O que se faz necessária é reunião dos progressistas no Brasil
Por Martonio Mont'Alverne*
Não há como se discordar de que o resultado das eleições municipais serve apenas de indicador para eleições nacionais. O ambiente da disputa é outro, o contato do eleitor com os candidatos e com os eleitos é diferente, além de os temas de uma e outra eleição serem completamente distintos.
Por outro lado, a eleição municipal mostra o rumo da política em geral. Eis o que interessa. A primeira observação que me parece possível é a de que não houve um considerável avanço do centro liberal, mas sim da direita mesmo.
Primeiro, porque não temos um centro liberal, como querem certos intelectuais e jornalistas de Vichy: temos uma direita incivilizada, que sequer aceita as regras do estado democrático de direito. Veja-se o caso dos Democratas, o partido que mais cresceu nas eleições de 2020.
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Até março de 2007 se chamava Partido da Frente Liberal, PFL. O mesmo PFL que é egresso da antiga Arena, sustentação política da ditadura militar. A cisão da Arena em PDS e PFL se deu por divergência quanto às candidaturas desse bloco ao antigo colégio eleitoral que elegeria o presidente da República em 1985.
Portanto, é inteiramente inapropriado enxergar nesse partido um tradicional fiador da democracia. Sua origem desautoriza qualquer esperança nesse sentido.
Segundo, porque se quase a totalidade dos candidatos apoiados por Bolsonaro foram derrotados, isso não quer dizer que um “centro democrático” esteja fortalecido. Ao contrário, Bolsonaro não terá a menor dificuldade de ser assimilado por este mesmo dito “centro democrático”. Em todo caso, estamos diante de um avanço dos setores conservadores da sociedade brasileira.
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Apesar de esquerda e centro-esquerda terem tido importantes destaques durante o processo eleitoral - como Fortaleza, Porto Alegre, Recife, São Paulo, Vitória, e ainda com as cidades médias cujos melhores exemplos são Diadema e Juiz de Fora – tais destaques não podem ofuscar o quadro real: há a necessidade de reorganização da esquerda e centro-esquerda para 2022. O sinal de alerta está a soar.
O PT ainda é o maior partido desse campo do espectro político e Lula ainda é uma liderança expressiva. A resistência de seu nome consegue sobreviver aos ataques diários da mídia mainstream, bem como, mais recentemente, às bravatas do próprio campo da centro-esquerda.
O discurso a alimentar o “antipetismo” vindo da própria esquerda nada mais traduz do que uma visão oportunista e pueril, que pode se voltar contra quem a explora. O que sempre se viu na história brasileira foi a prova de que, todos – sem exceção – todos os governos que tentaram expandir a cidadania foram bloqueados e golpeados pelo conhecido “centro democrático”: Getúlio, Juscelino, João Goulart, Lula e Dilma.
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Em todos o recurso ao “mar de lama da corrupção” esteve presente e foi determinante para o envenenamento do ambiente político. Portanto, quem hoje vive a se alimentar do “antipetismo” e espera colher frutos com isso, será a próxima vítima, desde que, claro, defenda a ampliação de direitos e a soberania nacional.
A mesma história também nos mostra que elementos que compõem o fascismo se originam das profundezas da sociedade política, que sempre falaram contra corrupção, quando na verdade querem destruir a divergência e o pluralismo que se constituem na base da democracia.
O que se faz necessária é reunião dos progressistas no Brasil. O sinal que as eleições municipais de 2020 enviaram parece ter sido claro nesse sentido. Para que tal reencontro seja possível, há a exigência da maturidade política onde se reconheça e se respeite o protagonismo daqueles que ainda possuem força e penetração política, sem descredenciá-los com o coro às vozes reacionárias do país.
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Não se deve ter a ilusão de que esta será uma tarefa fácil, mas não será impossível. Ao mesmo tempo em que os progressistas brasileiros devem atentar para o que disseram as eleições de 2020, devem também não perder de seu horizonte que a história de nosso país cobrará pelas atitudes desse momento. Desse julgamento, ninguém escapa.
*Martonio Mont’Alverne Barreto Lima é Professor Titular da Universidade de Fortaleza e Procurador do Município de Fortaleza. Jurista membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Leandro Melito