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O que tem na mochila militante das ações de solidariedade?

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A mochila militante também é portadora de sementes da organização popular - Reprodução Periferia Viva
O desafio dessa geração tem sido combinar a defesa do distanciamento social com o direito à vida

Nos últimos meses, a solidariedade esteve presente como nunca na boca e nas ações das periferias brasileiras. Sob o “corona choque”, a intensificação da crise e das desigualdades, as altas taxas de contágio e de letalidade e a fome se avizinhando, a luta pela vida impulsionou a solidariedade como saída para o povo.

A campanha Periferia Viva tem sido uma dentre as muitas campanhas de solidariedade organizadas após a crise sanitária do novo coronavírus. A campanha tem reunido movimentos populares do campo e da cidade no combate ao vírus e à fome.

Ela consiste em reunir a produção agroecológica das áreas da reforma agrária, recolher doações de alimentos e produtos de higiene e entregar esse material às famílias nas periferias dos centros urbanos. A campanha chama esse processo de encontro do alimento saudável com a panela vazia. 

Não é de agora que a solidariedade tem sido o modo de vida nas periferias, com as relações comunitárias entre vizinhos e famílias. Porém, com a pandemia da covid-19, esse elemento deu um salto qualitativo, ao conectar periferias e a cidade com o campo.

Além de  ter contribuído para que militantes e voluntários retornassem aos bairros mais vulneráveis e praticassem a solidariedade em conjunto com lideranças comunitárias, desenvolvendo o protagonismo e autonomia das pessoas dos territórios.

Chamamos isso de solidariedade periférica ou popular, que, aliada ao trabalho de base e à educação popular, busca reconhecer sujeitos engajados na produção e replicabilidade da solidariedade como rede. Trata-se do oposto de uma solidariedade bancária ou a solidariedade S.A., praticada por grandes empresas, que enxerga na pessoa que recebe a doação de mero receptáculo, numa relação de mão única.

Investigando a solidariedade periférica e buscando diferenciá-la da solidariedade S.A., o Instituto Tricontinental em conjunto com a Campanha Periferia Viva lançaram, nesta segunda-feira (9), às 18h, o projeto “O que tem na mochila militante?” para debater os caminhos e desafios da pesquisa. A transmissão, que ocorreu ao vivo, está disponível no Facebook.

O projeto faz uma alegoria ao primeiro capítulo do livro Revolução de Anita, de Shirley Langer, publicado pela Editora Expressão Popular. O livro é um relato ficcional da campanha de alfabetização realizada em Cuba no ano de 1961, em que mais de 700 mil pessoas – em sua maioria camponeses pobres – aprenderam a ler e a escrever.

Na mochila de Anita tinha papel e lápis escasso, um método de alfabetização popular sendo gestado e a mensagem da revolução socialista de libertação nacional que estava sendo protagonizada pelo povo cubano. 

Todavia, o que essa história pode nos inspirar a olhar para o Brasil de hoje? O desafio dessa geração de militantes e das organizações populares, que não renunciam à condição de estarem ao lado do povo, tem sido combinar a defesa do distanciamento social com o direito à vida, à comida e ao acesso aos cuidados em saúde.

Esse desafio nos traz um conjunto de ações de solidariedade protagonizada por militantes, que estão preparando e forjando a mochila deste momento histórico. Nesse sentido, vale ressaltarmos a pergunta: o que tem na mochila do militante engajado nas campanhas de solidariedade?

À primeira vista ela carrega alimentos, cuidados, máscaras, álcool em gel, celular para tirar foto, colher contatos e montar grupos de whatsapp. Num olhar mais apurado, podemos ver que a mochila também carrega medo, angústia, expectativa, dúvidas e esperança. Carrega bandeiras, referências teóricas e práticas, pensadores populares que lutam e lutaram em nossos territórios. 

A mochila militante também é portadora de sementes da organização popular que precisam ser regadas e adubadas para que possam se desenvolver e florescer

Pouco a pouco, a experiência das formações dos agentes populares de saúde, por exemplo, vai sendo adicionada às mochilas de cada território. Muita coisa está sendo experimentada e semeada.

Por isso, esta pesquisa é um processo em gestação. Ela acompanha as experiências da luta popular que estão sendo cultivadas há tempos pelos movimentos, mas que foram intensificadas na pandemia pelas contradições da fome, do desemprego, da violência e da luta pela vida das periferias brasileiras. 

Assim como na mochila de Anita, o que as e os militantes espalhados por este Brasil afora carregam em suas mochilas e que contam, além de suas próprias histórias, as esperanças de um novo país que há de vir? Deste novo processo, cabe às organizações populares buscarem captar as concepções de trabalho popular que estão sendo gestadas sob a solidariedade periférica diante desta situação insólita e dramática.

Edição: Leandro Melito