Deputados estaduais do Rio de Janeiro conseguiram, na última terça-feira (17), pressionar a presidência da Assembleia Legislativa do Estado do Rio (Alerj) para que fosse retirada de pauta a votação do Projeto de Lei 676/2019, que trata sobre a elaboração de uma política sobre drogas para o estado.
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Autora de um parecer que demonstrou a fragilidade do projeto do deputado Márcio Pacheco (PSC), a deputada Mônica Francisco (Psol) afirmou que a proposta reproduz a lógica da política de drogas do governo Jair Bolsonaro (sem partido) que passou a ter a abstinência dos usuários, e não mais a redução de danos, como foco.
"Além disso, destaca-se também a previsão de fortalecimento das Comunidades Terapêuticas, as quais deverão receber maior incentivo, tanto social quanto financeiro, do governo", escreveu a parlamentar, em referência ao decreto 9.761/2019, assinado por Bolsonaro.
O parecer traz também a opinião de especialistas, pesquisadores e profissionais que atuam na saúde mental e que são contrários à lógica que guia a nova política nacional sobre drogas, como a professora da Universidade de Brasília (UnB) e coordenadora do centro de referência sobre drogas e vulnerabilidade associadas, Andrea Gallassi.
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"A opção pelas comunidades terapêuticas são uma medida religiosa, sem equipes de saúde, baseada em trabalho e oração, e equivocada
em termos científicos”, afirma a pesquisadora em depoimento colhido para o relatório apresentado na Alerj.
Em entrevista ao Brasil de Fato, a deputada Mônica Francisco reiterou a avaliação do psicólogo Bruno Logan, que atua na redução de danos. Para ele, a aprovação da medida na Alerj representaria "30 anos de retrocesso", já que "em quase todos os lugares do mundo estamos discutindo legalização e descriminalização e agora, aqui, estamos discutindo tratamento forçado".
Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato: Que fatores foram decisivos para a derrubada do projeto de lei?
Mônica Francisco: O projeto afirma de maneira contundente que a única forma de tratamento é a abstinência. Essa única forma não contempla a diversidade e não pode, portanto, ser utilizada para qualquer problema relacionado ao uso abusivo de drogas. O projeto de lei desconsidera a especificidade dos problemas mais concretos.
A opção pelas comunidades terapêuticas é uma medida religiosa, e não de saúde.
Que contradições existem no projeto de lei do deputado Márcio Pacheco (PSC)?
Ele descarta 30 anos de luta antimanicomial, de política construída e consolidada no âmbito da saúde pública. Descarta a construção de uma politica de atenção psicossocial, de produção de uma integralidade da assistência, entendida como um conjunto articulado de ações que visam inclusive a saída do confinamento. Ele descarta o debate sobre a ampliação do tratamento incluindo usuários, a produção de pesquisa sobre o assunto.
Como você vê a ação de algumas comunidades terapêuticas e que tratamento deve ser dado a elas?
O problema não é elas existirem, até porque quem vive em favelas e periferias sabe o quanto as comunidades terapêuticas ligadas a setores religiosos são um auxílio para muitas famílias. Mas elas não podem de maneira nenhuma ser financiadas pelo poder público. E não podem ser a única solução, a única porta de saída para um mal tão grande como é o uso abusivo de drogas. Além disso, as CTs têm que ser alvo de monitoramento e fiscalização por parte do Estado.
Quais são as linhas gerais de um projeto mais afinado a uma política progressista sobre o tema?
Um projeto que tenha diálogo com a comunidade científica que está pesquisando e pensando sobre esse tema, que tenha diálogo com os usuários do sistema de saúde nas áreas de atenção psicossocial. Esse projeto deve focar na distinção entre usuários e narcotraficantes, no que é política de segurança pública e no que é política de assistência social. E não pode prescindir do poder público e do fortalecimento do orçamento público e da proposta mais humanizada com a população em situação de rua.
A saída é coletiva, porque não existem saídas fáceis.
Há no horizonte a perspectiva de apresentação de um novo projeto de lei?
Não há essa perspectiva, mas sim o esforço por parte do campo progressista da Alerj que vem atuando na produção de emendas ao projeto para que ele atenda as questões problemáticas que ele apresenta e que geram risco, tensão e estigmatização das populações pretas e pardas.
Fonte: BdF Rio de Janeiro
Edição: Mariana Pitasse