Depois de encerradas as eleições municipais, em 29 de novembro, os holofotes da cena política nacional se voltarão à disputa pela presidência da Câmara dos Deputados, em fevereiro. E o tema é motivo de preocupação para o governo de Jair Bolsonaro.
O “poder de agenda” de quem comanda a Casa pode ajudar ou não o governo no trâmite de seus projetos em 2021, além de caber ao presidente da Câmara dar andamento – ou não – a eventuais processos de impeachment.
Na atual conjuntura, o nome mais cotado a ocupar o cargo será do deputado que se comprometer com a autonomia do Legislativo frente ao governo Bolsonaro, assumindo o compromisso de independência em relação ao Executivo.
Não por acaso, ainda durante o processo de votação nas eleições deste domingo (15), o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, deu uma indicação, ao comentar a influência negativa do apoio do Presidente da República a candidaturas a prefeituras de importantes cidades do país. “Havia em 2018 um sentimento que ele acabou representando (em 2018), mas não necessariamente era a base dele”, disse Maia. “A base dele sempre foi, até o momento da facada, e até o voto útil (contra o PT), um candidato de 18%, 20%. A avaliação positiva era perto disso, com 23%, 24% de ótimo e bom”, lembrou Maia.
Em 2020, o Bolsonaro que se colocou como representante da antipolítica percebeu que tinha que fazer o jogo que dizia abominar e cedeu ao acordo com o Centrão que lhe deu fôlego no Legislativo.
Péssimo cabo eleitoral
Com as derrotas dos seus candidatos nas eleições municipais, em que se destaca a derrocada de Celso Russomanno (Republicanos) em São Paulo, a tendência de a Câmara eleger um deputado que se mantenha estrategicamente distante do governo se acentua. Fori emblemática também a baixa votação recebida pelo atual prefeito do Rio, Marcelo Crivella, também do Republicanos, apesar de este ter passado para o segundo turno.
Russomanno chegou apenas em quarto lugar na capital paulista, com 10,50% dos votos válidos, e Crivella, com 21,90%, ficou muito atrás de Eduardo Paes (DEM), que obteve 37,01% e é favorito no segundo turno.
:: Oposição critica projeto de Maia que muda regimento da Câmara: "Lógica policialesca"::
A conjuntura favorece o candidato que se comprometer com uma posição de centro e ao mesmo tempo de distância do governo na Câmara, na avaliação de Antônio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
“Como Bolsonaro saiu derrotado nas eleições, o que já era uma tendência passa agora a ser inexorável”, na avaliação do analista. “O candidato alinhado ao governo não terá chance mesmo que se articule internamente na Casa. Os partidos, de modo geral, querem distância desse alinhamento.”
Quatro nomes
Hoje, quatro nomes se colocam como protagonistas na disputa, dos quais se destaca o deputado Baleia Rossi (MDB-SP), que deve ter o apoio nada desprezível do atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Arthur Lira (PP-AL), líder do Centrão, disputa a indicação dentro de seu partido com Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). Este último é o preferido de Maia, mas não tem força para derrotar Lira na bancada. Se Lira vencer a disputa contra Ribeiro, o atual presidente da Câmara deve apoiar Baleia Rossi.
Marcos Pereira (Republicanos-SP) corre por fora mas, para Queiroz, o parlamentar tem dois problemas. Primeiro, seu alinhamento com os Bolsonaro. Ele é do mesmo partido do senador Flávio Bolsonaro. Em segundo lugar, é ligado à Igreja Universal do Reino de Deus, de Edir Macedo. Além de tudo, está no primeiro mandato.
Dois ministros de Bolsonaro também foram cogitados como apostas para disputar a presidência da Câmara: Fabio Faria (PSD) e Tereza Cristina (DEM). Ambos se licenciaram da cadeira na Câmara para assumir o Ministério das Comunicações e da Agricultura, respectivamente. Mas é virtualmente impossível que um acordo político viabilizasse uma candidatura, para a presidência da Câmara, de um ministro de Bolsonaro.
“Poder de agenda” e impeachment
Além de ter sido derrotado nas eleições municipais, Bolsonaro e o grupo palaciano têm motivos para preocupações com o comando da Câmara, uma vez que o chamado “poder de agenda” do presidente da Casa pode definir o próprio mandato presidencial. Cabe a ele autorizar a abertura de um processo de impeachment.
Hoje preso, o deputado Eduardo Cunha, à época no PMDB-RJ, autorizou, em 2 de dezembro de 2015, a abertura do processo contra a presidente Dilma Rousseff.
:: Mais de mil organizações entregam pedido de impeachment de Bolsonaro ao Congresso ::
Quase um ano e meio depois, já como presidente da República, Michel Temer reconheceu, em entrevista à Band, que Cunha só deu andamento ao impeachment porque parlamentares do PT – Léo de Brito (AC), Valmir Prascidelli (SP) e Zé Geraldo (PA) – se recusaram a votar por sua absolvição no Conselho de Ética da Câmara.
Como resultado do processo, ironicamente, Cunha foi cassado em setembro de 2016, menos de um mês depois de Temer ser empossado definitivamente como presidente. Em março de 2017, Cunha foi condenado pelo juiz Sergio Moro a 15 anos e quatro meses de prisão por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão fraudulenta de divisas.