Neste ano, na véspera do 20 de novembro, o Dia da Consciência Negra, João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, foi espancado até a morte por um segurança e um policial militar dentro de uma loja da rede Carrefour, em Porto Alegre (SP).
Em resposta ao assassinato brutal, atos articulados pelo movimento negro em várias partes do país, levaram indignação e revolta às ruas, em uma data que deveria ser para reflexão sobre a posição social dos negros no país – os mais afetados pela desigualdade e pela violência no Brasil.
Nas ruas de São Paulo, mais de mil manifestantes aderiram à 17ª Marcha da Consciência Negra de São Paulo. O ato se concentrou no vão do Museu de Arte de São Paulo (MASP) e se dirigiu a uma grande unidade do Carrefour, na rua Pamplona, que acabou destruída pelos manifestantes.
Não foi o primeiro episódio de racismo e descaso praticado pelo supermercado. O Carrefour carrega um histórico de violências envolvendo os clientes e os próprios funcionários.
O Brasil de Fato acompanhou a mobilização em São Paulo, e escutou as principais vozes que ecoaram no dia 20 de novembro. Confira:
40 mil mortes por ano
"O João foi morto de forma genocida e brutal, mas quantos jovens já não morreram de forma brutal? Ou na bala pela polícia, ou pelo epistemicídio, ou por ausência de políticas de proteção, ou por ausência de equipamentos públicos que garantam suas potencialidades. Nós temos anualmente mais de 40 mil mortes de jovens negros por ano. Então, a gente está vivendo um momento de avanço de setores neoconservadores impostos pelo ultraliberalíssimo, e de avanço do racismo estrutural e institucional". Júlio Cezar de Andrade, assistente social e integrante do Mandato Coletivo Quilombo Periférico, chefiado por Elaine Mineiro.
Dignidade para o povo preto
"Nós estamos sendo massacrados de todos os lados, em todos os níveis e setores estruturais. Tem que melhorar a procura por empregos, moradia, as condições de vida do nosso povo. A nossa população negra de rua é muito grande. Há muitas mães com crianças nas ruas. É ter dignidade para o povo preto. A gente precisa de respeito. Respeito no nosso trabalho, na nossa cidade, no nosso bairro". Elaine Regina, professora e integrante da União de Negros pela Igualdade (Unegro).
Plano de extermínio
"Eu queria lembrar para vocês que aqui na cidade de São Paulo uma pessoa negra teve três vezes mais chance de morrer por covid do que uma pessoa branca. Isso é um plano de extermínio, um plano de genocídio contra nós. Mas a gente está aqui, firme, marchando, em luta, porque a gente sabe que coletivamente a gente sobrevive. Nenhum de nós, e o povo negro sabe disso, sobrevive sozinho. A gente cuida um do outro, e a gente vai cada vez mais chegar em lugares maiores, em lugares melhores, para garantir a proteção da vida dos nossos e para garantir uma sociedade inteira radicalmente diferente". Luana Alves, em seu discurso contundente em frente ao MASP. Feminista negra, trabalhadora da saúde e militante LGBT, foi eleita vereadora pelo PSOL, em São Paulo.
Responsabilidade de todos
"Eles nos batem, nos xingam, nos humilham sem cessar, e enquanto o povo preto, enquanto o povo periférico não fincar o pé na rua, não fincar o pé na luta, e da rua não arredar, eles vão continuar. É responsabilidade de todos. Todos os pretos, todas as pretas, e todos os que se dizem aliados da nossa causa". Elaine Mineiro, em seu discurso em frente ao MASP. A educadora e coordenadora de um dos núcleos de base da Uneafro, rede de cursinhos populares, foi eleita vereadora pelo PSOL em São Paulo, por meio do Mandato Coletivo Quilombo Periférico.
Lutador periférico
"Eu vim da rua, conheço a rua, conheço os bang, e já cansei de chorar muitas vezes o meu sangue. Negro, desde Palmares até agora, infelizmente mano é só tristeza na trilha sonora. Por isso, parem de nos matar. Eis a minha revanche. Aqui estou eu mais um Davi derrubando gigantes. Preto, pobre, e falo sério, aqui estou eu lutador periférico". Alexandre Bane, rapper, soletrando trecho do último disco lançado "Do papelão à reação".
Escravidão Legalizada
"Enquanto houve uma de nós de pé, a nossa herança, a nossa ancestralidade, não vai morrer, não vai tombar. Podem tombar a nossa carne, podem tombar o nosso corpo. Mas a nossa luta, a nossa garra, ela é ancestral. Foram trezentos e oitenta anos de uma escravidão legalizada. São quase 140 de uma falsa abolição e nós seguimos em marcha. Estamos marchando pelo bem-viver, estamos marchando por Marielle Franco, por Luiza Mahin, por Luiz Gama, por Dandara, por Xica Manicongo. E seguiremos em marcha, seguiremos avançando, até que todxs sejamos livres." Periférica, negra e trans, Erika Hilton em seu discurso emocionado em frente ao MASP. Com 50.508 votos, Hilton foi a parlamentar mais votada do Brasil nestas eleições e eleita pelo PSOL, em São Paulo.
Capitalismo e racismo
"Tem uma campanha da direita contra o Dia da Consciência Negra. O Bolsonaro fala que não precisa, porque não existe racismo. Então mostra que a importância desse dia de ser um dia de a gente poder recuperar a historia da luta negra contra a escravidão, que no nosso tempo só pode ser a luta contra o nosso sistema econômico, o capitalismo, que se aproveita do racismo, justamente para potencializar seus lucros, aumentar as taxas de lucratividade através da precarização do trabalho negro, a gente tem aí Ifood, o Rappi, que não deixa a gente mentir. São jovens e trabalhadores negros que não tem nem o direitos de serem reconhecidos como trabalhadores". Letícia Parks, negra, marxista e revolucionária. É militante e fundadora do Quilombo Vermelho.
Edição: Rodrigo Chagas