejam representantes de projetos capitalistas e de direita, Trump se descola de Biden quando tenta atacar também o sistema eleitoral estadunidense e a transição pacífica entre governos, se isolando ainda mais.

"Quando denunciou o sistema eleitoral como uma fraude, Trump rompeu com uma regra fundamental da política burguesa nos Estados Unidos. Manter uma imagem pacífica de passagem de poder entre os partidos da classe dominante por mais de uma década tem sido considerada como o elemento central da governabilidade capitalista dos Estados Unidos", analisa o Partido Socialismo e Libertação, que faz parte da articulação internacional Assembleia Internacional dos Povos, junto a partidos e movimentos populares de esquerda ao redor do mundo.

Esse certo "desespero" de Donald Trump também teria motivações pessoais, segundo os socialistas, para que evite com que ele e sua família sejam alvos de investigações financeiras por parte da Justiça.

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Como passo para o futuro, já com a presidência dos EUA próxima de passar para as mãos dos democratas, o partido de filiação socialista defende a necessidade de "construir um movimento social que leve demandas ao governo de Biden para que este tome medidas de emergência imediatas para erradicar o desemprego generalizado, garantir uma renda sustentável para todas aquelas pessoas que perderam seu emprego, cancelar os aluguéis, os despejos, a dívida estudantil, e adotar um sistema de saúde gratuito".

Confira a declaração na íntegra:

A derrota de Donald Trump: Declaração do Partido Socialismo e Libertação (EUA)

Mais de 70 milhões de pessoas votaram para tirar Donald Trump da presidência dos Estados Unidos, nas eleições de 3 de novembro. Este foi um voto para Joe Biden, um candidato pouco inspirador que só conseguiu ser nomeado quando a classe dominante do Partido Democrata entrou em um acordo para deter Bernie Sanders e não permitir que fosse candidato no começo de março. A histórica participação eleitoral para Biden não significa o apoio a Wall Street, ou sua postura pró-guerras, nem o seu papel como arquiteto do sistema atual de vigilância policial e encarceramento em massa.

Nos últimos minutos, os principais meios de comunicação controlados por empresas, anunciaram que Biden tinha os votos suficientes para ser o próximo presidente dos Estados Unidos. É importante destacar que a Fox News, o meio que foi vociferante em seu apoio a Donald Trump, mudou de postura na cobertura das eleições e passou a apoiar Biden e a campanha que ele liderou.

Donald Trump insiste que sua luta irá continuar. Tem argumentado que ele é o verdadeiro ganhador das eleições e que a única razão pela qual não poderá ser o presidente é em função de uma fraude eleitoral generalizada. Isto está longe de ser verdade, já que a medida que mais e mais votos dos correios são receibdos na Pensilvânia, Geórgia e outros estados, é mais claro que Trump perdeu as eleições em uma competição acirrada, similar aos resultados de 2016, salvo que, desta vez, as diferenças foram invertidas.

Quando denunciou o sistema eleitoral como uma fraude, Trump rompeu com uma regra fundamental da política burguesa nos Estados Unidos. Manter uma imagem pacífica de passagem de poder entre os partidos da classe dominante por mais de uma década tem sido considerada como o elemento central da governabilidade capitalista dos Estados Unidos. A passagem pacífica de poder dá legitimidade ao sistema. Cada sistema requer de uma violência desmedida que se impõe às classes oprimidas, ou melhor, depende da legitimidade de um setor da população, que é complemento, evidentemente, com a ameaça de violência e coerção estatal.

“Democracia” é o termo preferido da classe que domina, posto que alcançar a legitimidade junto a um setor significativo da classe trabalhadora e os estratos intermediários facilita a reprodução do sistema. Isto evita a tensão e o conflito, o que faria o domínio da classe dominante mais complicado e instável.

A motivação de Trump é bastante limitada e pessoal. Se perde as eleições, ele e sua família estarão sujeitos a múltiplas perseguições criminais e processos judiciais em vários estados por evasão de impostos, fraudes financeiras, assim como outros crimes deste tipo. Se Trump deixa a presidência, perde sua imunidade nas perseguições que os estados podem fazer a respeito de crimes financeiros. Este será o futuro de Trump e ele sabe disso. A classe dominante não vai sacrificar a legitimidade de seu sistema política para proteger Donald Trump em sua vida civil pós-presidência.

Trump tem passado os últimos dias tentando usar a extrema direita e as mobilizações fascistas para deter a contagem de votos. No entanto, está se isolando cada vez mais. Suas bases de apoio dentro da classe política capitalista estão se debilitando e continuarão decaindo. O que a Fox News e o conselho editorial de Wall Street se voltaram contra em seu afã de condenar o processo eleitoral é uma clara indicação que seu destino está sentenciado.

As eleições presidenciais de 2020 foram um referendo para Trump. Os democratas foram bastante mal no resto das eleições. Perderam postos para os republicanos na Câmara de Representantes e não conseguiram ganhar no Senado. O que tenha sido uma eleição disputada em nível presidencial, em um contexto que estamos vivendo a maior catástrofe de saúde de nossos tempos e com altos níveis de desemprego, demonstram que o Partido Democrata não tem muito o que oferecer ao povo. O Partido Democrata da classe dominante adotou uma posição de centro direita e se recusou a aceitar as demandas de saúde gratuita para todos e todas, o cancelamento dos pagamentos de hipotecas e renda durante a pandemia, cancelar a dívida estudantil ou realizar reformas na polícia quem tenham um impacto substantivo. Ironicamente, o mesmo Partido Democrata do establishment agora culpa a esquerda pelos fracassos eleitorais não presidenciais.

Desde 2016, o Partido pelo Socialismo e Libertação tem argumentado que Donald Trump é meramente um sintoma de uma doença maior. A etapa avançada do capitalismo está destruindo não só a classe trabalhadora e os pobres, mas também grandes setores das classes médias. Enquanto os bilionários estão enriquecendo e se tornando mais poderosos, o nível de sofrimento humano no “país mais rico do mundo” aumenta rapidamente. Esta doença é o capitalismo, e a cura é substituir este sistema que fomenta a pobreza em meio a tanta riqueza e destrói as e os trabalhadores enquanto um pequeno grupo da elite concentra a riqueza e o poder. A solução não está com o Partido Democrata, mas em substituir o capitalismo por um sistema social humano, racional e sustentável: o socialismo. 

A tarefa que está adiante é construir um movimento social que leve demandas ao governo de Biden para que este tome medidas de emergência imediatas para erradicar o desemprego generalizado, garantir uma renda sustentável para todas aquelas pessoas que perderam seu emprego, cancelar os aluguéis, os despejos, a dívida estudantil, e adotar um sistema de saúde gratuito. Ao mesmo tempo, temos que resistir e nos opor ao militarismo dos Estados Unidos e à guerra, o que não mudará em nada baixo um governo de Joe Biden.

*Tradução da Declaração do Partido Socialismo e Libertação por Vivian Fernandes.

Edição: Vivian Fernandes