O estado do Amapá chega ao 19º dia de apagão. Além dos problemas com a energia elétrica, que tem funcionado em sistema de rodízio, os prejuízos financeiros e a privação de direitos básicos, o número de novos casos e óbitos da covid-19, no estado, são alarmantes.
Segundo dados do Conselho Nacional de Saúde (Conass), o Amapá tem 55.885 casos confirmados da covid-19 e 785 óbitos. Na semana do dia 1º ao dia 7 de novembro foram registrados 802 casos da doença. Já na semana do dia 8 ao dia 14 de novembro – quando a população já vivenciava o apagão – foram confirmados 2.006 casos, um aumento de mais de 250%. O acumulado é o mais alto desde julho, no estado.
Quanto ao número de pessoas que morreram em decorrência da covid-19, na semana de 1º a 7 de novembro foram registrados 4 óbitos, enquanto que na semana do dia 8 ao dia 14 de novembro, 26, totalizando um aumento de 600%. A última vez que o estado registrou alta na mesma proporção foi na semana do dia 23 ao dia 29 de agosto.
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O Brasil de Fato conversou com o presidente do Conselho estadual de Saúde do Amapá, Kliger Campos sobre a situação da covid-19 no estado. Confira abaixo a entrevista.
Brasil de Fato: Os dados do Conass apontam dados alarmantes da covid-19. Como está a situação nos hospitais?
Kliger Campos: Realmente. Nós tivemos um crescimento dos casos de coronavírus e observamos um aumento significativo nos postos de saúde, uma aglomeração que não tinha nas semanas anteriores.
A procura começou a aumentar assim de forma gradativa, haja vista que havia um movimento muito grande na cidade, devido ao período eleitoral. De certa forma, estava "tudo liberado" e as pessoas também não estavam tomando o devido cuidado, essa é a grande verdade. Foram feitos grandes comícios, grandes aglomerações, carreatas, bandeiradas.
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Percebemos o aumento no Hospital de Emergência Osvaldo Cruz e nas unidades básicas. Estamos com esse aumento bem grande e, infelizmente, os nossos centros de covid foram desativados.
Nós tínhamos três centros de covid em Macapá, que foram desativados e ficamos apenas com o Hospital Universitário - UNIFAP, que foi cedido ao governo do estado e ao governo federal para atender pacientes do coronavírus. Nos temos disponíveis 188 leitos, sendo que 144 destes já estão lotados. Estamos em uma faixa mais ou menos de 80% de ocupação relacionado às internações hospitalares, leito de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), clínica.
Veja bem que você tem poucos leitos a mais disponíveis. Claro que temos como abrir mais leitos, mas do hospital mesmo em si, já está se exaurindo.
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Isso já era de se esperar, porque não temos vacina e a população tem que tomar consciência. Enquanto não tiver vacina, o vírus vai estar no meio da gente.
Como ficou o atendimento nessa época agora do apagão?
Eu trabalho em dois hospitais do estado, o Hospital de Clínicas Doutor Alberto Lima e em uma Upa de Pronto-Atendimento. Essas unidades foram pegas de surpresa com o apagão. Nem a gente que mora no Amapá, nem os amapaenses esperavam que não tivesse um gerador que pudesse dar um suporte.
Além disso, também não sabíamos que dos três geradores, que deveriam estar funcionando alguns estavam em manutenção havia nove meses. Logo, pegou de surpresa os hospitais, foi um corre corre nos atendimentos, porque os geradores só são usados quando a energia de vez em quando vai embora, não por um apagão dessa magnitude.
Então, prejudicou muito o atendimento, mas a secretaria de saúde está se esforçando para abastecer as unidades, que têm gerador à óleo diesel para que o atendimento não seja ainda mais prejudicado, mas apesar disso, faltou água em algum momento, a energia ficou instável e não era uma energia que pudesse atender de fato.
Assim, algumas cirurgias foram suspensas e até no próprio Centro de Covid faltou energia. Algumas pessoas tiveram que voltar do atendimento dizendo "Cheguei lá e o atendimento estava todo no escuro".
Nesse momento a gente sente a falta de sensibilidade do governo do estado porque tem uma frase: eles sabiam de todo o problema, então, são coisas previsíveis, que poderiam ter sido evitadas.
A gente vive um momento muito crítico em todo o estado, as unidades de saúde estão lotadas, a capacidade está se esgotando. A gente não estava tendo número de óbitos, você praticamente não via pessoas nas unidades básicas de saúde. Com o apagão piora muito, porque você não tem água, você tem é escuridão, calor, falta água potável, porque faltou água potável. Pessoas se aglomeravam em filas para pegar água, para ir atrás de alimento, atrás de combustível. Então isso foi um fator importante para esse aumento.
Tens conhecimento de como está a situação do banco de leite e de sangue? Como essas instituições ficaram com o apagão?
Aqui no estado nem todas as unidades têm o gerador próprio. Deveriam, mas não têm. A maternidade tem o gerador próprio, o medo foi de que queimassem as geladeiras, porque são várias, mas no sentindo de leite materno nós não tivemos acesso até o momento se queimou alguma coisa ou se faltou leite materno para crianças.
Quanto ao banco de sangue tivemos algumas intercorrências. Disseram que o banco estava zerado e realmente houve perdas. Inclusive, o estado do Pará doou um estoque para o estado, mas para suprir a necessidade de oito dias. Também iniciamos uma campanha maciça de doação de sangue.
Como tu que estás atuando na saúde, nesse momento de pandemia e apagão, analisa o apoio que está sendo oferecido ao Amapá?
Nós agradecemos a solidariedade das pessoas. A gente agradece também ao Governo do Pará, que enviou água e cestas básicas para as populações mais carentes e a gente quer pedir que sejam feitas as investigações de forma mais seria e que realmente as autoridades competentes analisem essa questão não só aqui no estado. Somos uma população de 800 mil habitantes, já pensou se isso fosse em São Paulo, no Pará, Rio de Janeiro?
Hoje estamos no 18° dia de apagão, gostaria que tratassem a coisa pública de forma mais mais séria, ao privatizar uma empresa que olhassem para a população do estado ou do município. O que realmente aquela empresa vai deixar para aquele município?
Temos quatro hidrelétricas, mas não podemos usufruir da energia, que é vendida para todo lugar, aqui a nossa energia é super cara.
Nesse momento, o que a gente pede é que o governo realmente ajude as famílias que estão precisando, libere o auxílio-emergencial, se sensibilizem com o povo do Amapá, que é um povo em que 70% dos trabalhadores vivem na informalidade, porque nos não temos indústrias, as hidrelétricas dos municípios contratam empresas de fora, mas toda a matéria-prima daqui vai para lá e volta mais cara para os brasileiros.
Nós não estamos no fim do mundo. Nós somos pessoas, somos gente, queremos ser respeitados. Nós temos uma grande floresta, o grande rio Amazonas, grandes riquezas minerais e pedimos a todos que deem apoio ao Amapá nesse momento tão difícil que a gente tá passando.
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Ao que tudo indica a empresa não tinha um plano B para atender a população. Tu achas que a privatização pode ser fato que contribui para o caos que vocês estão vivendo?
Realmente a privatização fala alto no nosso país, tudo querem privatizar. Veja você, com o caso do sucateamento do Sistema Único de Saúde (SUS), os hospitais principalmente foram todos privatizados. Você não tem exames dentro dos hospitais, quem faz os exames são os laboratórios de fora.
Se é um exame de tomografia, é feito em clínicas particulares. Então é preciso discutir mais essa questão de privatizar, porque isso trás um enorme prejuízo, afinal, quem ganha com a privatização são os grandes empresários.
Aqui em Macapá temos uma hidrelétrica no município de Ferreira Gomes. Lá acabaram com o rio, acabaram com a flora, a pesca dos moradores daquele entorno.
Agora o local é um cemitério e antes era um ponto turístico do estado, a gente se deslocava de Macapá e em duas horas estava lá para tomar banho, para passar um final de semana com a família.
Não deixaram nada em Ferreira Gomes. Não construíram hospitais, não construíram praças. Então, a gente gostaria que quando fossem privatizar fossem feitos debates, porque sempre quem acaba perdendo é a população.
Edição: Rodrigo Durão Coelho