Coluna

Tenório e suas manias

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Ouça o áudio:

"Ô, cara! É a beterraba. Viu o tanto de beterraba que você comeu?" - Reprodução
Para terem ideia de como ele era, conto uma historinha

Tive um colega de trabalho chamado Tenório que era cheio de manias. Uma era mania de doença, e gostava de parecer sofredor. Se estivesse vivo ainda, nem imagino seu comportamento confinado nesta pandemia.

Para terem ideia de como ele era, conto uma historinha.

Por causa de uma gastrite, um médico lhe recomendou uns dias de dieta, comendo apenas filé na chapa, mamão e leite. E suas refeições, todas, mas todas mesmo, passaram a ser filé com mamão (simultaneamente, no mesmo prato) empurrados goela abaixo por um copaço de leite gelado.

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Teve várias outras doenças, mas nem falava da gastrite.

Cinco anos depois, continuava comendo filé com mamão e leite, pois nunca voltou ao médico da gastrite.

Mas nos restaurantes fazia todo um ritual para pedir seu prato de todos os dias. Pedia ao garçom informações detalhadas sobre uma meia dúzia de pratos:

— O que é camarão à grega?

O garçom explicava, explicava, e ele:

— Não quero isso não.

Dali a pouco chamava o garçom de novo:

— O que é frango à cubana?

O garçom explicava, explicava, e ele não queria. Assim ia, até que enfim pedia ao garçom um filé na chapa, com mamão. E um copo de leite gelado, duplo.

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Estávamos trabalhando em Itu e um dia consegui convencer o Tenório a comer beterraba. Disse que era “uma beleza para gastrite”. Comeu e achou delicioso. Também, para quem há anos não comia nada além de filé com mamão, qualquer novidade era uma delícia. Mandou ver. Comeu beterraba aos montes.

À noite, eu estava no meu quarto no hotel, e bateram forte na porta. Era o Tenório, pálido e trêmulo, e tivemos o seguinte diálogo:

— Estou com aquela doença...

— Que doença?

— Aquela que não tem cura...

— Há um monte de doenças que não têm cura, pô.

— Aquela que começa com c...

— Câncer?

— Não fala essa palavra!

Apesar de ser sociólogo era extremamente supersticioso. Achava que falar a palavra câncer atraía a doença.

Perguntei:

— Por que você acha que está com câncer? - insisti em repetir a palavra.

— Fui ao banheiro... Saiu tudo vermelho... Sangue...

— Vixe! Cê tá ferrado! - falei com maldade. - É morte certa!

Ele tremeu mais ainda. Espezinhei um pouco mais até ver que ele podia morrer ali na minha frente. Aí falei:

— Ô, cara! É a beterraba. Viu o tanto de beterraba que você comeu?

Tive que insistir no “diagnóstico”, ele continuava com medo, pálido. Foi difícil. Enfim foi dormir. No outro dia estava bom, mas voltou a comer só filé com mamão e leite.

Edição: Leandro Melito