O prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), pediu licença do cargo por 30 dias para realizar o tratamento contra um câncer existente de 2019, que já atingiu trato digestivo, ossos e fígado. Com isso, após autorização da Câmara Municipal, o vice-prefeito, Ricardo Nunes (MDB), empresário, advogado e então vereador desde 2013, assume o cargo neste período.
Contra Nunes, no entanto, pesam algumas acusações e polêmicas que podem vir a colocar em xeque sua credibilidade na Prefeitura de São Paulo. Às vésperas da mudança no cargo, o Brasil de Fato reuniu o que há de concreto, para além dos boatos e especulações, de acusações contra o prefeito interino.
Corrupção
Embora venda a imagem de “fiscal do dinheiro público” e defenda o “combate à corrupção”, Nunes é alvo de uma investigação da promotoria do Patrimônio Público e Social do Ministério Público do Estado de São Paulo que apura indícios de superfaturamento no aluguel de creches privadas que mantêm convênio com a prefeitura.
Segundo a promotoria, Nunes teria sido favorecido por meio de sua relação com a Sociedade Beneficente Equilíbrio de Interlagos (Sobei), que recebe da prefeitura R$ 329 mil por mês para pagamentos de aluguéis de creches. O vereador nega participação no caso e diz ser apenas “voluntário” da instituição.
Outro caso de favorecimento que veio à tona durante a campanha à Prefeitura de São Paulo, em 2020, foi o repasse de R$ 50 mil sem licitação à empresa Nikkey para dedetização de creches. A empresa foi fundada por Nunes em 1997 e tem como sócias a esposa e a filha dele. As oito creches dedetizadas são controladas pela Associação Amigos da Criança e do Adolescente (Acria). A presidenta da instituição é Eliana Targino, ex-funcionária de Nunes, e o vice-presidente da Acria é José Cleanto Martins, pai de uma assessora do vereador, segundo o jornal Folha de S. Paulo.
Ao jornal, o vereador negou o favorecimento e alegou que os valores cobrados estavam “abaixo dos de mercado”, como “uma forma de ajudar as creches”. Ele também nega que a Acria seja dirigida por aliados. Ricardo Nunes declarou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um patrimônio de R$ 4,8 milhões, entre imóveis e aplicações financeiras. Em 2016, ele investiu R$ 450 mil na própria campanha e se reelegeu vereador.
Violência doméstica
A esposa de Ricardo Nunes, Regina Carnovale, denunciou o marido por violência doméstica em 18 de fevereiro de 2011. O Boletim de Ocorrência (BO) foi registrado na 6ª Delegacia da Mulher, em Santo Amaro, zona sul da capital.
Carnovale relatou, à época, que o casal mantivera uma união estável por 12 anos. Sete meses antes da agressão, os dois se separaram “devido ao ciúme excessivo” de Nunes.
“Inconformado com a separação, [Nunes] não lhe dá paz, vem efetuando ligações, proferindo ameaças, envia mensagens ameaçadoras todos os dias e vai em sua casa, onde faz escândalos e a ofende com palavrões”, diz o boletim.
Segundo o jornal Folha de S. Paulo, Carnovale foi às redes sociais em 2015 para questionar o não pagamento de pensão alimentícia à filha. Nas postagens, ela chamou Nunes de “bandido” e “crápula” e disse ter prova das agressões. “Ele sempre me bateu”, relatou. O casal reatou o relacionamento meses depois. Questionada, a mulher diz que sua conta foi “hackeada” [invadida].
Nenhuma das denúncias avançou e virou processo judicial. O vereador nega as agressões e diz que o BO foi feito em um período em que esposa estava “emocionalmente abalada”.
Covas foi perguntado sobre o tema ao menos duas vezes durante a campanha, e adotou tons diferentes nas respostas. Em 16 de outubro de 2020, durante o 1º turno, o atual prefeito disse que “é inaceitável violência contra mulher” e que Nunes devia esclarecimentos sobre o caso. Na última segunda-feira (23), durante o programa Roda Viva, da TV Cultura, Covas minimizou o episódio.
"Não há uma denúncia sequer de agressão envolvendo o vereador Ricardo Nunes. Dez anos atrás, teve um desentendimento dele com a Regina, sua esposa, que continua como esposa”, afirmou. “Transformaram ele num agressor”.
Contra igualdade de gênero. A favor do Escola Sem Partido
Ao jornal Folha de S. Paulo, Nunes afirmou que não fará mudanças expressivas enquanto prefeito interino e, que para todas as questões que abarcam temas polêmicos, Bruno Covas será consultado. "Não farei absolutamente nenhuma mudança no rumo da prefeitura ou em secretariado, em hipótese alguma, isso nem me passou pela cabeça", afirmou Nunes.
O vereador é apoiador do projeto “Escola Sem Partido”, que pretendia censurar os professores e limitar sua autonomia, Nunes defendeu em plenário a retirada do termo “gênero” do Plano Municipal de Educação (PME). A palavra aparecia oito vezes no texto, sempre no sentido de estimular o debate e a tolerância sobre a diversidade.
O PME é o documento que estabelece metas e diretrizes para a educação de crianças com até 14 anos. Nunes argumenta que a “ideologia de gênero” – expressão inventada pela extrema direita para impedir o avanço de debates sobre diretos da população LGBTQIA+ – é “uma coisa nefasta” e visa à destruição da “família tradicional brasileira”.
“Não cabe ao estado, e sim à família, construir os valores que a criança terá”, disse à época. Especialistas no tema, por outro lado, apontam que a educação de gênero na escola coíbe a discriminação da população LGBTQIA+ e previne feminicídios.
Edição: Rogério Jordão