Instabilidade

Presidente interino do Peru, Manuel Merino, renuncia em meio a protestos

Dois jovens morreram durante protestos em Lima, no sábado (14). Manifestantes denunciam golpe de direita e corrupção

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Jornadas de violência: dois mortos durante protestos na capital Lima, quase 100 manifestantes feridos e 20 desaparecidos - Foto: Ernesto Benevides/AFP

O presidente interino do Peru, Manuel Merino, renunciou neste domingo (15) ao cargo, após uma série de protestos violentos no país. Dois jovens morreram durante manifestações na capital, Lima, no sábado (14). Comunicada pelo próprio Merino em cadeia nacional de televisão, a renúncia acontece seis dias depois da destituição, no último dia 9, do ex-presidente Martín Vizcarra.

Treze dos 18 ministros do novo governo renunciaram. As manifestações populares que acontecem desde o impeachment de Vizcarra, foram fortemente reprimidas pelas forças policiais do país. 

De sexta para sábado (14), além de dois mortos, quase 100 manifestantes foram feridos e 20 estão desaparecidos, de acordo com a secretaria de Direitos Humanos peruana. 
 
Diante da instabilidade política e da violência nas ruas, o atual líder do Congresso, Luiz Valdes, chegou a pedir a renúncia do presidente Manuel Merino, da Ação Popular -- o que aconteceu neste dia 15.

:: Protestos populares denunciam golpe parlamentar da direita no Peru :: 

O que dizem os protestos

Os manifestantes que ocupam as ruas afirmam que a retirada de Vizcarra foi um golpe e seguram cartazes com os dizeres "Merino não é meu presidente". 

Os atos denunciavam, entretanto, que o interesse dos parlamentares em destituir Merino era o de blindá-los de investigações em casos de corrupção e criar mecanismos para manterem-se na Casa Legislativa. 

Outra questão central é que os ativistas fazem questão de reforçar que Vizcarra deve ser investigado e que a mobilização popular não é em defesa de sua inocência, mas sim contra o processo protagonizado por setores corruptos do Congresso.

A queda de Vizcarra se somou a uma série de destituições e acusações de corrupção que protagonizaram a conturbada conjuntura política peruana nos últimos anos. 

O pedido de impeachment foi apresentado em outubro pelos parlamentares opositores, após a imprensa divulgar depoimentos de colaboradores do Ministério Público que denunciaram o suposto pagamento de propina a Vizcarra pela construtora Obrainsa, em troca da licitação de uma obra de irrigação quando o político era governador de Moquegua, região do Sul do Peru. 

A acusação faz parte da investigação do chamado “Clube da Construção”, como é denominado o esquema de empresas do setor que atuaram como cartel e dividiram as licitações de obras públicas entre 2002 e 2016.

Diversos meios de comunicação publicaram trechos de mensagens entre Vizcarra e um ex-ministro, nas quais eles supostamente discutem um encontro com executivos das empresas de construção envolvidas com os atos ilícitos.

O Peru está a cinco meses das eleições nacionais, previstas para abril de 2021, e há um temor popular de que o pleito tenha risco de não acontecer. Em seu juramento de posse, porém, Manuel Merino garantiu que haverá novas eleições presidenciais no próximo ano e prometeu “imparcialidade nos processos eleitorais”. 


Atos têm sido duramente reprimidos pelas forças policiais desde a destituição de Vizcarra na semana passada / Foto: Ernesto Benavides/AFP

OEA

Além dos ministros da atual gestão que renunciaram recentemente, outros ex-chefes de pastas ministeriais também denunciam a "violação da ordem democrática". Em documento com 42 assinaturas publicado nessa sexta (13), eles pediram que a Organização dos Estados Americanos (OEA) envie uma missão especial para acompanhar a crise política no país.

Os autores declararam, assim como os manifestantes, que não estão defendendo Vizcarra, mas expondo uma "decisão arbitrária" do Congresso. 

Os ex-ministros classificaram o governo de Manuel Merino como ilegítimo e realçaram que os grupos de poder que fomentaram a vacância da presidência querem se apropriar de recursos destinados às próximas eleições no país.


Manifestantes que denunciam golpe de Estado aplicado por parlamentares da direita peruana têm sido duramente reprimidos pela polícia / Ernesto Benavides/AFP

Histórico conturbado

Vizcarra estava no cargo desde 2018, quando assumiu diante da renúncia de Pedro Pablo Kuczynski, de quem era vice-presidente. Justamente por isso, neste momento não há um substituto direto e o cargo é ocupado pelo presidente da Casa Legislativa.

O político conhecido como PPK também foi acusado de corrupção e atualmente cumpre prisão domiciliar. Ele é investigado pelo recebimento de pagamentos irregulares da empreiteira brasileira Odebrecht quando trabalhava na gestão de Alejandro Toledo (2001-2006), ex-presidente processado pelo mesmo caso.

Além de Vizcarra, PPK e Toledo, os ex-mandatários Alan García (1985-1990 e 2006-2011) e Ollanta Humala (2011-2016) também foram acusados de participação em esquemas de corrupção.

O agora ex-presidente Manuel Merino é um tradicional adversário do fujimorismo e pouco conhecido nacionalmente. Engenheiro agrícola e pecuário, construiu sua trajetória política atuando em defesa desses setores de forma discreta.

Na sequência de seus antecessores, o político também é investigado por tráfico de influência. 

Sua irmã, Elma Merino de Lama, foi contratada para um projeto do governo sobre saneamento rural e seu irmão, Marco Antonio Merino, é proprietário de uma fornecedora de insumos agrícolas ao Ministério da Agricultura. O ex-mandatário nega participação nas contratações.

Edição: Rogério Jordão