Com queda significativa de prefeitos eleitos em primeiro turno nas eleições municipais (quadro abaixo), o PSDB colhe os frutos de sua estratégia equivocada de 2016 – quando abraçou a ideia do impeachment de Dilma Rousseff – e de 2018, ano em que algumas de suas principais lideranças, com destaque para o atual governador paulista, João Doria, se uniram à campanha de extrema direita de Jair Bolsonaro.
Em 2020, o partido do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – além de Aécio Neves, Geraldo Alckmin e José Serra, entre outros – elegeu, no primeiro turno, 512 prefeitos, 35% a menos do que os 785 de quatro anos atrás.
Embora esteja em quarto lugar entre as legendas que mais elegeram prefeitos, o partido dos tucanos confirma a tendência e assiste a própria queda, transformando-se em um partido regional, de São Paulo, deixando o protagonismo nacional. De que lado estarão os tucanos a partir de agora?
A legenda terá agora de dialogar com outras forças que despontaram nas eleições com mais capital politico, com destaque para PSD, DEM e PP, que ocuparam o espaço do “centro” (centrão), na opinião do cientista político Vitor Marchetti, da Universidade Federal do ABC (UFABC).
Ele classifica esse conjunto partidário de “uma nova Arena”, em referência à Aliança Renovadora Nacional, que dava uma face institucional aos governos militares no regime iniciado em 1964.
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Como abandonou o espaço que ocupava no espectro político até as eleições de 2014, quando transitava do centro a uma direita até então civilizada, o PSDB viu esse espaço se fechar. Tornou-se inevitável que agora ocupe alas exclusivamente à direita.
Cenários de três frentes
Em 2020, na avaliação de Marchetti, consolidou-se um cenário com três frentes políticas. Do bolsonarismo, caracterizado pela “não organicidade”, de extrema direita e fragmentada – o que ficou visível nas eleições –, mas que tem capital político não desprezível. A segunda força é a “nova Arena”, abrangendo o centrão, a direita, PSD, DEM e PP, com promessa de adesão até do Republicanos. A terceira força é a esquerda, com a liderança do PT.
A derrocada do PSDB se anunciou nas eleições presidenciais de 2018, quando configurou-se um vácuo no espectro político de centro-direita com a polarização das candidaturas do PT e de Bolsonaro, impulsionado pela onda antipetista.
O então postulante dos tucanos, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, atingiu naquele pleito 4,76% dos votos válidos, marca irrisória para uma legenda que desde 1994 disputava o segundo turno com o PT.
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O que causou o vazio no centro da política brasileira? O que aconteceu com os tucanos? “A questão é multifatorial”, diz Marchetti.
“PSDB e MDB apostaram na implosão do governo petista, por achar que ocupariam o centro moderado, mas ao implodir o governo petista, flertando com a ruptura institucional, abriram caminho não para a moderação, e sim para a radicalização. Acabaram ficando a reboque do bolsonarismo. O ‘Bolsodoria’ foi fruto dessa conjuntura", aponta.
Tucanos sem espaço
Na opinião do cientista político, Doria radicalizou o discurso fazendo eco com estratégias extremamente equivocadas.
“E agora, quando tentam se afastar do bolsonarismo, veem o centro moderado já ocupado. PSDB e MDB acabaram sendo derrotados por terem patrocinado o golpe de 2016. Quando voltam a esse centro, não participam mais como protagonistas, como imaginavam em 2016.”
Qual o espaço do PSDB a partir de agora? Se não compuser com nenhuma das três frentes (o bolsonarismo, a “nova Arena” ou a esquerda), o partido teria que abrir uma quarta frente.
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“Mas sozinho ele não consegue. Só vejo uma composição possível dos tucanos com essa nova Arena. Ou então caminhar para próximo de PSB e PDT, como uma alternativa de centro a centro-esquerda moderada. Mas não aposto nisso. O PSDB agora tem que pagar o pedágio a esses partidos – DEM, PP e PSD – que ocuparam o espaço de uma direita mais institucional e sistêmica.”
Os três partidos principais do grupo que Marchetti classifica como “nova Arena” deram um salto significativo em prefeituras conquistadas. O PP foi de 495 a 682 eleitos. O PSD, de 537 a 650. Já o DEM, principal legenda de apoio aos governos de Fernando Henrique Cardoso, ampliou os eleitos em primeiro turno de 266 para 459, um crescimento de 72%.
E a esquerda?
“A esquerda agora é mais multicêntrica, com PSOL e PCdoB disputando importantes capitais”, anota o cientista. Em Porto Alegre, Manuela D´Ávila (PCdoB) está no segundo turno contra Sebastião Melo (MDB).
Já o PSOL, com Guilherme Boulos, disputa a prefeitura da maior cidade da América do Sul, e Belém, com Edmilson Rodrigues apoiado pelo PT. O partido de Manuela caiu de 80 para 46 prefeitos eleitos, enquanto a legenda de Boulos dobrou, de dois para quatro.
Daqui para frente, para o professor da UFABC, o PT (que caiu de 254 para 179 prefeituras) vai ter que se reposicionar no campo da esquerda, compondo um conjunto sólido com PSOL e PCdoB. “Ainda não dá para saber como esse campo da centro-esquerda vai ser povoado. Precisamos ver como será a disposição de PSB e PDT dentro desse espectro”, diz.
Apoios
Assim como o PT, o PDT anunciou, nesta quarta (18), que apoiará a candidatura de Boulos no segundo turno em São Paulo, mas o anúncio oficial será na sexta (20). O partido de Ciro Gomes também vai apoiar Manuela em Porto Alegre, segundo Juliana Brizola, que disputou a eleição e chegou em quarto lugar.
Ciro Gomes manifestou apoio a Manuela, pelo Twitter. “Todos que pudermos estar juntos para derrotar o Bolsonarismo corrupto e antipovo! Boa sorte, @ManuelaDavila! Boa sorte, brava gente gaúcha de Porto Alegre”, escreveu.