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SP: Secretaria de Cultura do governo Doria é acusada de aparelhar organização social

Contratação de amigos do secretário Sá Leitão para organização social da Cultura será alvo de inquérito do MP

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Leitão assumiu a secretaria em 1º de janeiro de 2019, quando João Doria tomou posse como governador de São Paulo - Tomaz Silva/Agência Brasil

Dona do segundo maior contrato da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo entre as Organizações Sociais (OS), R$ 153 milhões, a Amigos da Arte mantém em seus postos de comando pessoas ligadas ao secretário da pasta, o jornalista Sérgio Sá Leitão, o que configuraria, de acordo com especialistas em Administração Pública, aparelhamento da entidade pelo governo paulista.

O Ministério Público Estadual de São Paulo (MPE) instaurou um Procedimento Preparatório de Inquérito Civil para investigar a relação entre o secretário e os trabalhadores nomeados na Organização Social. No dia 19 de outubro, um ofício foi enviado à pasta, solicitando que Sá Leitão se posicione sobre as acusações. O prazo para resposta é de 60 dias.

A Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo enviou uma nota ao Brasil de Fato com algumas imprecisões. Durante a reportagem, as respostas da pasta serão colocadas e rebatidas, quando necessário, para que o leitor tenha pleno conhecimento dos fatos. A pasta informou que não foi notificada pelo Ministério Público e que “a matéria não apresenta prova de que o assunto será abordado em inquérito.”

No procedimento, que é interno e o Brasil de Fato se resguarda ao direito de não revelar a fonte, o MPE afirma que o processo é para “apuração de suspeita de má gestão de recursos públicos e afronta aos princípios administrativos pela Organização Social de Cultura Amigos da Arte”, que “manteria estreita ligação com a pasta, com a contratação de empresas e pessoas próximas ao atual Secretário Sérgio Sá Leitão para prestação de serviços e cargos de direção.”

De acordo com a assessoria do MP, o ofício foi enviado à Secretaria de Cultura e à Amigos da Arte, via Procuradoria Geral de Justiça do Ministério Público, no dia 19 de outubro. Ainda sem resposta.

Leitão assumiu a secretaria em 1 de janeiro de 2019, quando João Doria, governador de São Paulo, tomou posse. Até então, a diretora executiva da Amigos da Arte, que se chamava Associação Paulista Amigos da Arte (APAA), era Gláucia Vanini Costa. Três meses depois, em março, Danielle Barreto Nigromonte foi anunciada para o cargo e passou a comandar a organização.

A relação dos dois é antiga. A RioFilme, empresa da Prefeitura do Rio de Janeiro que apoia o mercado exibidor carioca, foi presidida por Sá Leitão por seis anos, entre 2009 e 2015. De janeiro de 2012 até dezembro de 2012, Nigromonte foi Gerente de Investimentos da RioFilme do órgão.

Em novembro de 2012, Leitão assumiu a Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro e nomeou, no mês seguinte, Nigromonte como subsecretária da pasta. Até janeiro de 2015, o jornalista acumulou os cargos na RioFilme e o comando da pasta no governo carioca.

Em 25 de julho de 2017, Leitão assumiu o Ministério da Cultura do governo do ex-presidente Michel Temer. No dia 13 de dezembro do mesmo ano, o então ministro visita Niterói, no Rio de Janeiro, para anunciar o edital de fomento audiovisual, uma parceria entre o município e o governo federal. A ideia era transformar a cidade fluminense em polo de superproduções do audiovisual brasileiro. Na época, Nigromonte era subsecretária de Cultura da prefeitura niteroiense.

A Secretaria de Cultura afirma que “não procede a informação de que, como Ministro da Cultura, Sérgio de Sá Leitão teve como objeto transformar Niterói em “polo de superproduções do audiovisual brasileiro”. Porém, em 26 de setembro de 2017, dois meses após a primeira visita de Sá Leitão à Niterói, o Ministério da Cultura publicou um texto em seu site comentando a parceria com a prefeitura do município carioca.

“Para o ministro, Niterói passar a ser um dos principais polos de audiovisual do Brasil é uma possibilidade. ‘Isso certamente terá um reflexo grande para o desenvolvimento, não só do setor audiovisual brasileiro, mas, sobretudo, da cidade, porque as atividades que compõem o campo da economia criativa – e o audiovisual é uma delas – têm um alto impacto sobre a geração de emprego e renda’”, afirmou Leitão, em nota durante sua gestão no Ministério da Cultura.

No período em que Sá Leitão foi ministro da Cultura, entre julho de 2017 e dezembro de 2018, o chefe de gabinete da Secretaria de Economia Criativa do ministério era o produtor cultural José Mauro Gnaspini, que hoje é diretor de arte e Cultura da Amigos da Arte e que também foi nomeado em março de 2019 (Erramos: a matéria informava que Gnaspini foi chefe de gabinete do Ministério da Cultura).

Gnaspini criou a Virada Cultural Paulistana, que teve sua primeira edição em 2005. No ano de 2015, o Tribunal de Contas do Município sentenciou que os contratos estabelecidos pelo produtor cultural na edição de 2012, na gestão do ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD), foram irregulares.

No período em que Gnaspini foi responsável pela Virada Cultural Paulistana, um nome se tornou comum entre os contratados para prestarem serviços ao evento: Francisco Azevedo, conhecido como Kiko, que hoje é gerente de comunicação da Amigos da Arte.

Em 2010, Kiko foi contratado por R$ 30 mil para criar a comunicação visual da Virada Cultural daquele ano. Na edição de 2013, Kiko foi contratado por R$ 40 mil para fazer o planejamento visual da apresentação do evento à imprensa, criação artística do mapa das atrações, folder e toten.


Contratos de Francisco Azevedo, o Kiko, com a Virada Cultural, nos anos de 2010 e 2013 / Foto: Reprodução

Aparelhamento

O deputado estadual Carlos Gianazzi (PSOL) apresentou uma representação no Ministério Público pedindo que o caso seja investigado. O parlamentar criticou a relação do secretário com os diretores da Amigos da Arte.

“Todos os indícios levam a crer que ele [Sá Leitão] aparelhou essa organização social, que tem um orçamento milionário, são R$ 150 milhões, e, pelo menos, três pessoas trabalhavam diretamente com ele, são próximas. Estranhamente, após a entrada dele na secretaria, essas pessoas são nomeadas. Precisamos aprofundar as investigações, é muito solar e clara essa questão”, afirmou Giannazi.

Em nota, a Secretaria de Cultura afirma que “os valores dos contratos de gestão citados na reportagem não conferem. Em 2020, a Secretaria repassou à Amigos da Arte R$ 33,1 milhões; à Fundação Osesp, R$ 51,8 milhões”.

Porém, o que a matéria informa é o valor total do contrato da Secretaria de Cultura com a Amigos da Arte que, de acordo com o site Transparência do governo de São Paulo é de R$ 153 milhões durante o período de cinco anos. Os valores pagos anualmente pela pasta não foram tratados pela reportagem.

Ainda de acordo com a secretaria, “não há na matéria prova de que o secretário Sérgio Sá Leitão tenha solicitado ao Conselho de Administração da Amigos da Arte ‘a contratação de empresas e pessoas próximas’ a ele ‘para prestação de serviços e cargos de direção’”.

Na reportagem não foi informado que Sérgio Sá Leitão tenha solicitado a contratação de funcionários da organização social Amigos da Arte e nem que tenha se oposto à contratação de pessoas próximas a ele para ocupar o cargo.

Julio César Chaves, coordenador de Direito Público do WFaria Advogados, explica que “a organização social nasceu para melhorar um problema que a administração pública tem, que é a licitação. A área da saúde, especificamente, não pode esperar [o tempo dos editais]. A OS pode driblar a burocracia e tornar o processo mais célere. Porém, essa burocracia tem uma razão, que é coibir esse tipo de abuso.”

Para Chaves, em relação à da Amigos da Arte "existe sim, nesse caso, a possibilidade de haver conflito de interesse.”

“O ponto é quando existe um vínculo extra muros da organização. Recomendamos aos nossos clientes, em licitação principalmente, que os gestores contratuais não tenham nenhuma relação com os ordenadores da despesa do órgão. Muitas vezes, por mais que não seja um nepotismo, acaba gerando um conflito de interesse. Existe sim, nesse caso, a possibilidade haver conflito de interesse.”

Clóvis Bueno de Azevedo, formado em Administração Pública na Fundação Getúlio Vargas (FGV), explica que "o pecado original" acontece quando o governo contrata organizações sociais que são dirigidas por grupos ligados politicamente ao ele.

"Você já escolhe uma OS dirigida por quem você tem ligação política, isso implica em contratos não tão claros, eventualmente se paga preços mais caros, vão trabalhar nas OSs pessoas que são próximas do governo, tem um conjunto de imoralidades recorrentes.”

Em nota, a Secretaria de Cultura e Economia Criativa afirmou em nota ao Brasil de Fato que a direção da organização social Amigos da Arte foi nomeada por seu Conselho de Administração, conforme determina o estatuto da entidade.

"Este Conselho é presidido pelo ex-ministro da Justiça José Gregori, referência em ética e direitos humanos no Brasil. A diretoria é composta por profissionais com vasto currículo na área de gestão cultural, que já trabalharam em diversas instituições públicas e privadas. Eles foram selecionados, avaliados e contratados pelo Conselho, com total independência", diz o texto.

Ainda de acordo com a pasta, “o secretário Sérgio Sá Leitão já comandou empresas e instituições públicas e privadas que somam mais de 15 mil colaboradores. Não há impedimento legal ou ético para que uma organização social que mantém contratos com o Estado de São Paulo contrate um desses 15 mil profissionais.”

Amigos da Arte

Firmado em julho de 2016, o contrato da Amigos da Arte com a Secretaria de Cultura e Economia Criativa se encerra em 31 de outubro de 2021. O valor total é de R$ 153 milhões, que são pagos em parcelas anuais de cerca de R$ 30 milhões. Entre as Organizações Sociais que atendem o governo paulista, somente a Fundação Osesp recebe mais, R$ 255 milhões.

A Amigos da Arte administra o Teatro Sérgio Cardoso, o Teatro Municipal de Araras, e o Museu da Diversidade Sexual. Também é responsável pela organização da Virada Cultural, do Circuito Cultural Paulista e o Revelando São Paulo.

Trabalhadores da Amigos da Arte revelaram ao Brasil de Fato, sob anonimato, que as condições de trabalho “pioraram” com a chegada de Nigromonte ao comando da organização social e enfatizam que a gestão é mal avaliada internamente.

“Desde que essa nova diretoria assumiu, estamos com muito medo. A gente sabe que estão fazendo coisas erradas, hora contratam o amigo de um, o namorado da outra ou a namorada do outro. Temos receio de envolverem a Amigos da Arte num escândalo como foi o da Ancine [Agência Nacional do Cinema]".

Segundo o trabalhador, que pediu para não ser identificado por receio de demissão, desde que a nova diretoria assumiu, "aumentaram as demissões, quem faz crítica é colocado na geladeira ou retaliado". Ele relata ainda que, com a pandemia do coronavírus o contato entre os trabalhadores e a direitoria da empresa diminuiu e o conselho foi blindado de qualquer reclamação dos funcionários.

"A grande maioria tá insatisfeita mas a gente não tem a quem recorrer e, no final das contas, todo mundo precisa do emprego”, explica.

No começo de 2019, a Amigos da Arte mantinha 71 trabalhadores contratados no regime de Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), 21 foram demitidos no decorrer do ano. Ao todo, a Organização Social gastou R$ 513 mil com os afastamentos.

No site da entidade, não há transparência sobre os valores de remuneração dos trabalhadores. Uma tabela com salários por cargo está disponível, mas sem nomes.

Centralização

O principal programa da Amigos da Arte para o período da pandemia no estado de São Paulo é o “Cultura em Casa, plataforma online onde artistas se apresentam ao público. A organização social contratou 120 projetos, sendo que 9% estão no interior e 91% na capital. Nenhuma iniciativa do litoral paulista foi contemplada.

Sobre a concentração de contratações na capital, a Amigos da Arte explicou. “A questão da origem territorial do representante não é um quesito fundamental nessa escolha, o que não elimina que, em outras ações de difusão e fomento, a questão territorial seja legitimada e reverenciada. Como exemplo citamos as chamadas públicas do Juntos Pela Cultura, onde consta em regulamento de algumas iniciativas que todas as regiões administrativas do estado de São Paulo devem ser atendidas para equalizar o atendimento e acesso.”

Via Lei de Acesso à Informação (LAI), a Secretaria de Cultura e Economia Criativa, informou ao Brasil de Fato que o valor pago aos artistas foi de R$ 458 mil, com cachês que variam entre R$ 1 mil e R$ 10 mil.

Para o período da quarentena, a Amigos da Arte também preparou outras atividades, como o “Intensivão”, o “SP Gastronomia” e o “Diálogos Necessários”. A Organização Social informa que 469 profissionais, entre artistas, técnicos e estudiosos do setor cultural, foram contratados para as atividades.

Entre os artistas, está Alexys Evagelous Anastasiou, o VJ Alexis, proprietário das empresas Visualfarm Produções Ltda e Paralax-Media Technology Ltda. O artista, que já foi contemplado em outros eventos da Amigos da Arte, recebeu R$ 367 mil para realizar projeções noturnas nos prédios do Teatro Sérgio Cardoso, do Hospital das Clínicas, e mais dois edifícios nos bairros da Santa Cecília e outro na Avenida Paulista, entre os dias 14 de abril e 28 de junho.


Projeção feita pela Paralax na fachada do prédio do Teatro Sérgio Cardoso, que é administrado pela Amigos da Arte / Foto: Reprodução

Alexis é o idealizador e integrante de outros projetos culturais particulares, ao lado de Gnaspini, o gerente de comunicação diretor de Arte e Cultura da Amigos da Arte, como do projeto “Natal Iluminado” e “Festival de Luzes”, que foram contratados pela Prefeitura de São Paulo durante os últimos anos.

Em dezembro de 2019, por exemplo, quando Gnaspini já era Diretor da OS que executa recursos públicos estaduais, o projeto de ambos foi contratado pela Secretaria Municipal de Cultura para projeções no Mosteiro de São Bento e na fachada do Edifício Matarazzo, por R$ 670 mil.

Em outubro de 2020, poucos meses após ter sido contratado pelos programas públicos estaduais da Amigos da Arte por Gnaspini, ambos voltam a aparecer na coordenação e curadoria do Festival de Luzes na capital paulista.

A Amigos da Arte afirma que “todos os contratos firmados pela entidade seguem os trâmites legais” e que “está à disposição do Ministério Público e responderá a todos os questionamentos dentro do prazo estipulado”.

A Organização Social defendeu o trabalho realizado pela entidade durante a pandemia por meio da plataforma Cultura em Casa. A Amigos da Arte afirma que a plataforma "já possui 1,3 mil conteúdos disponíveis, vistos mais de 2 milhões de vezes por cerca de 700 mil pessoas, atingindo não apenas a população de São Paulo mas todos os demais estados do país".

"O objetivo principal da plataforma é a ampliação da difusão cultural ao público de São Paulo e todo o país, considerando como diretriz o acesso à cultura como um direito humano básico e previsto também na Constituição Brasileira", defende.


Divulgação, no Diário Oficial, da contratação da VisualFarm para o evento "Natal Iluminado" em São Paulo / Foto: Reprodução

Outro lado

Por decisão da Amigos da Arte, Danielle Barreto Nigromonte, José Mauro Gnaspini e Kiko Azevedo não falaram. A Organização Social centralizou os questionamentos da reportagem. Alexys Evagelous Anastasiou não foi localizado pela reportagem.

Edição: Leandro Melito