Crescida em Venda Nova, moradora do Barreiro e bilheteira do metrô. Iza Lourença, do PSOL, foi eleita vereadora de Belo Horizonte com quase 8 mil votos. Com 27 anos, Iza tem uma trajetória no movimento estudantil e, recentemente, passou a compor a direção de base do Sindicato dos Metroviários de Minas Gerais (Sindimetro).
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É negra, feminista e promete construir um mandato coletivo e comprometido com as lutas populares da cidade. Nesta entrevista, ela fala sobre sua campanha e os desafios de ser mãe na política. Ela também avalia a composição da Câmara Municipal, a gestão do prefeito Alexandre Kalil (PSD) e aponta perspectivas para o seu mandato. Confira:
Brasil de Fato MG – Qual é sua trajetória política?
Iza Lourença – Começou no movimento estudantil da UFMG. Entrei no curso de jornalismo com 17 anos e comecei a participar das manifestações contra o aumento da passagem, em defesa da educação. Participei do Centro Acadêmico, do Diretório Acadêmico da Fafich (Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas), fui coordenadora geral do Diretório Central da UFMG. No movimento estudantil, a gente não se restringia à pauta da universidade, mas discutíamos a cidade como um todo, impulsionando movimentos e coletivos feministas antirracistas, LGBTs.
Em 2017, entrei no PSOL e em 2018 fui candidata à deputada estadual. Tivemos uma votação muito boa, surpreendente, foram 2500 votos e fiquei na segunda suplência do partido. Quando acabou a eleição, decidimos aglutinar a força que a gente havia construído para ter projetos mais voltados para as comunidades e periferias, porque o nosso povo não deve continuar votando em um projeto que é contra a gente.
Minha campanha teve um peso forte no Barreiro e em Venda Nova onde moro e onde cresci
Aí comecei a construir aqui no Barreiro, onde moro, o cursinho popular Consciência Barreiro, que é um projeto de educação popular voltado para jovens da periferia, que prepara o Enem – tivemos aprovados na UFMG, UEMG, PUC, UFOP – e propicia discussões na sala de aula para potencializar uma formação da vida, de autoidentificação, de autopercepção e consciência sobre si mesmo. Neste ano, com a pandemia, tivemos que fazer as aulas remotamente.
Ao mesmo tempo, decidimos impulsionar uma campanha de solidariedade chamada BH Fica em Casa, que tem atuado para fortalecer as mulheres e, principalmente, as mães, jovens das comunidades do Barreiro. A gente organiza doação de fraldas, absorventes, roupas de bebê e várias outras coisas.
É nessa bagagem que eu cheguei como candidata a vereadora neste ano, fazendo uma campanha que teve um peso forte no Barreiro e em Venda Nova, onde eu cresci, onde mora toda minha família e onde morei até os vinte e poucos anos. Nossa campanha também foi voltada às pessoas progressistas da cidade que estão a fim de enfrentar o bolsonarismo, a política de ódio, e fazer uma política por direitos sociais.
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A campanha reuniu mais de 500 pessoas em oito seminários, durante a pré-campanha pra elaborar as propostas, as demandas, pensando nos temas da educação, das juventudes, das periferias, das mulheres, das LGBTs, da saúde. Fizemos um seminário antirracista. A gente buscou reunir ativistas de diversos movimentos sociais isso fez a gente ser vitorioso.
Foi uma campanha que, por mais que esteja o meu nome como vereadora, é realmente coletiva, construída com muitas mãos. Foi muita gente batalhando pra que nossas ideias chegassem à Câmara Municipal.
Você é jovem e mãe. Quais desafios você já enfrentou na campanha? Pensando que a política não é considerada um espaço para as mulheres.
A política exclui as mulheres mães e, consequentemente, exclui as mulheres. A gente está numa sociedade extremamente machista, em que o peso do cuidado dos filhos recai mais sobre as mulheres. A gente vê os homens fazendo campanha e ninguém sabe se ele tem ou não filho. Isso não faz parte da vida política de um homem, porque ele não precisa abrir mão de nenhum compromisso para ficar com o filho.
Nessa campanha, desde que engravidei, a gente já falou que ia precisar criar uma grande rede de apoio que, obviamente, passa pelo meu companheiro, que é professor da rede estadual. Ele cumpriu um papel muito importante para que eu pudesse me dedicar à campanha. Mas não só ele, foi preciso muita gente para ajudar nossa família.
Mesmo assim, foi muito desafiador, porque não era possível estar na rua com a quantidade de tempo que outras candidaturas poderiam. Eu precisei estar mais em casa, a minha filha tem 11 meses e eu a amamento.
É muita força a gente poder contar com uma bancada de esquerda 100% feminina
E foi importante contar com as pessoas nas ruas por mim, eu senti muito isso. As pessoas falavam assim "Iza, você não pode estar os três turnos na rua, mas eu vou estar lá por você". As pessoas se empenharam muito em estar na rua, conversando, explicando que a nossa candidatura era coletiva, pedindo voto, isso foi muito bonito. A gente conseguiu transformar esse desafio em potência, cada um se sentiu responsável.
Com o mandato, vamos ter mais desafios. A Áurea, que também é mãe, foi questionada se ela daria conta de governar a cidade tendo um bebê. E uma coisa não tem nada a ver com a outra. Obviamente, precisamos de todo o apoio que o Estado deveria garantir para todas as mulheres, como educação em tempo integral.
O questionamento existe, mas estaremos lá para mover essa estrutura, para falar “sou mãe e esse espaço precisa ser acolhedor também para as crianças”. Estarei junta com a Duda Salabert, que é mãe recente, com Sônia Lansky, que é ativista pelo direito das mães. Sem contar a Bella e a Macaé que são nossas aliadas.
E como você avalia a composição da Câmara que toma posse em janeiro?
Primeiro, é muita força a gente poder contar com uma bancada de esquerda 100% feminina. Isso demonstra que existe um clamor por renovação e por mulheres na política. Saímos de uma Câmara que tinha 41 vereadores e, desses, quatro mulheres, para uma Câmara com 11 mulheres, quase o triplo. Isso é significativo e sinal de que as mulheres não querem mais ser sub-representadas.
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A grande questão é que das 11, temos cinco mulheres progressistas, quatro delas em partidos de esquerda. Vai ser um desafio a gente fazer o nosso feminismo lá na Câmara de fato popular, uma presença feminina para o nosso povo, para quem batalha, para quem trabalha para fazer a cidade funcionar e para quem não vai aceitar a retirada de direitos.
Para isolar a extrema direita, o maior problema são os partidos que se dizem de centro
Perdemos uma cadeira do PCdoB, mas tivemos a entrada da Duda (PDT) que é uma pessoa reconhecida pelo combate à extrema direita e ao fascismo. E este também é um desafio, precisamos isolar a extrema direita, o que não é fácil.
Ainda que não tenhamos muitos bolsonaristas eleitos, temos o Nikolas Ferreira (PRTB) que vai fazer de tudo para polarizar com a gente, pois foi esse o tom que ele usou na campanha. Avalio que, para isolar a extrema direita, o maior problema são os partidos que se dizem de centro, pois, no fim das contas, eles têm demonstrado um alinhamento à direita e a extrema direita, para surfar na onda bolsonarista. Isso aconteceu na defesa do projeto da escola sem partido, quando barraram o projeto que discutiria o feminicídio.
Por mais que mudaram os nomes, os partidos continuaram. E ainda vai ter a entrada do Novo, com três cadeiras. A gente tem visto pela gestão do Zema um alinhamento ao bolsonarismo e à extrema direita.
Como você vê a alta votação que o Nikolas Ferreira recebeu?
A extrema direita se unificou em torno do nome dele. Mas eu não vejo essa eleição como fortalecimento do bolsonarismo, se a gente compara com 2018, que bastava a pessoa dizer que se alinhava ao bolsonarismo que ela entrava com muito mais peso, isso pelo Brasil inteiro.
Não vejo que os candidatos bolsonaristas decolaram, ainda que ficou evidente que eles têm força, tanto é que o Bruno Engler (PRTB) conseguiu uma votação expressiva. Ao mesmo tempo, eu acho emblemático que a Duda tenha tido uma votação enorme, com mais de 8 mil votos à frente do Nikolas.
Kalil vai querer disputar o governo do estado
Nessa polarização que existe, nosso campo está melhor posicionado do que estava há dois anos. Ainda que a situação esteja difícil, precisamos reconhecer que a gente pode avançar, pode virar o jogo.
E o PDT entrou com três representantes.
O PDT é uma incógnita para mim. Temos parlamentares alinhados a bancadas progressistas, assim como temos nacionalmente parlamentares alinhados à retirada de direitos e ate à extrema direita, como em São Paulo. O que temos de positivo disso é que a mais votada, a Duda, é alinhada a luta antifascista e isso pra gente é um motivo pra comemorar.
E entre as quatro de partidos de esquerda, duas são negras: você e a Macaé. Como você vê essa composição?
Nós saímos de uma Câmara que não tinha nenhuma mulher negra, desde que Áurea foi eleita. Em 2016, elegemos somente uma mulher negra, e agora elegemos duas. Óbvio que a gente gostaria de muito mais, queríamos ter 27% de mulheres negras na Câmara Municipal, porque as mulheres negras são 27% da população belorizontina. Ter dobrado é um motivo de comemorar também.
Para mim, é muito importante estar lá junto com a Macaé, porque ela tem uma trajetória no movimento negro. Temos duas gerações de mulheres negras na Câmara e essa integração pode ser decisiva pra gente começar a colocar o movimento negro em outro patamar em Belo Horizonte.
Não quero mais aceitar que o 20 de novembro não seja marcado por uma grande marcha
Não quero mais aceitar que o 20 de novembro não seja marcado por uma grande marcha. Quero que essa data seja marcada com o movimento negro unificado na rua, eu quero estar junto com o movimento para pautar que o 20 de novembro, inclusive seja feriado. Unir gerações, comigo e com a Macaé, vai nos dar força para a gente poder fazer uma política antirracista na cidade.
E o prefeito Alexandre Kalil (PSD) se reelegeu no primeiro turno. Qual avaliação você faz da sua gestão?
Não foi um dos piores prefeitos do Brasil, porque estamos partindo de um patamar muito baixo, em que as cidades para enfrentar a pandemia se alinharam a defesa do lucro em detrimento da vida.
O Kalil, pelas ações que tomou aqui, conseguiu deixar BH numa situação menos problemática que outras capitais do país. Isso fez, em minha opinião, ele ter um desempenho vitorioso nessa eleição. Ele também tem o jeito de falar que é muito bem visto pelas pessoas, um jeito mais popular. Mas é uma gestão com muitos limites e muitas contradições. No início, a Prefeitura bateu e reprimiu os vendedores ambulantes, teve vários enfrentamentos com os servidores públicos municipais, principalmente com a categoria da educação.
A gente gostaria que tivesse tido segundo turno, com a Áurea, para poder pautar uma cidade pra todo o nosso povo.
A minha perspectiva é que ele vai querer disputar o governo do estado e vai buscar fazer uma gestão com uma popularidade alta. A gente viu acontecer quando ele colocou uma obra gigantesca na Avenida Vilarinho para poder dizer que está combatendo as enchentes, uma obra não vai resolver o problema.
Isso é característico de prefeituras populistas, como é a do Kalil, com políticas imediatas para ganhar popularidade, mas não contempla as soluções que a nossa cidade precisa.
E sobre a Gabinetona, qual a perspectiva do seu mandato?
Estamos com uma nova configuração e a gente vai trabalhar para pensar como será a aparição pública. O projeto político da Gabinetona continua, que é popular, inclusivo, coletivo. Para o mandato, eu penso que deve ser alinhado aos movimentos sociais, como eu disse, da campanha até aqui, construímos propostas de forma coletiva, com pessoas, com ativistas, com quem quis colar junto, quero seguir a mesma trajetória, com um mandato aberto, com participação popular.
Acho que a estrutura do mandato faz sentido se ela for um espaço permanente de mobilização popular, em que os movimentos se sintam à vontade para procurar e que eles possam contar com a nossa força lá dentro. A gente quer fazer um mandato que seja porta voz das lutas populares, junto aos sindicatos, aos coletivos da cidade, para a gente poder pautar a cidade com quem pauta todos os dias as lutas populares.
Quero que o mandato seja apenas um instrumento para ecoar a voz das lutas populares, para a gente fazer com que as nossas pautas do dia a dia se transformem em projetos de lei. Quero trabalhar muito para unificar a bancada progressista para atuar contra o fascismo na Câmara.
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Fonte: BdF Minas Gerais
Edição: Rogério Jordão e Elis Almeida